31 dezembro 2010

BOCA DO INFERNO -66: ALGUMA LUZ PARA O ANO NOVO

-Ai dela, morta e viva na caçapa! Esse foi o grito de emoção quando viu a bola sete encalacrada na caçapa da mesa de sinuca. Estava pela bola sete! Na vida e no jogo! Nem sabia se ia voltar para casa. Então gritou para o negro suarento atrás do balcão: -Traz mais uma aí que eu quero ver essa infeliz furar a estopa! Ou ela morre ou eu morro! Ouvindo essa, o negro dono do boteco não perdeu a chance: -Não morre não infeliz, teu pendura tá comprido aqui! (E deu uma gaitada).Meu estoque de quebrafacão e jatobá já  foi pro saco! Trata de matar essa xibunga dessa bola! E toma a vitória como se fosse um recomeço na vida! Nisso entrou um meninote no bar: -Seu Manilim, mãe mandou buscar um litro de querosene! Depois pai paga! 
O cabra que mirava a bola sete com o taco ameaçando a bola branca levantou a cabeça: -Tua mãe acha que eu sou rico é Damião? Para de malinar nesses sacos de pipoca aí e puxa pra casa! -Mas pai, hoje é virada do ano, a gente vai ficar no escuro de novo? Eu queria pelo menos ler uma história do livro da escola para mainha e as meninas! Uma estória bonita de final de ano feliz, como fazer isso no escuro? Os candeeiros já comeram a matula quase toda, sem uma gota de querosene! - Dá um um jeito de ler essa bobajada enquanto tiver claro! O pai interveio sem pena. - Mas pai, minha mãe e as meninas só vão pra casa à noite, depois que acabar o eito combinado da arranca de feijão de seu Modesto. Agora, ela só passou lá em casa para cozinhar um feijão para nós. - Vixemaria, era hoje é? Nem lembrei dessa coisa! Disse o pai coçando a cabeça e apoiando o taco de sinuca sobre a ponta da sandália velha de couro. - Tô empembado mesmo! É coisa do cão isso! 
Seu Manilim já ia dar uma sugesta quando entrou o negro Soizinha no estabelecimento: -Oi, merimãozim! Cela largou Soizinha, mas num tem nada não merimãozim, Soiza dá um jeito! O que importa é que Soiza tá vivo, num é merimão? Enquanto dizia isso Soizinha quebrava o corpo para um lado e para outro, ia para frente e para trás quase imitando um gingado de capoeira. - E esse bitelim aqui é teu merimão? Perguntou o negro Soizinha para o homem apoiando o braço no taco de sinuca. Soizinha alisava a cabeça do menino enquanto abria um sorriso simpático. - Ô merimãozim, Soizinha queria um bichim desse aqui, mas Soiza num pode merimão! É muita labuta mode criar o bichim! Tem que dar o dicumê, os estudo, umas mudinha de pano pra mode agasalhar o bichim e Soizinha num tem de onde tirar, merimãozim! Por isso Soiza ficou aqui só!
 O homem finalmente conseguiu enxergar o menino ali diante dele, ao lado do negro Soizinha. Jamais tinha olhado para o filho de tal maneira. Olhou nos olhos do moleque e viu que havia certa altivez e um frescor de esperança que ele mesmo nunca teve. Sentiu-se orgulhoso por um instante. Aquele moleque ali tinha bons sentimentos, tinha alma de desbravador e ele mesquinhando um litro de querosene, enquanto enchia a cara de pinga e jogava sinuca! Um derrotado querendo derrotar o próprio filho.
 Olhou para a bola sete encalacrada na caçapa do canto da mesa de sinuca. Largou o taco e foi abraçar o moleque como nunca havia feito. Tomado de emoção foi ao balcão: - Seu Manilim, me bota um litro de gás aí e ajeita uns quatro pacotes de pipoca para meu menino aqui. Seu Manilim que viu no olhar do homem uma mudança, algo  diferente do de sempre, nem se importou com mais um pendura. Providenciou o querosene e as pipocas. Então o homem pegou as provisões e já ia saindo abraçado ao menino quando ouviu a voz do dono do boteco lá de detrás do balcão: - Não vai derrubar a bola sete não? Foi nesse momento que Soizinha atalhou a conversa de Manilim. Não perdeu tempo e interferiu antes de qualquer resposta do homem: - Ô merimão, o home já venceu a partida, sossega!   HÁ BRAÇOS!

30 dezembro 2010

UM GOSTO MUITO ESPECIAL

     Para Edmundo Agnelo e Dermival Agnelo

O emendar de cantos de galos se estendia como uma corrente sonora que tomava conta do povoado. Era madrugada na vila de Buqueirão da Serra. Meu avô se livrava da cama  já reclamando de alguma coisa. Minha avó, mais ágil, não passava de um vulto ariando um imenso tacho de cobre. Entoava baixo, para si mesma, alguma ladainha. Meu avô amargo, ela doce. Minha avó doceira e dócil, o marido lavrador, mal humorado. Apesar do nome, meu avô em nada lembrava um cordeirinho. Fato é que essa antítese primal gerou uma família. Entre os dois temperamentos germinaram outros e as alegrias e desgostos foram se alternando.
O velho levou o chapéu de massa à cabeça e atravessou a Rua Nova rumo à praça da feira. Passo apressado para se livrar da concorrência. Sempre o primeiro a chegar às bancas de carne levava o melhor jornal. É que àquela altura dos anos cinquenta a existência de rádio ou jornal no lugarejo de pé de serra era precária e meu avô, ao que parece, herdou a curiosidade e a ansiedade por leitura como a maioria dos descendentes de Isabel, filha do patriarca daquele pedaço de chão. Desde os anos quarenta cultivava o hábito de comprar a carne que vinha fartamente enrolada em folhas velhas de jornal. Ficava assistindo e orientando o açougueiro a enrolar o jornal na carne de modo que não estragasse as folhas. Chegando em casa desfazia a embrulho com zêlo até ter livre nas mãos duas ou três folhas inteiras, que botava para secar. Mais tarde leria uma a uma se deliciando das notícias publicadas há mais de cinco meses ou ano. Era um ritual, todas as tardes: escorava o tamborete na parede da frente da casa e abria sua preciosa folha de jornal, no que ia lendo lentamente e com alguma dificuldade até as vistas arriarem, atrapalhando a vontade. 
A leitura amenizava o mau humor do velho, todos já sabiam disso e preferiam não incomodá-lo, e torciam também para que as folhas manchadas de salmora alimentassem o ânimo dele até a próxima feira. Quando a leitura não dava até o fim da semana meu avô ralhava, implicava com os meninos, reclamava até do cheiro “enjoado” do doce de gergelim fervendo no tacho. Minha avó murmurava enquanto mexia o doce, pedia a Deus uma explicação para o destempero do marido.
O velho descobriu a mina de jornais vencidos quando passou a matar porcos para vender da feira da pracinha da vila. Na convivência com os açougueiros da Lagoa e da Roça de Dentro, negociava as sobras de jornal das bancas por tiras de toucinho. Às vezes voltava para casa com uma pequena pilha de folhas soltas dos diários que circulavam pela capital. Quando não havia jeito de faturar algumas para ler em casa, acabava comprando a carne dos comparsas de banca exigindo que a enrolassem em fartas folhas de jornal.
Certo final de feira, sem conseguir trocar uma tira sequer de toucinho pelo jornal de sempre, o velho desesperou-se. Não podia cometer a loucura de comprar carne apenas para ter o jornal. A feira tinha sido fraca e boa parte da carne de porco que levara voltaria para casa, tornando difícil justificar à mulher o gasto com carne. Voltou então com um terrível mau humor. Passou porta à dentro sem sequer olhar para um grupo de rapazes sentados na calçada vizinha, conversando e dando risadas. Já na cozinha, antes de a mulher dizer qualquer coisa, foi logo disparando:
Não agüento esses moços de hoje com essa rincheta e essa chincharra! Em vez de irem ajudar os pais na roça ficam alimpando calçadas dos outros, vigiando a vida alheia!
A mulher que mexia um tacho de doce de buriti na trempe improvisada no alpendre, levantou a cabeça e ficou tirando uma linha do marido, mas não disse nada. Então um cheiro forte de perfume Casa Blanca impregnou o ambiente e chegou às narinas do velho.
- Rum, hum, hum, que carniça é essa? – disse sem esperar resposta, saindo em direção ao quarto, no que entra encontra um dos netos, todo lorde, penteando o cabelo. Mais uma vez desabafou:
  - Não posso nem ver esses rapazes que passam o dia na frente do espelho com o pente enfiado no cabelo!
- Ôxe vô, hoje tem baile na Voz do Povo, é mode eu ir parecendo o quê?
-      Tá, mas precisa engomar a cara com brilhantina?
-      Não vô, mas todo mundo usa!
-      E onde arranjou essa goma e esse cheiro?
-      No armazém de seu Marcionilio!
O velho torceu a cara meio que desaprovando e disse antes de se retirar do quarto: - Seu Marcionilio tá botando a mocidade a perder!
O anoitecer morno não amenizou a inquietação do velho. Ele então foi ao gabinete do primo boticário, na Rua Grande, recentemente autorizado para a profissão de dentista, que já exercia, a fim de prosear e saber a quantas andava a política de Cazuzão e João Soares em Xique-xique. Na feira havia encontrado aquele parente montado num cavalo, com a voz trovejando, vindo da beira do rio e prometera passar no gabinete dele para se inteirar das novidades políticas.
Chegou ao gabinete do parente e o encontrou concentrado na leitura de um manual de Medicina Homeopática.
-      Entra primo! – estrondou a voz lá de dentro.
- Moço, assunta o atropelo... - disse meu avô com voz mansa ao passo que seguia em direção ao dentista, - Tem uns dois dias que não me aparece uma folha mode eu ler. Vai dando um nervoso do diacho!
- Pois isso não é problema! - disse o boticário levantando as vistas. Olha aqui esses Almanaques Capivarol que me arranjaram lá na beira do rio! Pode levar se quiser todos os volumes!
O velho arregalou os olhos, esboçou um leve sorriso, recolheu o pacote com uns seis Almaques Sadol e Capivarol agradecendo ao primo e sentou-se no tamborete, ao lado de uma espécie de motor a pedal, puxando prosa:
- É verdade que João Soares num tá querendo arredar o pé de indicar o delegado?
- É, mas isso já é empreita perdida! Cazuzão já acertou com o governador e o delegado é nosso! Vamo ajeitar Jõao Barreto! Mas os home aqui, cê sabe, acertaram Dió pra representar na vila. Vamo ver quem tem mais braço!
- Tomara que  Buqueirão da Serra saia ganhando nessa história! .
Depois de uma longa prosa, meu avô bateu perna pra casa, leve como um tufo de algodão. Só de olhar para aquele estimulante pacote de almanaques. Agora sim tinha munição pra bem um mês, isso contando as relidas.
Chegou em casa assoviando, deixou os almanaques em cima de uma velha cristaleira no quarto da entrada do corredor, pegou no colo uma neta pequena que àquela hora ainda brincava com uns bois de buso e uma boneca de pano nos ladrilhos do corredor da casa. Fez umas brincadeiras, foi lá dentro do quarto de despensa trouxe um taco de rapadura e deu para a pequena se distrair. Voltou para o quarto, catou um Capivarol, posicionou o candeeiro e recostou no colchão recheado de palha de uma cama velha de solteiro e começou a folhear com prazer e curiosidade a singela publicação. (segue)

LULLA, A FARRA PUBLICITÁRIA!

Lulla se despede do posto de presidente da república com uma aprovação impressionante, mas não tão impressionante quanto o volume de marketing e publicidade que tem sido investido nos últimos dias em sua imagem. A insistência em compor uma imagem de salvador, uma imagem santificada de Lulla chega às raias da irracionalidade, lambe as fronteiras do grotesco.
Essa coisa de endeusamento já vinha rolando desde aquele filme fracassado Lula, o filho do Brasil que tentaram em vão fazer cair no gosto popular. Agora procuram criar um fantasioso clima emocional de despedida para quem sabe preparar o retorno dessa figura ao poder. O problema é que nesses últimos suspiros de 2010, quanto mais intensificam a publicidade, mais Lulla fala abobrinhas, mais se comporta como um fanfarrão ridículo e tresloucado.
 Para mim, Lulla já vai tarde, ele e seu rol de mentiras, ele e sua cota pessoal de corruptos, ele e sua vigarice notória, ele e sua língua grande pingando vaidades e lorotas.  E digo mais, a quantidade de milhões desperdiçados na despedida publicitária de Lulla daria muito bem para construir   algumas centenas de casas do programa Minha casa, minha vida que prometeu a entrega de um milhão de casas e  alcançou pouco mais de duzentas mil.  Há braços!

29 dezembro 2010

NO LEITO DAS RELEITURAS

Aos poucos venho tornando cotidiano o exercício da releitura. A certa altura da vida  assalta-nos o sentimento de que releituras são mais importantes do que leituras. Talvez isso ocorra quando a gente se dá conta de que a memória sabe mais das leituras do que das próprias obras lidas. Aí é hora de voltar aos textos, às fontes das memórias. E quão maravilhoso é constatar que na verdade não existe releitura, pois quando a gente volta ao texto ele abre-se como um leque de novidades e surpresas. Aqui vale reinventar a máxima de Heráclito de que o homem não toma banho duas vezes no mesmo rio,  porque  ao fazê-lo nem ele e nem o rio serão mais os mesmos. Pois então, ao reler nem o leitor e nem o livro serão mais os mesmos. 
A volta ao texto revela-se assim como a ida a outro texto. Eis um dos mistérios da linguagem: os mesmos signos com outros sentidos! Estão os sentidos, afinal, no homem, no texto e no mundo que o cerca . A dinâmica simbólica que altera a todo momento a cognição humana lança seus fios e raízes sazonais nos acontecimentos, nos eventos e nos signos espalhados ao longo da existência e tudo se decompõe e se recompõe de modo às vezes imperceptível. Quando voltamos ao livro sobre o qual nos debruçamos há alguns anos sentimo-nos surpresos com as novidades que a leitura fresca vai apresentando ao nosso entendimento. Acodem-nos inesperados sentidos, muitas vezes em franco desencontro com a nossa memória. Há braços!

27 dezembro 2010

A BURGUESIA DO DINHEIRO PÚBLICO

Eles odeiam a burguesia! Fundaram sindicatos e construiram carreiras políticas as custas do discurso contra a exploração, crime praticado por  patrões e por burgueses. Alimentando o ódio contra burgueses e patrões, eles arrebanharam gente suficiente nos seus sindicatos, com isso foram armando fio a fio tramas no espaço do poder. Nas tramas do poder que teceram dos sindicatos até a administração pública, alcançaram os melhores postos e se apossaram deles como um direito vitalício rubricado pelo gado que reúnem sob seu comando. Falo do sindicalismo brasileiro. A estufa das piores práticas políticas da atualidade.
O governo Lulla está tomado pela burguesia sindical. Segundo uma pesquisa da professora da PUC-RJ, Maria Celina D'araújo, autora de "A elite dirigente do governo Lula", quase metade (42,8%) dos cargos públicos DAS 5 e 6, com salários de até 22.000 reais é ocupada por sindicalistas, sendo que 84% desses 42,8%  são sindicalistas do PT. Então a gente pode ter uma noção dos objetivos dessa turma que arrota ódio a patrões e burgueses em geral e usa sindicatos como currais para mover manadas em direção aos seus objetivos nada coletivos. 
Fora o bilionário imposto sindical arrancado dos salários, independente da vontade do cidadão trabalhador, essa gente que "odeia exploração e burgueses" ainda abocanha seus carguinhos no governo para tirar seu troquinho de vinte e dois mil reais e tomar seu wisquinho 12 anos e levar sua vidinha burguesa financiada pelo sangue dos trabalhadores e pela grana pública. O sindicalismo está calado há oito anos. Dá para entender o motivo agora ou precisa desenhar? O ódio deles é retórico, sempre foi! O ódio deles escondia na verdade o desejo de explorar e sugar os trabalhadores tanto quanto os patrões e a burguesia privada. Assim, em que eles se transformaram mesmo? No que sempre foram! E acertou na mosca quem  respondeu NA BURGUESIA DO DINHEIRO PÚBLICO! Dito isso não é difícil constatar que os trabalhadores estão mais ferrados do que antes: agora eles são explorados pela burguesia do dinheiro público também. Há braços!

A ERA DO ARROTO

Nós estamos entrando na era do arroto. É assim: com o advento da popularização da internete e demais meios de comunicação, quadrúpedes ruminantes que antes arrotavam apenas para continuar a mastigação estão convencidos agora de que o arroto é comunicação, pior imaginam que o arroto é a síntese metafísica da profundidade intelectual. O sujeito mal consegue se equilibrar sobre duas patas e já solta aquele arrotão cheio de arrogância poluindo o ambiente com os gases da mais pura burrice. O caso é sério: os tradicionais coices e berros viraram um ajuntamento lamentável de palavras espalhados em blogs e sites  cretinos que mais parecem um fardo de alfafa. A estampa da inteligência quadrúpede: quanto mais vazio e superficial melhor. Quanto mais moitas de capim distorcendo a realidade mais a coisa se lhes parece bonita e agradável. Quanto mais pasto, mais atraente a paisagem. Numa época em que prospera a moral de rebanho há coisa mais atrativa do que um pasto verdinho? Há braços!

23 dezembro 2010

BAJULAR É UMA ARTE QUE EXIGE TREINO

O mundo está repleto de bajuladores, dos mais fuleiros aos mais aristocráticos. A bajulação é a arte de paparicar os poderosos (ou quem se imagine que é) com a finalidade de obter benesses, vantagens ou, a depender do perfil de caráter do bajulador, pelo menos aceitação. O jogo do poder é um jogo de trocas. Como o bajulador não tem nada a oferecer para participar da trama do poder ele oferece o elogio, a babação, a exaltação de miudezas como se fossem grandes feitos. Ele se põe a criar uma super imagem do bajulado, a enaltecer seus gestos a plantar grandiosidades onde há apenas mesquinharia e mediocridade. Isso funciona? Quase sempre quando o bajulador é treinado e competente. 
Mas há os bajuladores pé rapado. Aqueles que fazem encenação grosseira e espalhafatosa. Aqueles que plantam listinhas dos melhores do ano. Dos feitos mais incríveis da década etc dando visibilidade exatamente aos tipos  que agradarão aos poderosos de sua imaginação. Nesse caso a história vira o terreiro do bajulado e tudo que ocorreu fora do terreiro é apagado com uma desonestidade gritante. O castigo desse tipo de bajulador é que a História passa, a curtíssimo prazo, como um trator por cima de sua encenação expondo-lhe como a figura patética que realmente é. Nesse caso, não se sabe o que é mais ridículo, se o desfile de nomes que compõem a tela de bajulação ou se o pintor desajeitado que lambrecou a tela compondo a cena. Sendo assim, não será de todo necessário denunciar esse tipo de bufão. Há bajuladores mais perigosos e esses o pensador Plutarco descreveu muito bem no seu ensaio Como distinguir o amigo do bajulador . A certa altura diz o pensador grego: De qual bajulador é preciso se proteger? Daquele que não aparenta sê-lo, que nunca surpreendemos rodeando as cozinhas ou calculando no relógio a hora do jantar, e que nunca se permite à mesa nenhum excesso, mas que é sóbrio e moderado, curioso para ver tudo e tudo ouvir, procura antes envolver-se nos nossos negócios, penetrar em nossos segredos mais íntimos; enfim, aquele que, longe de interpretar seu personagem bufão ou comediante, conserva na conduta ou caráter sério e honesto.  HÁ BRAÇOS!

OBRA CITADA:
Plutarco. Como distinguir o amigo do bajulador Tradução de Célia Gambini. São Paulo, Scrinium, 1997 

19 dezembro 2010

UNE: UNIÃO NACIONAL DE QUE MESMO?

Foto: antiga sede da UNE no Rio.
A UNE recebeu  de Lulla, durante os oito anos de governo, a bagatela de 13 milhões de reais. Isso é uma boa soma. Pagou o silêncio e o servilismo da entidade por todo esse tempo. Tanto é que a UNE sempre tão disposta a puxar um "fora, fulano!", "fora, beltrano!" , "fora, ciclano!" atravessou os longos anos de lullismo como uma cachorrinha amestrada. Veio mensalão e ela quietinha, veio caso Renan e ela nenhum rosnado, veio o rolo da CPMF e ela muda, apareceu o escândalo Sarney e ela fingiu que nem viu, pipocou a esculhambação do Enem e ela deu de ombros. 
A UNE tem história, isso é inegável, mas do fim da ditadura para cá ela nunca deixou de ser mais que uma repartição do PC do B. E o PC do B também nunca deixou de ser uma facção do PT travestida de partido. Como facção do PT, o partido de Aldo Rebelo colonizou o Ministério dos Esportes e um trecho da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Vocês devem se lembrar de que foi Haroldo Lima, raposa velha do PC do B baiano, que, na presidência da ANP, deixou vazar as pesquisas sigilosas sobre as jazidas do Pré-sal antes mesmo de a Petrobras confirmar com segurança o potencial das descobertas.  Não acredito que tenha sido um vazamento inocente.
Mas quem achou exagerada a quantia que o governo lulla enfiou nos bolsos da UNE durante os dois mandatos ainda não sabe que agora uma das últimas canetadas de Lulla no exercício do poder foi autorizar o depósito de 45 milhões na conta da UNE para reconstruir a sede da entidade no Rio de Janeiro. Tá certo que o casarão histórico da UNE havia sido destruído pelo regime militar e era obrigação do Estado devolvê-lo  à entidade. Mas destinar 45 milhões para um prédio de 13 andares? Para quê? Para homenagear o número 13 do PT? Brincadeira! Quantas bibliotecas populares poderiam ser abertas com essa grana? 
Os mais otimistas devem estar pensando: ainda bem que a homenagem foi à legenda do PT, imaginem se fosse ao PC do B cujo número de legenda é 65? Há braços!

11 dezembro 2010

UM NATAL DE LASCAR!

Ao lado, uma lapinha tradicional.
Todo mês de dezembro, já próximo ao Natal, descia num descampado ao lado da quadra onde eu morava em Brasília um helicóptero trazendo Papai Noel. Não faço ideia de onde ele deixava o trenó e as renas. Não sei também a que diabos servia aquela encenação mesquinha de boa vontade natalina. O velhinho grisalho nunca trazia presentes. Melhor, jamais soube de alguém que tivesse sido agraciado com a realização de um pedido de natal naquele dia poeirento de dezembro.
O Papai Noel que vinha em uma aeronave fazendo levantar uma terrível nuvem de poeira vermelha apenas subia em um palanque improvisado e jogava algumas mãos de balinhas às crianças que se apertavam em meio ao relento espremendo sonhos e desejos inocentes. Depois pegava nas mãos das crianças sufocadas na barra do palanque mendigando a sua atenção. Após alguns minutos de tumulto e mãos estiradas faiscando sonhos infantis, o Papai Noel se retirava, caia fora em seu treinó tecnológico. Resumia-se a isso a porcaria do Natal naquela quadra. Era tudo que o poder público podia fazer pela molecada na ilustre data.
Em mim palpitava uma vontade desesperada de ir ver o tal Papai Noel. Quem entende criança! Minha mãe sempre zelosa jamais permitia. Sozinho, não! No meio daquele rigor de sol? Nem ver! E aquele tanto de moleque de que não se sabe a procedência? Pode desistir! Eu me contentava em assistir sentado no muro o rasante do helicóptero vermelho seguindo para o descampado ali nas proximidades.
Todo ano, minha mãe inventava de fazer uma lapinha no canto da sala. O ambiente ficava com cheiro de mato até janeiro, sem contar que o empreendimento natalino de minha mãe me impossibilitava de brincar com alguns de meus bonequinhos enquanto a tal lapinha estivesse armada e eles estivessem ali imóveis sobre uma areiazinha branca espalhada delicadamente na frente de uma imensa montanha feita de papel acinzentado, chapiscado de tinta colorida e enfeitado com flores, ramos e folhagens do cerrado. O cheiro de mato não era ruim, era o cheiro do natal lá de casa, mas aquele Jesus com a tinta descascando ali enfiado em uma cavidade da montanha de papel, sufocado por parte dos meus bonequinhos, dava dó.
Certa vez desobedeci minha mãe. Acho que era 23 de dezembro. Ao ver o voo rasante do helicóptero saí de mansinho, passei pela sala com cheiro de mato e ganhei a rua, com a cara voltada para cima, seguindo a aeronave noelina. Já na esquina, avistei o vão de barro vermelho sobre o qual o helicóptero pairava buscando um pouso suave. Uma nuvem de poeira se formava e encobria metade da multidão que esperava o mais ilustre representante comercial do espírito natalino. 
Como já era costume, o barbudo de roupa vermelha subiu no palco improvisado, atirou umas mãos de balinhas sobre a meninada e ficou lá de cima assistindo o tumulto. E o sufoco para conseguir um mísero bombom parecia mesmo com uma brincadeira perversa que fazíamos na rua, chamada murro doido. Punha-se um doce qualquer no chão e fechava-se um bolo de meninos em cima. Quem pegasse o doce levaria murro de todos até alcançar uma zona neutra pré-estabelecida. Meninos fazem o diabo por um desafio! E esse era o espírito da meninada da minha rua: o doce não importava, o que valia era o desafio de escapar dos murros e chegar à zona neutra.
Mas eu falava do tumulto da molecada disputando as balinhas jogadas pelo Papai Noel mequetrefe que vinha à minha quadra todo natal. Senti naquele dia que seria a minha chance. Mergulhei em meio à meninada espremida ao pé do palanque. De repente, veio uma chuva de balinhas por cima de mim e  a coisa apertou. Quando me dei conta estava perdido entre mãos desesperadas, cabeças suadas, pernas trançadas e braços agressivos. Enfiei a mão o mais que pude na direção do solo e sentindo que havia pegado algo, me desentranhei com dificuldade do amontoado de meninos. Quando pude abrir a mão não encontrei mais que um bocado de terra vermelha e papeis de bombom. Nenhuma droga de balinha. Tempo perdido...  Esforço terrível e inútil.
Olhei na direção do palanque, o cara disfarçado de bom velhinho estava sorrindo e pegando na mão das crianças desesperadas ali espremidas. Elas pediam presentes, mais bombons ou algo que o valha. Firmei uma perna como alavanca e segui na direção da borda do palanque. Pelo menos pegaria na mão de Papai Noel. Quem sabe ele não ia com a minha cara e me dava um presente ou alguns chicletes? Atravessei três metros de tumulto numa eternidade. Quando alcancei a barra frontal do palco segurei firme e estendi meu braço esquerdo. Papai Noel vinha lá do canto do palco entregando a mão aos braços estendidos, quando chegou a minha vez o infeliz olhou na minha cara que estava borrada de terra vermelha e retirou a mão. Aquilo foi demais. Tanto esforço para obter um gesto de desprezo descarado daquele velho pão duro. Belo Natal! Em vez de neve, poeira... Em vez de presente, desprezo... Em vez de alegria, humilhação e sofrimento.  Mas eu era do Conjunto D ( as ruas da minha quadra eram nomeadas por letras) e no Conjunto D a molecada tinha altivez. Era treinada naquele negócio de murro doido. Injustiça não saia barato. Sujo e magoado, escapei sofregamente da multidão. Ao alcançar uma posição fora do amontoado de crianças respirei e olhei para o chão procurando uma pedra.  Encontrei uma pepita de bom tamanho de um cristal amarelado e fosco.  Quando olhei para o palanque o Papai Noel pão duro e sacana havia virado as costas para descer a escada rumo ao helicóptero, eu aproveitei o momento e fiz justiça: dei uma pedrada certeira bem no meio das costas do infeliz. Ele arqueou as costas para conter a dor e se apressou a sair dali. Nunca me arrependi da pedrada! Ainda bem que minha mãe sequer chegou a imaginar que eu passei por tal aventura.  Mas foi bem feito, afinal não se faz o que ele fez com uma criança. Há braços!

04 dezembro 2010

JÁ IA DEIXANDO PASSAR!

O dia 20 de novembro, dia da consciência negra, passou e eu não tive tempo de postar algo em homenagem à data. Para não ficar na dívida vou postar uma carta escrita em 20 de novembro de 1686 pelo Rei de Portugal, endereçada  a certo Marquês das Minas, tratando da igualdade entre os habitantes do Brasil no que se refere ao acesso à educação. A carta quase não é mencionada por esses panfleteiros das causas raciais. Aliás a coincidência entre a data de tal correspondência e a data do dia da consciência negra é intrigante. Confiram, no Português do Rei :
"Honrado Marquez das Minas Amigo. Eu Elrey vos envio muito saudar como aquelle que prezo. Por parte dos mossos pardos dessa Cidade, se me propoz aqui que estando de posse ha muitos annos de estudarem nas Escolas publicas do Collegio dos Religiozos da Companhia, novamente os excluirão e não querião admittir, sendo que nas escolas de Evora e Coimbra erão admitidos, sem que a cor de pardo lhes servisse de impedimento. Pedindo-me mandasse que os taes Religiozos os admittissem nas suas escolas desse Estado, como o são nas outras do Reyno. E pareceo-me que assim he os obrigareis a que não excluão a estes mossos geralmente só pela qualidade de pardos, por que as escolas de sciencias devem ser igualmente comuns a todo o genero de pessoas sem excepção alguma. Escripta em Lisboa a 20 de Novembro de 686. Rey".
Essa maravilha de documento histórico pode ser encontrada no livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freire, pág. 467. Há braços!

02 dezembro 2010

VALEU MAIS UMA VEZ!

Então este ano entra na reta final. Um ano de embate duro, com alta temperatura, mas que não nos fez perder a ternura. Por isso mesmo é que não nos esquecemos de agradecer aos nossos leitores e desejar-lhes que os seus melhores dias em 2010 se repitam em 2011 e que as batalhas ainda não acabadas ganhem novo fôlego e muito reforço positivo de modo a garantir-lhes a almejada vitória. Vitória é a palavra-chave para 2011. Que angariemos cada vez mais vitórias! Contra a ignorância, contra o autoritarismo, contra a violência, contra a corrupção, contra a falta de ética, contra a falta de criatividade, a falta de amor, a falta de alegria, a falta de disposição.  É isso que desejamos a todos e tudo mais que por acaso anseiem no íntimo de suas existências. Há braços! 

30 novembro 2010

E SE FOSSE UMA PILHA DE LIVROS?

A foto ao lado é o balanço até hoje (30-11) do que foi apreendido no Complexo do Alemão. Lógico que não entram aí as dezenas de carros roubados e as mais de 300 motos igualmente tomadas da população. O curioso é que a montanha de tabletes de maconha e de cocaína parece um punhado de livros empilhados. Já pensaram numa coisa dessas,  traficantes intelectuais traficando Machado de Assis, Graciliano Ramos, Rubem Braga... kkkkkkkkk E os viciados indo lá no morro para dar um "tapinha" ou uma cafungada em Homero, Aristóteles, Clarice, Tolstoi, Pessoa, Shakspeare... Quem sabe, caso a vigarice política do Cabral se sucumba às exigências da população, a próxima foto a ser mostrada não seja mesmo a de uma pilha de livros para bibliotecas e escolas abandonadas naquelas áreas? Há braços!

BOCA DO INFERNO-65: A BANALIZAÇÃO DA VIDA E DOS DIREITOS

Na semana passada vi  as imagens do ataque a um pedestre em São Paulo. Foi a violência mais imbecil, mais gratuita, mais débil mental que já assisti. O rapaz ia passando distraído como um transeunte qualquer. Logo  atrás vinham uns quatro filhinhos de papai. De repente, um deles desferiu um soco no rapaz. Do nada! Ao se recompor, a vítima tentou revidar, no que o bando de burguesinhos a cobriu de chutes, murros e pontapés.  A imprensa procurou saber depois o porquê das agressões e  recebeu a seguinte resposta: era só curtição, deu vontade de bater. Esse tipo de gente que gosta de curtição tão extrema deveria pegar uma cana extrema também para ver se aprende alguma coisa.   Afinal, que tipo de gente é essa? Agora, eu espanco pessoas na rua porque me dá vontade, porque é divertido? É brincadeira! Esses delinquentes estão sendo educados aonde mesmo?
Depois que as imagens captadas por uma câmera de vigilância mostraram a curtição de jumento dos playboys, a polícia os capturou e também se descobriu que o rapaz agredido era homossexual. Bastou essa descoberta para que ressuscitassem aquele projeto encalhado na Câmara que transforma homossexuais em uma casta acima dos mortais comuns. (outra coisa precipitada) A tal lei da homofobia quer transformar em crime discriminação a homossexuais e congêneres. Essa coisa é um tanto perigosa. Na verdade, o que fizeram aqueles garotos riquinhos seria grosseiro se fosse feito com qualquer ser humano. A covardia e o despropósito deles fere as mais elementares cláusulas dos direitos humanos, fere o Artigo 5 da Constituição Federal e isso basta para não perdoá-los, para enquadrá-los rapidinho.
O respeito às diferenças, à diversidade de hábitos e de culturas no Brasil deve ser celebrado como uma coisa sagrada. Como um índice positivo de civilidade. O pessoal que sacode bandeira do Arco-iris precisa compreender que a constituição e o código penal são suficientes para garantir a defesa de qualquer cidadão brasileiro. E que todo e qualquer ataque agressivo a este segmento da sociedade ou a qualquer outro deve ser  repudiado e apurado sendo os agressores obrigados a pagar por seu comportamento troglodita. Há braços!

29 novembro 2010

O PERIGO AGORA É O PATRIOTISMO BOCÓ

A operação contra o tráfico foi um sucesso! O povo gostou, resolveu apoiar etc... Não há problema, concordo. Afinal não é todo dia que se apreende 20 toneladas de maconha, algumas toneladas de coca e derivados entre outros produtos que fazem a felicidade do tráfico, a infelicidade dos morros e a diversão da elite droguenta, chegada ao pó e a um brauzinho diário. Essa turma consumidora, pelo menos no Rio, vai ter um natal depressivo, de consumo racionado ou abstinência forçada. Afinal, o preço do bagulho vai subir. Mas o mais importante não está aí. Há um lado estranho nessa história: a apreensão de drogas foi fantástica, mas a recuperação de armas e a prisão de bandidos foi decepcionante para o tamanho da operação e para o excesso de publicidade que já começa a produzir  a turma do Cabral. Até Lulla já manifestou o seu desejo de tirar uma casquinha dos pobres amontoados nas vielas do Complexo do Alemão. Muitos sem acesso a água tratada, saneamento e energia elétrica.
O Complexo é um verdadeiro bolsão de miséria, daqueles que o Estado apodrecido e corrupto, como o carioca, tenta isolar ou para o qual vira as costas, a exemplo do  que se fazia na antiguidade com aquelas colônias de leprosos. A face  mais repulsiva do Estado se mostra quando a ele mais vale o jogo político e a perpetuação de grupos no poder do que o cumprimento das leis e o atendimento às necessidades da população. 
O Rio corre sério risco de regredir. O fato é que a maioria dos bandidos e das armas sumiram. Foram certamente se juntar a outros em outros territórios. A guerra apenas começou e já periga se transformar em um espetáculo de mídia inflado de patriotismo bocó com bandeiras nacionais tremulando. O esforço das forças armadas e das polícias corre o risco de descer pelo ralo da propaganda ideológica de uma hora pra outra. Os bandidos dos morros com UPPs continuam lá fazendo seu negócio. Os do Alemão fugiram em busca de abrigo. Tomara que a iniciativa que levou as forças de segurança do país a atuar, em parceria com as dos Rio, em prol da ordem não afunde no fosso  da vigarice publicitária. Que a luta continue e não se tomem decisões enérgicas apenas quando bando delinquentes voltarem a incendiar carros em meio à rua. Há braços!

28 novembro 2010

QUEM AGUENTA?

Uma horda de panfleteiros de esquerda se pôs a comentar a operação de guerra no Rio de Janeiro. Estão mais confusos do que papagaio em sala de espelhos. Não dizem praticamente nada que se aproveite. O que se nota é que  toda essa perturbação mental encerra a necessidade de justificar o injustificável. Eles querem insistir naquela coisa de luta de classes na favela. Há até quem diga que os bandidos armados de fuzis, metralhadoras, dinamites e granadas são produtos da pobreza do morro, são lumpem proletariado, assalariados do tráfico. Se brincar essa gente vai se propor a fundar o sindicato dos trabalhadores explorados no tráfico.  Vigarice é pouca coisa para nominar essa gente. As opiniões confusas deles se devem à dificuldade de sustentar o desencontro entre suas teses furadas e a dura realidade que se vê no Rio. A jogada é simples: quando não é possível  sustentar as teses sem prejuízo, eles simulam a confusão e passam adiante sua ideologia da mesma forma. O problema é que por mais que se quisesse ficaria difícil tratar os bandidos acuados no Coplexo do Alemão como coitadinhos vitimados. Como explicar tanta arma pesada? Como explicar as barricadas em toda a extensão do Alemão? Como explicar as três toneladas de drogas apreendidas no local?
Eles dizem que os bandidos são produtos da pobreza dos morros, da exclusão. Se fosse assim os 32 milhões de pobres que recebem bolsa família seriam criminosos. Se fosse assim 80% dos nordestinos seria bandido; Se fosse assim os 400 mil habitantes do Complexo do Alemão seriam bandidos e não são. A imensa maioria é refém de facções criminosas que se apossaram das favelas aproveitando a ausência do Estado. Conversa fiada, pobreza não é sinônimo de bandidagem não, bandidagem existe de uma ponta a outra da sociedade. Desde a mais sofisticada elite a mais deplorável ralé.
Outra coisa, Plínio, o velhinho maluquinho,  vem tentando junto com o netinho ideológico Marcelo Freixo e a  turma do mundo de bob passar a ideia de que a operação da polícia quer mesmo é criminalizar a pobreza. É mentira, das mais sem vergonha. O que se vê em dezenas de depoimentos é a sensação de alívio da população honesta: até que enfim o Estado veio nos libertar. É o que muitos dizem. E assim que terminada a operação é obrigação do Estado iniciar o trabalho urgente de construção daqueles territórios, levando a eles os benefícios necessários ao desenvolvimento social e garantido os direitos sociais. As pressões políticas devem recair sobre o Estado. Todos os setores têm que exigir do marqueteiro Sérgio Cabral  o fim das milícias e o investimento robusto na recuperação das áreas de morro há tantas décadas ignoradas pelo poder.  Há braços!

26 novembro 2010

POR FIM, CHAMARAM O CAPITÃO NASCIMENTO

O primeiro filme Tropa de Elite foi malhado até dizer chega pela sociologia de esquerda e pela militância de botequim que habita os meios de comunicação no Brasil. O filme trazia uma verdade dura: o tráfico é um câncer violento que contamina a sociedade e destrói a ordem social implantando em seu lugar a sujeição e o medo a troco de hedionda violência. E mais: o tráfico tem que ser tratado com a mesma violência com que age. A máxima que norteou a atuação do Bope no filme foi dada por um bandido famoso, Lúcio Flavio, cuja vida bandoleira os cineastas de  esquerda trataram de glamourizar em filme. Esse meliante de uma época em que dominantemente polícia e ladrão eram coisas muito diferentes, antagônicas até, dizia: "polícia é polícia, ladrão é ladrão"! E assim, o Bope do primeiro filme era a polícia, no sentido lucioflaviano, e tudo na polícia que não era Bope, era bandido e tudo na favela que não era bandido era Bope. O filme reacendeu o antagonismo entre mocinho e bandido e lançou alguma láurea de dignidade nessa corporação tão corroída pela corrupção de maus servidores e tão difamada pela panfletagem que tende sempre a julgá-la como responsável por tudo de ruim que ocorre no universo de combate ao crime.
O filme Tropa de Elite tratou de botar as coisas em seu lugar: o policial serve para combater o crime e o traficante, criminoso frio, dos morros não é uma vítima da sociedade e sim um elemento destruidor da sociedade que precisa ser retirado do convívio social.
No filme Tropa de Elite-II ocorre uma reviravolta: ali os inimigos da sociedade não são os abomináveis e frios assassinos que comandam o tráfico e o terror nas favelas (esses mesmos que na vida real estão queimando  carros e tocando o terror hoje lá no Rio). Os traficantes, para o gozo dos sociólogos de esquerda e panfleteiros ideológicos, são pobres vítimas das milícias, ou seja, da banda podre da polícia que se aliou aos políticos para administrar o crime nos morros e se perpetuar no poder com eleições garantidas.  E nesse enredo a ação vai sendo dosada como se o Capitão Nascimento tivesse ido fazer um cursinho de sociologia marxista (isso é redundante) na UFRJ e saísse de lá acreditando que o capitalismo e a ganância burguesa são os culpados por tudo. Esse imbróglio que atiça certo  romantismo remanescente na militância esquerdista serviu como uma espécie de mea culpa do cineasta responsável pelo Tropa de Elite-I, uma espécie de desculpas pelo primeiro filme tão duro, tão direto e tão real. Agora sim, com o Tropa-II, pode-se dizer que os bandidos são vítimas do poder. 
O que acontece no Rio de Janeiro neste momento vai contra essa tese vigarista plantada em Tropa de Elite-II para agradar ao esquerdismo acadêmico e partidário em geral. Tanto é que trataram logo de chamar o Bope para resolver a parada na bala, a altura dos traficantes, tratando bandido como bandido e mostrando que polícia é polícia e que a sociedade precisa da ordem. Afinal, só em propaganda eleitoral há como pacificar criminosos de alta periculosidade , armados de fuzis, metralhadoras  e granadas. Há braços!

NOTÍCIAS SOBRE O BRASIL REAL

IBGE aponta que 11,2 milhões de brasileiros passaram fome em 2009 (Folha de São Paulo de hoje);

26/11/2010 - 09h56

Pressão inflacionária e real forte desafiam nova equipe econômica (The Economist)

25 novembro 2010

A PAZ DE UNS É O INFERNO DE OUTROS

O governador do Rio de Janeiro e a presidente eleita deveriam ser acionados pelo Procom por propaganda enganosa. Ambos passaram o período eleitoral inteiro vendendo a imagem de um Rio de Janeiro pacificado pela implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas tomadas pelo tráfico e pela violência. Falavam como se milagrosamente os traficantes munidos de fuzis, metralhadoras e granadas tivessem sido volatilizados ou se regenerado com a ocupação dos morros por unidades policiais. Muita gente achou meio estranho a polícia de Cabral e Dilma ocupar morros sem prender uma única alma meliante ou deflagrar um só tiro. Afinal, onde foram parar os traficas com seu arsenal de fogo pesado? Foram pacificados? Passaram a tocar o negócio de modo mais discreto sem fazer alvoroço nas comunidades? Afinal, eles não eram foras da lei?
A ideia das polícias pacificadoras é excelente, faz todo sentido, demonstra que o Estado deve assumir a responsabilidade social nos morros abandonados há décadas nas mãos da bandidagem. Mas assumir os morros sem prender ninguém, sem recolher armas não poderia dar em outra coisa. E o resultado lógico, um tanto previsível a gente vê agora em todos os jornais e redes de TV: o Rio aterrorizado pela violência de bandos armados, atacando à luz do dia, queimando carros, ônibus e caminhões. Os últimos três dias somam mais de 40 veículos incendiados, embates acirrados entre policiais e bandos armados com um saldo de 23 mortos até o momento.
Ao que parece, a escassez  de recursos forçou os  escalões mais periféricos do tráfico a invadir as ruas em busca de se restabelecer. Não deu outra, como não foram presos e nem tiveram seu arsenal confiscado antes, partiram para a guerra. E quem paga o pato? Quem fica debaixo da chuva de balas, metido no caos das ruas? Os cidadãos cariocas iludidos pela lábia do governador irresponsável que preferiu sustentar um pacto artificial de não agressão com meliantes perigosos, tendo em vista não atrapalhar sua reeleição, do que fazer cumprir as leis nas favelas. Há braços!

24 novembro 2010

O LADO BOM DO ENEM

Devido às falhas que ocorreram na execução do Enem no ano passado e neste ano de 2010, o MEC vem recebendo severas críticas. De fato, tais falhas são inadmissíveis em um programa com a envergadura desse instrumento avaliativo. A anulação das provas em 2009 e de parte delas este ano bagunçou o calendário de muitas universidades e atrasou a vida de meio mundo de jovens ávidos por ingressar na vida universitária, sem contar o desperdício do dinheiro público. Mas essas falhas diminuem os méritos do Enem? Não, claro que não! O Enem é um excelente instrumento não apenas porque avalia a eficácia do que está sendo feito na educação e aponta setores fragilizados que precisam de investimentos, mas porque democratiza o acesso à educação, porque estimula o aluno desde cedo a buscar resultados positivos nos estudos e, como consequência, os torna mais exigentes em sala de aula. Certamente alunos exigentes contribuirão para que o quadro docente se sinta mais desafiado e comprometido com o ensino.  Há braços!

