07 novembro 2010

O OURO DE MURIBECA-4

Os primeiros raios da manhã invadiam a folhagem e a garrancheira da mata quando o homem despertou. Ao ver o tamanho da onça, sentiu algo diferente.  Convencido mesmo de que tinha empreendido uma grande façanha na noite anterior, ficou satisfeito consigo mesmo. Derrubar um bicho daquele porte não é para qualquer um.  Disposto, pôs-se a esfolar cuidadosamente o felino de modo a extrair o couro inteiro. Se não levasse o couro, quem iria acreditar na história da onça que ele matou com um tiro certeiro?

Enrolou o couro fresco do animal junto com o couro velho de bode que o acompanhava nas viagens e apertou tudo na capanga. O cachorro magro levantou-se, farejou o corpo em carne viva da onça e se aventurou, ainda tomado de desconfiança, a abocanhar um bom naco de carne da coxa do animal.
Enquanto isso, o homem, agora sentado sobre a saliente raiz da gameleira, perdia-se em pensamentos. Matutava e coçava a cabeça e cutucava, com a ponta afiada da faca, a unha do dedão do pé que saltava para fora do buraco da botina. Enfiou a mão no bolso da camisa trapenta e pegou o que lhe pareceu uma moeda dourada. Botou sobre a coxa enquanto picava fumo para enrolar um cigarro. Era ouro mesmo! Olhou e investigou a rodela dourada, sem efígie ou inscrição alguma, apenas uma fina bolachinha redonda e carrascuda. Esfregou o objeto na perna puída da calça em busca de algum brilho e nada. Mas havia brilho suficiente, paciência.
Pensou muito à medida que pitava o cigarro. O velho não falhou com ele... Bem que ele disse: não desiste! Valeu à pena! Prendeu a baga do cigarro numa greta do tronco corroído do arvoredo que lhe deu guarida, olhou para o cachorro magro e partiu, ele e o fiel companheiro, farejando o rastro da onça. Seu tino era ir bater na toca da fera abatida.
O dia já ia descambando para o início da tarde quando aquela  sombra de vida deu em uns paredões de pedra que formavam um corredor estreito e longo. No meio, um fio fino de riacho escorria sob a sombra de ingazeiros, emboabas e jatobás. Pensou em descansar, mas percebeu que havia rastros de onça na direção das pedras. Então nem titubeou... Ganhou o rumo pedregoso da encosta do paredão e foi rompendo com dificuldade, com os dedos dos pés já vazando pelos buracos cada vez maiores das botinas. Alguns deles esfolados e sagrando. Escorou em uma pedra grande, com a respiração ofegante e o suor escorrendo por todas as partes, quando viu por trás de uma moita de murici algo como a entrada de uma toca. Avexou-se! Era o final feliz da história. 
Tantos anos de sofrimento, tanta procura, tanta miséria... Não... Isso acabou! Arrastou-se como pode na direção da toca, uma fenda meio triangular na rocha dura do penhasco. Já agarrado a um galho do muricizeiro vislumbrou a imensidão da parede rochosa repleta de pinturas rupestres gravadas com tinta ora avermelhada, ora alaranjada. Havia mãos registradas nas rochas, cenas de caça, animais variados e figuras geométricas. Ficou ali prostrado contemplando aquilo tudo sem saber exatamente o que significava e quem se aventurara a registrar tais coisas em lugar tão íngreme e inacessível. Foi o tempo de recuperar as forças e alcançar a boca da toca. (segue)

Nenhum comentário: