12 outubro 2007

BOCA DO INFERNO 37

BOCA DO INFERNO ESPECIAL, DEZ ANOS DE INQUIETAÇÃO


Este número que estamos construindo com colaboração de intelectuais acadêmicos e de populares, vem marcar os dez anos de atividade crítica do nosso caderno. Na verdade este número 37 ratifica a tendência do Boca do Inferno em ser aberto, desde a sua primeira publicação, para a opinião indiscriminada dos mais variados segmentos da sociedade. HÁ BRAÇOS!


LEITURA VIRTUAL: O QUE É ISSO?
Luciano Rodrigues Lima (Doutor em Literatura, Professor titular da UNEB, Professor adjunto da UFBa)
Chama-se leitura virtual a leitura do texto na tela do computador (PC, lap top ou palm top), ou do texto projetado por um data show, projetor de cinema, tela de televisão ou mesmo um simples retro-projetor. O significado da palavra virtual é controverso (Gilles Deleuze, um pensador francês, alerta que o virtual não é o irreal, mas algo como o devir do real, uma espécie de futuridade do real), mas podemos falar de algumas de suas características: é algo que se revela como uma imagem do real, mas não possui uma corporeidade permanente; projeta-se como imagem e som perceptíveis, mas é resultado de um processo de codificação eletrônica e não do movimento de corpos reais (a música gravada é virtual, a voz ao celular, também, assim como o próprio texto impresso possui algumas características virtuais, pois representa as palavras que não estão sendo pronunciadas por nenhum aparelho fonador de verdade).A imagem virtual necessita de um componente cultural para a sua percepção e compreensão. Muitos animais não reagem à comunicação virtual pois não são capazes de compreender a cultura e o significado das invenções humanas (embora possuam sua própria cultura), enquanto outros, como os macacos e, às vezes, gatos, percebem e reagem diante das imagens virtuais, numa surpreendente capacidade de adaptação cultural.Voltemos, contudo, ao texto verbal virtual. A internet, o texto online, é, sem dúvida, o maior acervo de textos verbais para leitura virtual, cabendo citar, também, as edições eletrônicas de obras e textos de qualquer natureza, em CD-ROM, pen-drive, MP3, MP4, etc. A leitura desses textos se dá sempre em tela, mas essa concepção de leitura é avançada e o texto verbal pode ser associado a outros recursos midiáticos, como som, imagem em movimento, efeitos especiais de diversos tipos.Se me perguntam se o texto virtual substituirá o livro, no futuro, respondo que não sei. O futuro da tecnologia virtual é imprevisível. Mas penso que o texto virtual possui vantagens em relação ao texto impresso. O texto virtual é mais ecológico pois não necessita de papel, material atualmente feito de celulose vegetal. Também não ocupa quase nenhum espaço, algo tão importante nas reduzidas moradias das cidades grandes. Mas a maior vantagem do texto virtual é a sua praticidade, explicada através de aspectos como a atualidade, a velocidade e a acessibilidade. O texto virtual é sempre atualizável, como os dicionários, glossários e edições de obras online. As edições eletrônicas de jornais e revistas são atualíssimas. Mesmo os textos pessoais são mais rápidos, bastando comparar a carta tradicional e o e-mail. O acesso ao conteúdo dos textos virtuais (corpora para pesquisas, edições eletrônicas de obras completas, referências bibliográficas e referências terminológicas) é sempre mais rápido. Se estou lendo, por exemplo, a obra completa de Freud em edição eletrônica e desejo pesquisar o tema “inconsciente”, a edição me dará a indicação de todas as páginas, livros e artigos em que o termo aparece. Além disso, o texto em tela é digitalizado e pode ser copiado, reformatado, enviado para qualquer outro computador em qualquer parte, transposto para outros meios eletrônicos e, caso o usuário ainda possua apego às coisas matérias em si, como aqueles leitores fetichistas que adoram cheirar os livros, o texto virtual pode ser impresso.Penso que o Brasil, principalmente o MEC, os órgãos que lidam com cultura e ciência, as universidades, as editoras e mesmo aqueles que comercializam qualquer tipo de texto escrito, ainda precisam discutir uma política para disseminação do texto virtual. Sabe-se que existe, atualmente, mais leitura virtual do que leitura de texto impresso e mais lan-houses do que bibliotecas, mais e-mails do que cartas. E penso, ainda que existe mais escrita virtual do que escrita em papel. A escrita virtual é atraente, pois é assistida por revisores ortográficos, não existe partição silábicas, alerta-se contra repetição de palavras, pode-se corrigir infinitamente e já existem revisores gramaticais que auxiliam e alertam quanto às concordâncias verbal e nominal. Sem contar que se pode pegar qualquer informação online sobre nomes próprios, fatos históricos, obras, etc, para se utilizar na própria escrita.De volta à questão das políticas públicas, parece existir, ainda, principalmente nas universidades, um forte preconceito contra o texto virtual, principalmente o texto através da internet. Para muitos países, como o Reino Unido, a Austrália, os Estados Unidos e o Canadá, a internet já é o espaço em que toda a cultura acumulada (todos os textos clássicos de todas as áreas do conhecimento) está disponível gratuitamente em língua inglesa. É como se fosse a grande biblioteca de Babel, como a concebeu o escritor argentino Jorge Luis Borges. Enquanto esses países disponibilizam seus textos em suas línguas, o que angaria prestígio para suas respectivas línguas e culturas, no Brasil ninguém disponibiliza nada. Faltam iniciativas e sobra desconfiança.Se se quiser cobrar pelos textos, existem mecanismos como as livrarias virtuais, a exemplo do Questia, um portal onde se paga via cartão de crédito e se tem acesso a milhares de livros novos. Ou, buscam-se patrocinadores para os sites de leitura virtual. A pirataria eletrônica pode quebrar essa resistência ao texto virtual e tornar digital e gratuito o texto daqueles autores mais resistentes ao meio virtual. Assim, não querendo perder um pouco eles acabarão perdendo tudo. O texto virtual, no meu entendimento, democratiza a leitura.Imprevisível, o futuro do texto virtual e do texto escrito (discussão já antecipada em Apocalípticos e integrados, de Umberto Eco, mas também preocupação de pensadores baianos como Antônio Risério, em Ensaio Sobre o Texto Poético em Contexto Digital) interessa a todos os leitores. Encerro este breve texto (virtual) com uma frase do pensador Jean-François Lyotard, para reflexão: “...no futuro, tudo que não couber em tela de computador será descartado”.