22 novembro 2010

O PAPA E A CAMISINHA


Eu sou favorável a todas as formas de amar. O que importa é que as pessoas se realizem e sejam felizes. Até porque quem aquenta o mau humor de almas travadas sexualmente, frustradas e mal amadas? Tenham dó, a gente precisa da serenidade do  amor, cada vez mais. Muito embora me ponha ao lado de qualquer forma de amar, não consigo conceber o amor sem a conjunção carnal. O sexo é um ingrediente indispensável ao fortalecimento dos laços amorosos. Nessa seara, sexo se faz por amor, por prazer, por tesão, por qualquer impulso, menos por imposição ou por sujeição. Bom, esse é meu ponto de vista e ele não diminui o meu respeito por práticas de que discordo. Dito isso, passo a refletir sobre a opinião manifestada recentemente pelo Papa Bento XVI. 
O chefe maior da Igreja Católica disse que é aceitável o uso da camisinha em situações específicas. Essa opinião provocou um alvoroço na igreja. Por que motivo? É simples: o pontífice é o guardião das escrituras sagradas, é quem representa a preservação dos dogmas do catolicismo. Um desses dogmas é o de que sexo é somente para reprodução. Crescei e multiplicai...  por isso mesmo a igreja sempre repudiou qualquer intervenção humana que desviasse essa finalidade única da relação sexual. Ao repudiar o uso de anticoncepcionais em geral e de preservativos a igreja se mantinha em sintonia com sua posição secular a respeito do sexo.
Mas, para o Vaticano, manter a coerência religiosa com respeito ao sexo no mundo em que vivemos é uma tarefa pedregosa que, em certas circunstâncias, beira a estupidez. A título de exemplo, na África, em regiões que seguem ortodoxamente as orientações de não usar a camisinha plantadas pela Igreja Católica, a Aids se espalhou como uma praga e arrastou e continua arrastando ao túmulo milhares de pessoas.  O cânone do cristianismo tem ojeriza a sexo.  Da Bíblia aos santos patrísticos o sexo é uma coisa suja, uma afronta à elevação do espírito. Nesse imbróglio entram o aborto, a homossexualidade e demais práticas associadas ao desvio da função sagrada única que a igreja destina à prática sexual.
O que fez Bento XVI? Arrebentou a coerência que vinha sendo sustentada pelo Vaticano à revelia da realidade. E o papa o fez timidamente como se fosse possível admitir pela metade o uso de preservativos sem jogar por terra o velho dogma do sexo apenas para reprodução. O fato é que tal dogma há muito tempo soa como uma coisa ridícula e despropositada. No meu ponto de vista, a Igreja Católica precisa abrir mão de certas posições que a caracterizam mais como um objeto de museu do que como uma organização humanista que vive de perto os dilemas da existência humana. HÁ BRAÇOS!

16 novembro 2010

ENTÃO EU OLHO PARA TRÁS

Então eu olho para trás
e o passado é um rastro de tinta
irregular, sem cheiro,
coberto pelo lodo do tempo.
Minha memória é úmida
e avessa à contaminação.
O que resta estendido sobre a estrada
 por trás dos meus ombros
não tem retoques,
está como foi pisado,
amalgamado pela existência.
Na minha pele jazem os respingos
dessas tintas.
Quem poderá identificá-las?
Levo o que está por trás dos meus ombros
em minha carne.
É com esse bisturi que abro o horizonte em minha frente;
é com esse pincel cortante que vou pintando a paisagem
frontal;
que vou picotando o futuro;
 que vou abrindo veredas como feridas frescas
a verterem vida quente.
(há braços!)

15 novembro 2010

AS RAPOSAS E O JABUTI

O  título acima parece de fábula de Esopo, mas o assunto mesmo é o Prêmio Jabuti, um dos prêmios mais prestigiosos do Brasil para produção escrita em várias categorias, ficcional ou não. O fato é que o enredo da premiação deste ano bem mais parece ficção do que realidade: o romance de Edney Silvestre, Se eu fechar os olhos agora, ficou em primeiro lugar na categoria e o de Chico Buarque, Leite derramado, alcançou o segundo lugar, mas tchan-tchan-tchan!!!! Quem levou o prêmio? Acertou quem disse Chico Buarque! Os amigos de Chico não quiseram chorar o leite derramado e entregaram a premiação para o talentoso compositor de MPB, dublê de romancista.
Não tenho nada contra Chico! É um grande compositor! Soube beber o melhor de Noel Rosa, soube fazer poeticamente a crônica ideal ao enredo de samba; soube cantar e encantar pelo ponto de vista feminino, como já fazia Noel. Agora, o Chico político ficou estacionado nos anos sessenta, num bar de esquina do Rio de Janeiro, confabulando entre copos de wisque e baforadas de cigarro, a revolução socialista. No melhor estilo adolescente universitário engajado daquela época. O que dizer do Chico romancista? No mínimo que como romancista, em termos de qualidade, ele está mais para o Chico político do que para o Chico letrista.
Essa lambança que fez cair o Jabuti no colo do autor de Leite derramado deve ter dedo de raposa. Raposas da mesma marca daquelas que organizaram o manifesto pró-Dilma no qual Chico Buarque foi discursar feito um adolescente dos anos sessenta. Se tivesse um pouco de desconfiômetro, caberia a Chico devolver o prêmio que pertence de fato e de direito a Edney Silvestre e ir chorar seu leite derramado em outra freguesia. Há braços!

13 novembro 2010

AS PATRULHAS SÓ ENGANAM QUEM NÃO LEU

Hoje, depois de muitos anos, aproveitei um tempinho à tarde e reli Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Foi bacana reencontrar o texto de Lobato com o mesmo sabor de infância de quando o li aos treze anos, numa leva de livros que minhas irmãs trouxeram para casa nas férias de final de ano. Fui reler  Caçadas de Pedrinho para tirar a limpo a conversa fiada de um desses militantes negros que tentou vender a história de que o livro era racista e coisa e tal. Se a gente fosse  dar crédito ao alarde que fizeram  era o caso de se imaginar que o livro é um manual de racismo. A lembrança que tinha da leitura dessa obra de Lobato não correspondia ao exagero do militante racialista, portando achei melhor, depois de ter escrito o texto anterior a este, voltar à história do inventor da boneca mais sabida da história da Literatura Infantil.
Na foto: macaca de carvão ou mono carvoeiro
Só há duas míseras expressões dirigidas à personagem Tia Nastácia, em todo o livro, que podemos constatar como sendo de mau gosto pelo tom racial. Nesta fala de Emília: Não vai escapar ninguém - nem Tia Nastácia, que tem carne preta. E mais à frente, quando as onças atacaram o sítio de Dona Benta e Tia Nastácia subiu apavorada em um mastro, aparece a segunda expressão infeliz, descrevendo a ação da referida personagem: trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro...  Há quem conteste o conteúdo racial dessa segunda expressão afirmando que Lobato se referia ao modo hábil como Nastácia, movida pelo medo, escalou o mastro. Macaca de carvão não se refere à cor da personagem, mas a uma espécie ágil de primata conhecida como mono carvoeiro ou macaco de carvão. Tal espécie inclusive tem pelo dourado, conforme a foto. 
Nas quarenta e três páginas da edição de Caçadas de Pedrinho que tenho aqui em casa, as duas expressões a que me referi são as únicas com tintura racial preconceituosa. Mas o livro é tão interessante e a leitura flui com tanta naturalidade que as expressões perdem-se na névoa da insignificância em meio a uma reflexão atual sobre a relação do homem com a natureza que em certos momentos nem parece  feita no longínquo ano 1933: Os homens andam a destruir todas as matas, a queimá-las, reduzi-las a pastagens para bois e vacas
Quanto à onça que a turma do sítio matou, motivo pelo qual os politicamente corretos condenam o livro por dar mau exemplo, a resposta sobre tal ato Monteiro Lobato põe na boca dos animais da mata: Ora, isto é crime que pede a mais completa vingança. Guerra, pois! Guerra de morte a essa ninhada de malfeitores. Essa capacidade de interpretar a realidade de modo crítico, mas sutil nas histórias para criança que o criador do Sítio do Picapau Amarelo dilui em sua obra parece não estar ao alcance das patrulhas ideológicas, quase sempre patinando no grosso da superfície. O conteúdo de Caçadas de Pedrinho não é racista e qualquer ser inteligente pode constatar isso a menos que esteja entorpecido por uma cegueira racialista muito distante do bom senso. Há braços!

11 novembro 2010

MONTEIRO LOBATO E A PATRULHA BOCÓ

Recentemente houve uma polêmica envolvendo o MEC e o Conselho Nacional de Educação com respeito ao conteúdo racista de algumas passagens do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Um ativista do movimento negro encaminhou denúncia a instâncias do governo pedindo a retirada do livro da lista de obras do MEC e cobrando seu banimento das salas de aula. Imediatamente, comandos ideológicos do movimento negro iniciaram uma patrulha para excomungar a obra de Monteiro Lobato. E o que se viu foi gente que nunca leu uma página da literatura lobatiana alimentando certo apedrejamento simbólico insano do escritor.

Monteiro Lobato é, sem dúvidas, o maior escritor de literatura infantil das américas. Talvez o único que desde os anos 20 do século XX se comprometeu em produzir uma obra exclusivamente para as crianças, mas sem os vícios imbecis da literatura voltada ao universo infantil daquela época. A obra de Lobato, nesse quesito, é plural, criativa e educativa. Tanto é que faz sucesso em muitos países, em alguns, como a Argentina, é mais lida e referenciada do que no Brasil. Mas inevitavelmente, em certos aspectos, a criação infantil desse escritor é produto de uma época. Isso não diminui sua inventividade e nem o seu valor, porém nos força a ser criticamente  mais cuidadosos com certos aspectos ao empreender sua leitura. E não é assim mesmo que se deve proceder com qualquer leitura?

 No livro Caçadas de Pedrinho, algumas expressões com negativa tintura racial utilizadas por Lobato, ao se referir à personagem Tia Nastácia, soariam com naturalidade nos anos de 1930, quando o livro em questão foi escrito. Entretanto, para os padrões culturais contemporâneos tais expressões são grosseiras e visivelmente desrespeitosas com o negro.  Mas isso não justifica o banimento do livro. Não se pode ignorar as muitas virtudes da obra infantil desse escritor paulista em função de um aspecto negativo. A educação que prepara o ser humano crítico não exclui as falhas humanas do espaço de formação da criança, pelo contrário, as traz para a arena da sala de aula e as transforma em conteúdo educativo. Se não fosse assim, a obra do filósofo grego Aristóteles que reproduz uma visão terrível da mulher para os padrões de hoje, aspecto do seu pensamento perfeitamente comum no contexto grego de sua época,  lhe tiraria a posição de maior pensador do mundo ocidental de todos os tempos e isso ninguém com neurônios funcionando cogitaria imaginar. 

As patrulhas ideológicas são vozes críticas e contrárias em plena ação. Se fosse só essa sua natureza seria uma maravilha, contudo patrulhas não raro boiam na superficialidade, são indissociáveis de comportamentos autoritários e invariavelmente adeptas da monocultura do saber, no caso o seu. Assim, tendem a querer eliminar o conteúdo que contraria o seu posicionamento em vez de transformá-lo em objeto de formação crítica. O MEC e o CNE não cederam a esse lado bocó das patrulhas. Optaram acertadamente por manter o livro Caçadas de Pedrinho na lista das escolas orientando os professores a debaterem seu ponto negativo e assegurando aos alunos o convívio com suas muitas virtudes. O que você pensa sobre isso, leitor? Há braços!

09 novembro 2010

BOCA DO INFERNO- 64: ENEM? AH NEM!

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mais uma vez foi anulado pela justiça. O motivo dessa vez foi um erro grave no cabeçalho que induzia os alunos a responder o gabarito de forma equivocada. É lamentável! A garotada espera ansiosamente a hora de fazer tal exame para testar o potencial e aproveitar a nota com o intuito de ingressar no ensino superior, aí no grande dia a coisa mostra-se esculhambada. O último Enem anulado deu um prejuízo lascado aos cofres públicos. O MEC teve que pagar para fazer tudo novamente... Uma porrada de milhões desceu pelo ralo da incompetência. Desperdiçam nossa grana e atrasam a vida de nossa juventude!
 Em qualquer país do mundo, esse ministro da educação já estaria na rua, condenado a ressarcir os cofres públicos. Porém, aqui, o tal Fernando Hadad é mantido no cargo, sob os afagos do Presidente da República. Isso nos leva a crer que na república dos companheiros não há problema algum em jogar o dinheiro público no lixo e frustrar as expectativas de um monte de jovens brasileiros que sonham alcançar a universidade. Há braços!

O OURO DE MURIBECA- 7 FINAL

Um bando de meninos brincava de bola no areão de uma rua larga que ia dar no sopé da serra. Por um momento, a molecada suspendeu a diversão para reparar dois cachorros vira-latas latindo no meio do areal um pouco mais acima. Os cães investiam contra um vulto que jazia na areia. Todos correram para ver do que se tratava. Foram se aproximando timidamente daquela coisa esquisita caída sobre um fardo. O monte de trapos e grude sobre o embrulho de couro recendia a carne podre, mas parecia algo vivo, lembrava um homem. Era o homem.  A barba grande e pastosa, cheia de tufos de grude, o cabelo, um tanto crescido e embuchado, no mesmo estado de degradação. O resto não dava para identificar claramente sob a iluminação amarelada e fraca da rua. Porém o cheiro de carniça impregnava o ar. Os meninos se aproximaram. Uns jogaram areia naquela coisa para certificar-se de que estava viva, outros jogaram pedra e houve um que o cutucou com uma vara de são joeiro. Foi quando o homem abriu pesadamente os olhos e se deparou com a meninada ao redor. Arregalou os olhos e começou a emitir gritos frouxos e desesperados, reunindo as últimas forças: Meu ouro! O ouro é meu! Ninguém vai me roubar, mangote de peste! E gritava! E gritava! Até que conseguiu levantar-se e, com um esforço terrível, jogar o saco do tesouro nas costas. Os meninos se afastavam aos poucos com medo daquela coisa. O homem deu um passo, esboçou um segundo, mas se espatifou no chão com a cara enfiada na areia. O saco feito de couro de onça e de bode se abriu espalhando o tesouro pela rua. O homem, uma coisa andrajosa e deplorável, se esgotou de vez e não conteve o desmaio.
Nesse momento, algumas crianças voltaram a se aproximar, dessa vez acompanhadas de adultos que ouviram os gritos desesperados do homem. Uma roda de curiosos se fez em torno daquela coisa feridenta e podre. Mulheres não escondiam o asco. Umas tapavam o nariz... Um senhor respirou fundo e se aproximou. Virou o homem de barriga para cima e constatou que ainda estava vivo. Arranjou um lençol velho e, com a ajuda de outros, pôs a pobre alma em cima. Levaram-no embrulhado no pano até a porta do hospital e o abandonaram lá diante de enfermeiros. No areão da rua, os meninos voltaram a jogar a partida de bola interrompida, alheios ao fétido saco de couro cheio de  pedras, apenas pedras, muitas pedras, abandonado no meio da rua. (Fim) 
HÁ BRAÇOS!

O OURO DE MURIBECA- 6

Tá vendo o que tu me fez fazer, mundiça ruim? Veja aqui, satanás, o que eu tirei de dentro de tua barriga? O homem gesticulava com a faca em uma das mãos e o que parecia uma moeda de ouro na outra mão lavada de sangue. Ninguém me tira o ouro que o velho me deu... Nem mesmo tu, safado! Dito isso, o homem inventou de costurar grosseiramente, com tiras de pele arrancadas do cachorro magro, o couro da onça e o couro velho de bode que lhe servia de cama. No final de tudo, suado e lambuzado de sangue, tinha em mãos um saco de couro grande no qual começou a atirar todas as peças do tesouro que tinha amontoado. Encheu o saco e jogou nas costas, suportando um peso imenso. Era uma tarefa bruta carregar aquele fardo pesado serra abaixo, mas ínfima perto das agruras por que já havia passado. Mesmo porque seu vale de lágrimas estava perto do fim e nesse momento então qualquer esforço era indispensável.
E foi numa toada triste que o homem começou a trilhar o caminho de volta para casa. Depois que se livrara do cachorro magro, não achou mais motivos para rir. Ficou em silêncio, macambúzio, sisudo e assim se manteve durante a descida, mesmo nos tombos terríveis que levara abraçado ao embrulho do seu tesouro. E tombo a tombo foi angariando rasgos nos braços, cortes na cabeça, esfolações nas costas, nos joelhos e nas pernas que o iam cobrindo de sangue fresco, mosquitos e mutucas. Arrastava o saco do tesouro sofregamente entre pedregulhos, macambiras e unhas de gato, como se fosse uma cruz terrível,  numa via sacra violenta. Mas ia silencioso, ensimesmado, incutido, alheio às dilacerações e à crueza da caatinga. Nessa peleja, ia-se transfigurando em trapo humano, num verme grande, grudento e fedido a se arrastar com dificuldades no acidentado da serra.
Andou, andou, andou horas a fio... Driblou pedregulho, pulou moitas de quipá e macambira até que tombou por cima do fardo do tesouro mais uma vez. Ficou ali imóvel, exaurido, tisnado de moscas e mutucas.  Quando conseguiu erguer um pouco a cabeça avistou, na ponta de uma encosta, as luzes pálidas da cidade já próxima. Assim, ganhou forças para se levantar e retomar a trilha. O velho tava com ele... Só o velho... Ele tinha a pura razão... Não mentiu e nem o enganou. Os outros o abandonaram, o traíram, o desprezaram. Deu fé por fim que a sua vida teria um recomeço feliz e tocou a caminhada tropegamente na direção das luzes. (segue)

