03 outubro 2006

BOCA DO INFERNO - 33

CHEGA DE FARSA, EM 2008, TARCÍSIO PREFEITO!

Você gostaria de ver administrando o município um político que faz parte da sua história? E se esse político atuou nos mesmos movimentos que você, porque comunga com a mesma prática e ideologia sua, não seria ele ideal para representar a sua história e os seus anseios de mudança? Pois então, quem é o candidato adequado a uma administração de esquerda em Uibaí? Seria o diretor da Embasa de ACM ou um militante legítimo da esquerda canabrabeira, que dedicou sua vida a causas populares, seja em nosso município ou em qualquer lugar onde esteve?

Pois é, chegou a nossa vez e temos de honrar o exemplo de coerência deixado por Osvaldo Alencar Rocha. Nós não só queremos como podemos eleger um candidato autêntico da esquerda. Um candidato que faz parte da nossa história. Nós lutamos muitos anos para alcançar isso e não podemos, portanto, entregar os nossos 25 anos de lutas constantes em Uibaí para uma falsa esquerda oportunista, carguista, que vive atrás de resultados imediatos.

Esses e outros motivos é que nos movem a chamar você, todos aqueles que construíram a história verdadeira da esquerda de Uibaí para nos unirmos em torno da candidatura de Tarcísio para prefeito em 2008, por entendermos que Tarcísio representa essa esquerda autêntica e poderá, junto com todos que participaram dessa nossa trajetória de lutas, trabalhar na realização dos sonhos por que lutamos durante décadas. HÁ BRAÇOS!
FORA O CARLISMO E OS FALSOS REPRESENTANTES DA ESQUERDA UIBAIENSE!
Olá, amigos leitores, esse número 33 do Boca do Inferno pode ser chamado de edição pós-carlismo. É que todo mundo testemunhou o coronelismo carlista afundar ainda no primeiro turno das eleições. Esperamos que o próximo governo cave uma sepultura bem funda para ir sepultando aos poucos os longos tentáculos desse polvo sujo e decadente que é a política do PFL e aliados no estado da Bahia.
Em Uibaí, a preocupação deve ser dobrada: por um lado devemos continuar cercando a direita carlista de Réuzinho, agora rachada no Hamiltismo, no dorinhismo e no birinhismo, por outro lado, é preciso atacar a representatividade falsa e oportunista que reina dentro da esquerda, representada por tipos como Maria Sopão, Simpatia de Araque, Diazepam e Pedro pára-quedas.
UM PEQUENO EXEMPLO DE FALSA ESQUERDA
Vejamos, entre muitos, um clássico exemplo do que é falsa representatividade dentro da esquerda uibaiense: na década de 80, enquanto a esquerda fundava grupos políticos de juventude e associações comunitárias, Simpatia de Araque fundava rinhas e promovia brigas de galos. Enquanto a esquerda se esforçava para realizar seminários sobre educação, combate à corrupção dentro da prefeitura, semanas de arte, Simpatia de Araque ajudava a fundar junto com o prefeito Hamilton, o elitizado e escroto Clube Canapodre. Enquanto a esquerda combatia as barragens particulares feitas por Renato na serra, ele, o Bocó, jogava volei, futsal e bebia uísque no Clube Canapodre. Agora as perguntas: que zorra esse filho da mãe faz sendo líder da esquerda? Por que se aceita uma distorção dessas? Por que a esquerda não escolhe seus representantes olhando para a coerência histórica?
Há uma visível e inexplicável dificuldade por parte dos segmentos de esquerda uibaienses em escolher líderes que representem os 25 anos de luta travados de 80 para cá. Há, em atuação instituicional, apenas um representante legítimo dos movimentos que fizemos em uibaí nos últimos anos. Os demais são escolhas ridículas baseadas numa mistificação conservadora e cega de certos elementos da rua grande, que históricamente ocuparam o lugar de patrões e de opressores.

É preciso reverter isso. Não devemos nos afastar do embate político. Temos sim que lutar para construir representações que ratifiquem tudo que fizemos nos últimos anos e não alimentar as representações postiças que vimos despontar nos últimos tempos e que irão despontar agora mais ainda, com o novo governo do PT, engolindo tudo que fizemos, tão naturalmente como se sempre tivessem feito parte desse lado da história.
POETAGEM

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QUEM FALA, CALA...