AGORA SE PAGA PARA LER E ESCREVER
Aproveito o gancho da discussão levantada pelo professor Luciano para refletir sobre esse fenômeno que vem ocorrendo país a fora. Paralela aos destroços da educação e aos níveis baixíssimos de leitura, tem-se visto, nos últimos anos, a proliferação de lan houses, ou melhor, casas de internete por todo o país, sobretudo nos interiores. Há casos de cidades que nunca tiveram sequer uma biblioteca e agora têm vinte ou trinta lan houses em pleno funcionamento. E a leitura e escrita, antes uma tortura imposta pela pedagogia equivocada dos meios escolares, passou a ser um exercício que os jovens praticam diariamente nessas lojas de internete, seja via emeios, nos orkuts, nos msn, blogs, flogs, listas de debates ou chats.O poeta e professor Robério Barreto, inquieto pesquisador de mídias, atualmente ministrando aulas na Uneb de Irecê, com o qual iniciei um fértil diálogo, disse outro dia que Irecê, por exemplo, conta com mais de 25 lan houses, um número considerável se se for apurar que há apenas uma biblioteca pública, precária, na cidade. Diante desse quadro, a gente tem que se perguntar qual seria o reflexo disso na aprendizagem dos freqüentadores desses novos espaços de produção de leitura e escrita, pois o jovem que antes fugia da leitura e da escrita, agora, por desejo próprio, busca esses exercícios e, por incrível que pareça, paga entre 1 e 2 reais para executá-los, a sua maneira, em uma loja de internete.Num rápido olhar, o que se percebe é que a orientação e o controle do processo de desenvolvimento de leitura e da escrita escaparam do espaço escolar possivelmente só restando uma saída para a escola: trazer a internete para dentro de seus muros e a pedagogia, o conteúdo e os mestres para a internete. Parece que estamos no limiar de uma mudança radical na práxis pedagógica.Assim, antes de qualquer julgamento negativo ou positivo, acredito que é preciso investigar quais os conteúdos, os modos de recepção, de leitura e de escrita que esses novos leitores e produtores de texto estão exercitando; é preciso saber qual será o papel da escola nessa nova relação de leitura e escrita. Aqui para nós, será que algum canabrabeiro engajado já se deu conta de que esse fenômeno está ocorrendo também em Uibaí?HÁ BRAÇOS! alan oliveira machado


IRECÊ: CIDADE CIBERNÉTICA
Robério Barreto ( Professor da Uneb em Irecê)
Em Irecê há uma predominância de oralidade acima dos índices nacionais o que o caracteriza com cidade de fala. Por outro lado, não se tem conhecimento amplo de políticas públicas que incentivem a produção escrita e a prática de leitura. Então, eis ai que surge o espaço para a mídia digital – internete – na qual crianças e adolescentes se fazem usuários efetivos dos ciberespaços e ciberdiscursos, chegando a ocupar, em média duas horas de seu dia com acessos a sítios eletrônicos e salas de bate-papo, que nem sempre levam à pesquisa e muito menos à construção do conhecimento sistemático, uma vez que esses cidadãos cibernéticos já não mais aceitam as mensagens estáticas e conservadoras das mídias televisivas e radiofônicas, comumente encontradas em casa. Isso, sem dúvida, tem possibilitado o comércio da informação digital, de maneira que, em pesquisa recente, verificamos que nessa cidade existem 25 casas de internete – Lan House –, oferecendo acessos digitais a quem quer que seja. Esses serviços não têm muito controle, isto é, poucas casas digitais realizam o protocolo legal, ou seja, fazem o registro do usuário de forma correta, conforme pede a legislação federal.Nesse universo digital tem algo muito particular e significativo: os usuários da web estão divididos em conformidade com horário em que se dispõem a usá-la. Conforme pesquisado, no período matutino as casas de internete passam a ter movimento a partir das nove horas da manhã, momento em que boa parte dos usuários, estudantes, deixa a escola para ir a tal local se conectar com seus amigos virtuais. No vespertino, a lógica se inverte: os usuários na maioria das vezes vêm direto à Lan house, permanecendo por lá até fim do horário escolar. O curioso nisso é que tais enunciadores e enunciatários digitais, ao serem inquiridos sobre os sítios eletrônicos e quais as finalidades com que os acessavam, são uníssonos ao afirmaram: acessamos sites de jogos, orkut e menssager para conversar com nossos amigos e jogar com eles. Então, por esse depoimento, pode-se perceber quão a mídia digital está promovendo uma espécie de interação à distância com pessoas que nem sempre terão condições de se encontrar pessoalmente.Diante disso, há ainda que se destacar a questão do acesso. O mercado da Internet segue o principio da livre concorrência, isto é, devido à demanda a rede foi-se expandindo. Hoje, Irecê – BA tem, conforme já mencionado, 25 estabelecimentos comerciais oferecendo esses serviços, bem como há alguns espaços públicos com internete pública, porém, estes não correspondem a 10% do mercado privado. Em tamanha vantagem, a iniciativa privada, tem promovido promoções interessantes: Há quatro meses a maioria das casas de internete está com uma promoção tentadora: “acesso por 0,99 a hora” . Com isso, aquelas crianças e adolescentes que comprariam lanche na escola por esse valor, passaram a gastá-lo com a compra de uma hora de acesso à web. Esse tempo lhes possibilita navegar por vários mundos, inclusive lendo informações que jamais a escola e os livros didáticos lhes possibilitariam, sobretudo numa rede ensino onde não há bibliotecas com acervos atrativos, além de conhecer pessoas de várias partes do mundo e, assim, trocar informações sobre suas culturas.(Veja o texto completo em: poetadasolidão.blogspot.com)