07 novembro 2010

O OURO DE MURIBECA-5

A toca estava muito escura. Colheu uns galhos secos na moita de murici e preparou uma fogueira na entrada. Dali a pouco apanhou um tição em chamas e mergulhou na fenda do paredão. Não sem surpresa se deparou com o chão repleto do que pareciam moedas douradas, espalhadas por toda parte.
Arrastou madeira seca para dentro da toca e clareou o ambiente com uma vigorosa fogueira. O cachorro magro encolheu-se em um canto enquanto o homem juntava com avidez e sem conter as lágrimas um monte daquelas coisas que ele jamais duvidaria que fossem moedas de ouro. Fez uma pilha e sentou-se sobre ela como um soberano sobre os espólios de uma conquista. E sorriu... E gargalhou... E chorou expelindo frustrações antigas e anunciando uma intensa felicidade. E foi por um momento aquele atleta quase derrotado na vida que se viu no topo do pódio, envergando um primeiro lugar.
Mergulhado no turbilhão de sensações, sentiu o estômago reclamar... Foi quando tirou da capanga o couro da onça, o couro de bode desgastado, a faca e afundou a mão em busca de um naco de carne seca e de um resto de rapadura.
Ficou sentado naquela pilha de coisas roendo a carne, beliscando a rapadura e rindo à toa aqui e acolá. Atirou um trecho de carne ao cachorro magro enfunado num canto. Então estranhou que o bicho apenas cheirasse a carne deixando-a de lado. Olhou para o cão, esfregou os olhos e fixou o olhar mais detidamente na criatura. O cachorro que tinha pelo cinza estava amarelado. Não! Fechou e abriu novamente os olhos. Lá estava o bicho amarelinho. Coçou a cabeça, olhou para o pedaço de rapadura na mão. Ficou em silêncio e  sem qualquer vibração de voz foi transfigurando o semblante. Olhou duro para o pobre animal acoitado em um canto da toca. Foi quando expulsou um grito: cachorro, satanás, tu tá comendo meu ouro? Tá amarelo por que, peste ruim? O cão assustado abanava a cauda fiel e quedava o queixo resignado sobre as patas dianteiras, sem entender nada. O homem já com aspecto sombrio gesticulava e excomungava o amigo fiel. Então, num impulso violento, pegou da faca e saltou no bicho indefeso: se tu comeu o meu ouro, mundiça medrosa, tu vai devolver agorinha mesmo! E fez no infeliz canino o que havia feito na onça, na noite anterior.

O OURO DE MURIBECA-4

Os primeiros raios da manhã invadiam a folhagem e a garrancheira da mata quando o homem despertou. Ao ver o tamanho da onça, sentiu algo diferente.  Convencido mesmo de que tinha empreendido uma grande façanha na noite anterior, ficou satisfeito consigo mesmo. Derrubar um bicho daquele porte não é para qualquer um.  Disposto, pôs-se a esfolar cuidadosamente o felino de modo a extrair o couro inteiro. Se não levasse o couro, quem iria acreditar na história da onça que ele matou com um tiro certeiro?

Enrolou o couro fresco do animal junto com o couro velho de bode que o acompanhava nas viagens e apertou tudo na capanga. O cachorro magro levantou-se, farejou o corpo em carne viva da onça e se aventurou, ainda tomado de desconfiança, a abocanhar um bom naco de carne da coxa do animal.
Enquanto isso, o homem, agora sentado sobre a saliente raiz da gameleira, perdia-se em pensamentos. Matutava e coçava a cabeça e cutucava, com a ponta afiada da faca, a unha do dedão do pé que saltava para fora do buraco da botina. Enfiou a mão no bolso da camisa trapenta e pegou o que lhe pareceu uma moeda dourada. Botou sobre a coxa enquanto picava fumo para enrolar um cigarro. Era ouro mesmo! Olhou e investigou a rodela dourada, sem efígie ou inscrição alguma, apenas uma fina bolachinha redonda e carrascuda. Esfregou o objeto na perna puída da calça em busca de algum brilho e nada. Mas havia brilho suficiente, paciência.
Pensou muito à medida que pitava o cigarro. O velho não falhou com ele... Bem que ele disse: não desiste! Valeu à pena! Prendeu a baga do cigarro numa greta do tronco corroído do arvoredo que lhe deu guarida, olhou para o cachorro magro e partiu, ele e o fiel companheiro, farejando o rastro da onça. Seu tino era ir bater na toca da fera abatida.
O dia já ia descambando para o início da tarde quando aquela  sombra de vida deu em uns paredões de pedra que formavam um corredor estreito e longo. No meio, um fio fino de riacho escorria sob a sombra de ingazeiros, emboabas e jatobás. Pensou em descansar, mas percebeu que havia rastros de onça na direção das pedras. Então nem titubeou... Ganhou o rumo pedregoso da encosta do paredão e foi rompendo com dificuldade, com os dedos dos pés já vazando pelos buracos cada vez maiores das botinas. Alguns deles esfolados e sagrando. Escorou em uma pedra grande, com a respiração ofegante e o suor escorrendo por todas as partes, quando viu por trás de uma moita de murici algo como a entrada de uma toca. Avexou-se! Era o final feliz da história. 
Tantos anos de sofrimento, tanta procura, tanta miséria... Não... Isso acabou! Arrastou-se como pode na direção da toca, uma fenda meio triangular na rocha dura do penhasco. Já agarrado a um galho do muricizeiro vislumbrou a imensidão da parede rochosa repleta de pinturas rupestres gravadas com tinta ora avermelhada, ora alaranjada. Havia mãos registradas nas rochas, cenas de caça, animais variados e figuras geométricas. Ficou ali prostrado contemplando aquilo tudo sem saber exatamente o que significava e quem se aventurara a registrar tais coisas em lugar tão íngreme e inacessível. Foi o tempo de recuperar as forças e alcançar a boca da toca. (segue)

06 novembro 2010

O OURO DE MURIBECA-3

Paralisado, lívido, gelado, o homem permaneceu no lugar em que caíra. Os olhos arregalados e fixos fitavam a cara malvada do felino que arquejava na agonia da morte. E ambos ficaram assim olho no olho, o homem e a fera. Foi então que se pôs a mirar o amarelo da pelagem da onça. Ele ali com o rosto colado no chão e o olhar grudado no dourado da onça e tudo foi ficando intensamente amarelo, como se houvesse um fogo frio que se espalhava, tornando tudo da mesma cor até não existir mais nada além do amarelo.
Desse amarelo, de súbito, saltou o velho barbudo com o pote de ouro debaixo do braço, repetindo um mote: olha o dourado da onça! O dourado da onça é o que ela come! Olha o que ela come! E o velho repetia compassadamente esse mote e o homem atordoado com tanta amarelidão sentia que alguém comia e lambia algo com sofreguidão. Foi assim que despertou com o vulto cinzento do cachorro magro tremendo, grunhindo e lambendo seu rosto.
A onça jazia ao lado do resto de fogueira. Aí aquele nada de gente sentiu que poderia mover o corpo, se levantou com as mãos nos quadris doloridos e ficou olhando o bichão estirado ao lado da poça de sangue coalhado pelo calor da fogueira. Confuso, lembrou-se do mote que o velho repetia. Era um sinal? O velho queria o quê? Que bestajada era aquela de que o dourado da onça é o que ela come? O que ela come é dourado? Por quê? Mas que tolice: onça come gente, come carne! Não tem nada de dourado nisso! O velho tava debochando?
Num estalo, o homem caiu numa cisma...  Catou a capanga largada no pé do tronco da gameleira e tirou de dentro uma faca afiada com a qual decidiu abrir a barriga da onça. Onça não come nada dourado, mas se o velho tá dizendo vou tirar essa história a limpo agora! Baixou a peixeira nas entranhas do bicho arrastando o que tinha dentro para fora. Atiçou o fogo com um fecho de gravetos que havia deixado ao lado e jogou umas toras sobre as chamas que nasciam. Quando o fogo cresceu e clareou o vão debaixo da árvore viu que estava todo ensanguentado, ajoelhado sobre as vísceras do animal. Com um talho, abriu uma bolsa ovalada grudada nas tripas do bicho deduzindo ser o estômago e em meio à massa gosmenta que emergia do interior da bolsa viu brilhar o que parecia uma moeda dourada.
Esqueceu-se de tudo. De joelhos permaneceu com aquela coisa dourada nas mãos. Olhava, mordia, cheirava, esfregava e fechava na mão apertando contra o peito. O velho estava do seu lado. O velho tinha razão. O velho só queria o seu bem. Ele jamais iria desistir. Agora mais que nunca. Era só seguir a trilha da onça, encontrar sua toca e pronto. Era isso, o velho guardou tudo na toca da onça, bastava achá-la. Seus dias de  labuta chegariam ao fim. O velho entregou o caminho do ouro.
.Respirou fundo, chegou a ouvir o cri-cri de grilos distantes... Veio então ao seu encontro a imagem da mulher sofrida. Dos filhos espalhados pelas roças alheias fazendo de um tudo para sobreviver. Mas isso ia acabar. Agora era só felicidade. Muito ouro, muita comida, muita alegria, muitos amigos. Respirou fundo e finalmente sentiu um relaxamento como jamais seu corpo havia experimentado nos últimos 50 anos. Deixou-se cair para trás e adormeceu ao lado da onça morta.  (segue)