Vitor Hugo F. Martins*


Escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. (Clarice Lispector, Água viva)


Como sabemos, quem cala, fala. “Quem cala, consente”, diz a voz popular, e com alguma razão. É certo, porém, que, para o Direito, calar, por si só, não basta, não incrimina nem descrimina ninguém. Por isso mesmo existem mecanismos jurídicos – por que não dizer o nome certo, chicanas? – que protegem o depoente, fazem-no calar, sem ir de encontro à lei. Ora, com isso, inferimos que esse depoente disse menos do que sabia.

Por outro lado, o que poucos sabem é que quem fala, cala. Como pode ser isso? Simples: quem fala, pensa estar falando originalmente, livremente, por si mesmo, sem censuras. Ledo engano. Por quê? Porque está falando em nome do Outro, sem o saber. Assim, falando o que querem que falemos, acabamos calando o que verdadeiramente queríamos falar. Ainda que pensemos ter consciência do que falamos, no fundo, estamos silenciando-nos. É que o inconsciente nos trai. Quando, por exemplo, uma pessoa se diz anti-racista e despreconceituosa e fala “Fulana é negra, mas linda”, “Beltrano é gay, mas inteligentíssimo”, deixa-se trair pelo discurso do inconsciente, que se materializa pela vírgula e pela conjunção adversativa. Assim como nos fazem trair-nos a nos mesmos as instituições a que nos sujeitamos. Desse modo, a História oficial fala daquilo que a classe dominante quer que ouçamos: “Wladimir Herzog suicidou-se na prisão”. Dessa maneira, cala a verdade, a tortura e a morte do jornalista.

No nosso discurso do dia-a-dia, a fala que cala pode ser reconhecida sem muita dificuldade. Basta que atentemos para o que há de interdito no que falamos e ouvimos. Interdito que pode ser lido como o que está dito nas entrelinhas, porque não podemos/devemos/sabemos/queremos dizer.
O resto é silêncio...

* Vitor Hugo Fernandes Martins é professor do Curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XXI, Ipiaú, BA. Poeta, cronista e contista. Autor de Contos cardiais (Editora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, 2006).

O AVIÃO QUE CAIU VÁRIAS VEZES

No mundo real em que vivemos, o avião da Gol caiu apenas uma vez. Foi em Mato grosso, em 29 de setembro. Mas todos os canais de televisão do Brasil repetiram a cena do desastre várias vezes. Aí eu pergunto: o acidente precisava repercutir assim?

Os responsáveis pela exaustiva exibição alegam que mais que notícia, um desastre com tais proporções merece todo o destaque nos meios de comunicação. Que é notícia, ninguém pode desmentir. Que os cidadãos devem ser informados, também não se contesta. Porém, o insistente festival de imagens na televisão, que nunca acaba, dá um tom de infinito ao desastre, fazendo com que ele perca sua estrita ligação com a informação e a notícia. Algo triste vira um doentio espetáculo, na medida em que é tratado de forma inadequada. A morte trágica de mais de uma centena e meia de pessoas é naturalizada como uma apresentação de desfiles de samba, no carnaval ou de esportes, nas olimpíadas.

As emissoras de televisão têm, visivelmente, programas secundários. São programas que não agregam quase nada, pois têm somente a função básica de reter a atenção dos telespectadores. Seu negócio fundamental é o entretenimento, daí a vocação para o show, o apelo, a emoção. Sabem essas emissoras que manipulando a emoção dos espectadores, com imagens que não informam mais nada, podem manter a audiência e vender muitos produtos. Daí o fato de essas imagens serem repetidas em demasia. Como no replay dos gols da rodada e dos aviões que atacaram as torres gêmeas, o objetivo é fazer durar a emoção.

Na televisão, as tragédias acontecem em um tempo que não é o dos fatos, mas sim o da emoção. Diante dos desastres, os telespectadores se entretêm, se deixam aprisionar na medida em que vão sendo atraídos.