SEU GIRANDOLÊ NA VOZ DO POVO

O povo uibaiense é mesmo surpreendente. Quando se pensava que a preocupação com a arte e a cultura havia morrido, eis que surge o Praça Inquieta, reinventando tudo; eis que o Grêmio Cultural emerge das cinzas, a Seac levanta-se de uma longa dormência e Uibaí começa a vislumbrar uma renovação cultural. Agorinha, possivelmente como síntese dessa renovação, aparece no pé da serra o SEU, sigla que resume o nome do Grupo de Teatro Sociedade do Espetáculo Uibaiense, fundado nos últimos meses com a nobre tarefa de tocar projetos de arte e cultura em Uibaí e administrar a Associação Uibaiense de Promoção de Arte e Cultura (Aupac), que garantirá o funcionamento do Grêmio Voz do Povo.O grupo, até então composto por oito membros, vem apresentando o espetáculo teatral Ambulância. Além do propósito de divertir, o Ambulância prepara e divulga o projeto Girandolê que abrange arte e cultura num sentido mais amplo. Tomara que a turma entusiasmada do SEU consiga ensinar para Uibaí que arte e cultura é algo fundamental e que quem se dedica a essas atividades é um trabalhador que merece respeito e remuneração como qualquer outro profissional.

A TERCEIRA CEGUEIRA:
REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO LETRAMENTO E CULTURA ORAL

Cosme Batista dos Santos[1]

Este texto que dou o titulo de a terceira cegueira[2] é parte de uma seqüência de textos curtos que venho produzindo sobre determinados conceitos e orientações teóricas de pesquisa sobre o letramento e que, por diversas influências, têm sido utilizados na construção da paisagem conceitual de trabalhos sobre o letramento ou de estudos das praticas sociais mediadas escrita. Como já foi dito, este texto, particularmente, discute uma primeira cegueira que caracteriza a cultua escrita na sua relação com as outras modalidades culturalmente situadas de significação. Acrescenta uma segunda cegueira que, historicamente e geograficamente, impede o trânsito entre a cultura oral e a cultura letrada, assim como entre os seus sujeitos e praticas. Trata ainda de uma terceira cegueira que, nos nossos dias, parece surgir como produto de certas leituras situadas na fronteira ou na interface entre tais culturas.

A primeira cegueira é atribuída, basicamente, à ciência moderna e à cultura escrita, essa última, por ser o canal por excelência dos bens culturais e científicos dos segmentos dominantes da sociedade. A cultura letrada não viu, nem produziu os instrumentos que permitissem o acesso ao conhecimento prático, à cultura oral, às maneiras de fazer e de dizer dos subalternos, dos camponeses e dos operários. Não há na cultura escrita dominante, o espelhamento das ações periféricas dos homens simples, da sua cognição, das suas manifestações culturais e sociais, das suas lutas e dos seus testemunhos históricos.

A segunda cegueira é atribuída, basicamente, ao senso comum e à cultura oral, essa última, por ser o canal diverso de produção de sentido e de circulação dos saberes culturalmente e tradicionalmente produzidos nas/pelas diferentes tribos e comunidades do mundo. A cultura oral ou, em outros termos, os grupos que não possuem o poder da leitura e da escrita, são historicamente excluídos do acesso aos sentidos, saberes e ações que a cultura letrada permite acessar, por exemplo, como o faz as minorias dominantes que possuem a letra. A falta do acesso aos bens simbólicos da cultura letrada de elite não permite com que os subalternos, os ditos pouco letrados, acessem o trabalho em condições mais especializadas e os conhecimentos e códigos letrados úteis á sua sobrevivência, como por exemplo, a capacidade de transitar em outras culturas e novas realidades históricas, geográficas e lingüísticas, por exemplo. A segunda cegueira, nesse sentido, se configura pela ausência de uma “luz” para o exterior da cultura oral e que através dela os ditos poucos letrados possam migrar dos seus lugares para outros ainda então desconhecidos; e que através dela possam “iluminar”, evidentemente, não em termos absolutos, o mapa do conhecimento, do lugar e da história alheios, dos bens produzidos por tantas gerações, em tantos lugares distintos e distantes.

A terceira cegueira é atribuída aqui à tentativa de dar sentido ao dito fim da fronteira entre a cultura letrada e a cultura oral, sinalizando o desmonte das dicotomias e das polarizações entre o letramento e a oralidade, por exemplo, muitas vezes sob a proteção de um revestimento meramente estético. Essa operação de desmonte dos pilares sólidos dessas culturas em muito pode estar contribuindo para o surgimento disso que estamos chamando de uma terceira cegueira e que parece ganhar espaço em novos quadros ou paisagens conceituais que estão se formulando na base de explicação de novos trabalhos sobre o letramento situado. Esse componente teórico, a nosso ver, se não resulta de um rigor analítico tão necessário à investigação em linguagem, poderá também se encerrar no mero revestimento estético categorizado pelo pressuposto. Em outros termos, poderá obscurecer ou negligenciar, por exemplo, as interferências mútuas entre as culturas que certamente nem sempre apresentam a mesma configuração, grau de circularidade e traços que se (des) estabilizam entre elas.
A rigor, a mistura cultural e lingüística não lembra, pelo menos em termos absolutos, a diluição de líquidos em um mesmo recipiente, conforme parece sugerir algumas análises mais empolgadas do hibridismo na relação cultura oral e a cultura escrita. Esse tipo de análise especulativa não resolve o problema das duas cegueiras já descritas, não empodera nada, nem ninguém, apenas poderá institucionalizar uma nova, uma terceira cegueira.

[1] Doutor em Lingüística Aplicada, Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Pesquisador do Grupo Letramento do Professor –IEL/Unicamp.
[2] Texto inspirado nos debates ocorridos no IV Seminário do Grupo Letramento do Professor ocorrido em agosto de 2007, no Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp. É também inspirado na obra de Boaventura de Sousa Santos sobre a sua “Crítica da razão indolente” (Santos, 2002). Devo adiantar também que são reflexões que compartilho com muitos outros, mas que pretendo levar adiante e até ampliar, sem a necessidade de citações explicitas.

DELÍRIOS


Sou tão obvio que fico imaginando que não preciso te dizer nada. Simplesmente é indescritível o estagio de transmutação da consciência. Basta encontrar o ponto de ruptura, o momento de sair dessa esfera e sublimar, deixar todas as palavras e emoções palpáveis lá fora, ao relento e frio da noite, perceber que sua visão não é para fora, e sim para dentro, e ir seguindo os passos de seus olhos fechados, e você parado fisicamente, deitado, sentindo as pernas distante, ou próxima demais dos olhos, seus dedos entram na boca e você começa a caminhar dentro de si, ao avesso, o liquido de seu corpo é um mar onde se pode navegar e não tem como dizer quais cores e quais formas, porque aqui fora de mim, isso não é palpável, sendo assim, tal qual o prazer, o orgasmo, o delírio não é possível descrever nitidamente, mas querendo, se entregando e seguindo os passos, é possível viver o momento mais seu de sua existência, quando todos os seus medos conflitantemente são vencidos e o tempo, deixa de existir, toda a sua vida e memória passam em seus impulsos elétricos e a comunhão da vida de todas as outras pessoas percorrem os sentidos da integração, de uma folha caindo, ao ponto luminoso que entra pela greta do telhado. Somos o próprio universo e nosso encanto ao ver esse mundo material (paisagens naturais, aves coloridas, canto, filmes de amor...), vem dessa dimensão, de que é fascinante redescobrir que é possível estar juntos, ser um, ser todos e não ser nada. Ai chega o momento em que você entra em crise e luta pra ficar e ao mesmo tempo tenta sair, e os líquidos vão sendo dispersos ao ponto que você começa a voltar, e não existe diferença entre olhos fechados e abertos, se estiver concentrado em si mesmo, e perceber que existe a necessidade do outro, que preciso sair daqui de dentro de mim, tanto quanto preciso ficar, mediar os caminhos e a sensibilidade do estado atual. O agora, que acaba de passar, e tudo vai seguindo seu ritmo.
(Caio Fernandes, cursando Ciências Sociais na UFCG)