Voltando ao acidente da Gol, os primeiros relatórios indicam que o avião dessa empresa caiu de ponta. Testemunhas dizem que o viram voando de maneira instável, e perdendo a altura antes de cair. As torres e os pilotos tentaram, sem sucesso, vários contatos nos minutos anteriores ao acidente. Testemunhas e trabalhadores da Gol disseram que ficaram horrorizados com o acontecido. Talvez o telespectador alegue o mesmo. Os que viram pessoalmente a cena da catástrofe se feriram na alma, alguns nem conseguiram dormir depois. Por outro lado, e isso talvez seja o pior de tudo, quem vê pela televisão as mesmas imagens se sente imune, bebe um conhaque, relaxa no sofá e sente um prazer estranho. Pede bis e é correspondido.
( joaquim alencar machado)

Vicente Veloso VIVE!

Flávio Dantas Martins

“Segundo os nossos informantes, e alguns parcos registros que encontramos, no final da primeira metade do século XIX, isto por volta de 1844, um escravo de nome Vicente Veloso, fugindo da região mais próxima ao litoral para as brenhas do sertão, veio se encontrar sua liberdade nas encostas da Serra das Laranjeiras, ou Serra Azul, onde viveu por algum tempo escondido da terrível repressão dos capitães-do-mato.”
Osvaldo Rocha e Edimário Oliveira, Canabrava do Gonçalo

A escravidão colonial significou arrancar violentamente dezoito milhões de pessoas de suas terras na África e trazê-las para trabalhar na América até morrerem, até esgotarem, para que dessem o maior lucro que fosse possível. Significou exterminar perto de cento e cinqüenta milhões de indígenas americanos para tomar suas terras, para tirar deles até a última gota de trabalho.
Onde houve escravidão, houve resistência.

Vicente Veloso foi um negro escravo que matou seu senhor em Jacobina, isso por volta do início dos anos 40 do século XIX. Fugiu, caiu no mato. Como diziam os negros “Deus é grande, o mato é ainda maior”. Jacobina, importante centro minerador, possuía registros de quilombos desde 1726. Consta, também, que no início de 1806, uma expedição que partiu de Xique-Xique em busca de ouro encontrou alguns quilombos no alto de umas serras.

Depois de andar por alguns dias, talvez em busca de companheiros fugidos, talvez apenas fugindo dos capitães-do-mato, que tentariam levá-lo de volta à escravidão, Vicente Veloso deu pelas terras de Canabrava.

Vicente Veloso encontrou terras que não tinham dono. Terras de ninguém. Isso, porque, ao longo dos séculos XVII e XVIII, os invasores portugueses fizeram uma tática de guerra de terra arrasada contra os povos indígenas que habitavam os sertões. Os povos indígenas resistiram bravamente, foram inimigos terríveis. Sua guerra em defesa de sua terra só terminou quando foram exterminados. Muitos foram escravizados, viraram sem-terra, foram obrigados a esquecer sua cultura, sua língua, suas raízes.

Essa é a história. Foi assim que Uibaí começou. Um escravo matando seu senhor e indo em busca da liberdade. Ela chega a uma terra lavrada com sangue de guerras contra os povos indígenas. Um mito rebelde que temos que manter. Que temos que resgatar. Que temos que reivindicar. Uma luta que temos que continuar.

Uibaí não é daquelas famílias que vieram de cima da serra do Assuruá. Famílias que tinham seus escravos, que até hoje repartem o poder, entre amor e ódio, sempre unidas contra qualquer terceiro que apareça. Uibaí, a sua história de lutas e de resistência, a parte mais bonita de sua história não pertence a essas famílias que até hoje escravizam o povo, os descendentes de Maria Cabra (escrava de Venceslau Machado), de Vicente Veloso, os sobreviventes do extermínio dos indígenas.

Todos aqueles que trazem no rosto, no sangue, na memória, na pele, na vida, as marcas de cinco séculos de opressão, de guerra, mas também de resistência, de luta contra a escravidão, somente esses podem dizer: Vicente Veloso vive! Está presente! A luta continua...



OS CAÇADORES DE MODÃO

Lembro-me de que na década de 80 surgiu um, por assim dizer, movimento de juventude bastante curioso em Uibaí: a caça aos “modão”. Não houve canabrabeiro com hormônio correndo nas veias que não participasse com alguma assiduidade da cruzada de combate ao uso do mode. Deixo logo claro que esse fenômeno, em meu ver, se restringiu à cidade, não se estendeu, por conseguinte, ao município, felizmente.
O Mode é um vocábulo corrente em Uibaí, que muitas vezes funciona como elemento interrogativo (advérbio interrogativo): mode que tu num ganhou? Como indicador de causa (conjunção subordinativa causal): não teve festa mode a chuva! Outras vezes, como mera preposição: olha o menino mode o cachorro não morder! Não só o mode, mas o pissuir, o dispois, o muntcho, dentre uma série de termos ainda em uso na Canabrava, são remanescentes do Português falado no Brasil Colônia. Muitos desses termos foram preservados em alguns falares locais do país, devido ao isolamento de que gozavam esses logradouros, com relação aos grandes centros. Graças a esses rincões do país, que mantiveram vivas algumas marcas do falar colonial, é que a Universidade de São Paulo, unida a outros centros de pesquisa, vem conseguindo fazer a reconstituição do português falado no Brasil Colônia.
Não tenho certeza quanto à origem do movimento de combate ao mode. Tenho para mim que, influenciado pelo convívio com a variação lingüística da capital e pela recente entrada no mundo educacional da grande urbe, Celito levou esse (como diria Flávio) batismo civilizador para o Pé da Serra Azul. Era um escárnio atrás do outro. Na Rua Grande, diariamente se via Merica gritar para Celito do outro lado, na esquina de Diniz:- Acabei de pegar um modão aqui! Aí a molecada corria em direção a Merica para comentar e dar risadas do modão que Gilo, Zezim, Luis Binha, Maria de Alite ou qualquer outro que fosse soltara, numa infeliz distração. Infeliz porque falar um mode tornara-se crime punido com pesada gozação de modo que as pessoas afetadas pelos pegadores de modão vigiavam a própria fala o tempo todo.
Eu fazia parte da cruzada do modão e regularmente estava junto com a turma infernizando a vida dos conterrâneos. Uma vez Pichiro (irmão de Celito) chegou esbaforido lá na casa de Mariinha de Leandro, onde a turma se reunia para jogar aquele jogo com apenas uma trave, no qual Konan e Tinho eram campeões, só para dizer que presenciara Domingão soltar logo foi uma arrouba de modão. Todo mundo queria pegar um modão de tal forma que a brincadeira passou a ficar grosseira e desrespeitosa. Até os velhos estavam sendo perseguidos pela turma do modão. Com eles, a coisa era demasiado indelicada. Mas menino não leva muito em conta esses “detalhes”. Na mesma época dessa inquisição lingüística, Tinho de Mariinha, que externava certo desagrado com a perseguição dos mode, inventou uma moda de colocar a sílaba “pi” antes de tudo quanto é nome próprio. Era um tal de PiMérica pra cá, PiÁlan pra lá, PiCélito pra acolá... Ele só recuou de empregar o tal “pi” em Konan, nosso musculoso amigo. Também, ficava desajeitado chamar o cara de PiKonan.
Olhando a distância, com a maturidade trazida pelo tempo, diria que toda aquela implicância com o mode tinha dois lados: por um, não passava mesmo de algazarra típica de adolescentes, por outro, era uma versão agressiva do fenômeno de atualização da língua, que, no caso, deveria ir sendo estabelecido, não a troco de pressão e zombaria, mas paulatinamente com a renovação dos falantes, pela convivência com outras variantes do falar brasileiro e por intensas interferências culturais de ordens diversas. É isso, a língua muda com o tempo, e ainda bem que a gente também muda. Hoje, por exemplo, creio que, como eu, os colegas perseguidores dos modão sentem certo prazer em ouvir uma seqüência de mode brotar daquela forma gostosa, simples e natural que nosso povo tem de falar.
Enquanto ponho fim a esta curta ponta de memória, fico pensando no que a juventude anda aprontando nos tempos de agora em Uibaí. Será que são tão inocentes quanto nós fomos? (alan oliveira machado)