A IMPORTÂNCIA DO BOCA DO INFERNO – OPINIÕES

Quando este veículo deu a partida, muitos não acreditavam, outros tantos combatiam ou torciam pelo fracasso. Alguns embarcaram e contribuíram para essa viagem em determinado tempo, inclusive o autor deste texto. Com críticas, como deve ser todo processo de construção coletiva que pretenda ser libertário, fomos descendo dos vagões, mesmo em andamento. Neste momento, que esta revista vai fazer 10 anos, quero saudá-los pela coragem e persistência em continuar semeando criticidade naquele terreno árido com a perspectiva de colher libertação. Acertos e erros são apenas visões diferenciadas de um determinado fato histórico. Ousemos continuar sonhando e construindo a sociedade do futuro, ou seja, uma sociedade sem oprimidos e sem opressores. Um forte abraço. João Setão, direto de Brasília.


NÃO LEIA O BOCA DO INFERNO
Uma grande besteira que fiz em algum tempo desses dez anos foi ler o Boca do Inferno. Que perda de tempo! Foi no Boca do Inferno que ouvi falar pela primeira vez de Nietzsche, Freud, Foucault. Boas pulgas atrás da orelha e boa curiosidade, mas daquela que mata, não os bechanos, mas a ignorância! Foi no Boca do Inferno que se chamava a atenção para a esquerda violeira (que pega com a esquerda e toca com a direita) da velha Canabrava que era, na verdade, uma nostálgica oposição. As frestas de esquerda estão no pé da serra: é preciso transformá-las em boqueirões! Depois, o Boca do Inferno foi um dos lugares em que escolhi, armado de Marx, Gramsci, Thompson e de uma teoria que não é idealista e uma prática que não é voluntarista, para botar a boca no mundo e dizer que não está tudo bem, que tudo não tem que ser assim!Não leia isso. Depois não diga que há unanimidade em Uibaí e, muito menos, que ela é burra.(flávio dantas martins, estudante de História)
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É interessante a provocação que a revista Boca do Inferno faz... É assim uma coisa bem diferente do que nós estamos acostumados a ver em outros meios de comunicação. A gente sente muita falta desse tipo de elemento crítico presente nos textos da revista Boca do Inferno. Então, que não demore a sair o número seguinte e que vocês continuem realmente com essa linha crítica e ao mesmo tempo cultural que é assim bem vista e bem comentada por aqueles que conhecem a imprensa e a comunicação em si. (Gervásio, jornalista e assessor político)


Boca do Inferno é uma forma inteligente de mostrar as idéias, principalmente, sobre política e cultura, um caderno que, além agregar muito valor, dá oportunidade a jovens escritores que estão surgindo. (Joaquim Oliveira Machado, estudante de Administração)


Li o Boca do Inferno nas ocasiões em que chegou às minhas mãos e acho importante porque é uma forma nova de comunicação, de denúncia, de debate e de reflexão.
( Zé das Virgens, Deputado Estadual)


Sou um leitor assíduo do Caderno Cultural Boca do Inferno. É um caderno que todo mundo deveria ler, pois tem mostrado uma postura interessante para a sociedade uibaiense, sobretudo quando reflete sobre a política social e cultural no município.
(Djalma Silva, ativista cultural uibaiense)


Boca do Inferno se tornou um meio de comunicação bastante importante para a comunidade de Uibaí. Tem sido um grande aliado na transformação e conscientização dos jovens, na abertura do conhecimento e no crescimento sociocultural do município. (Lívia Oliveira Machado, Socióloga)

25 agosto 2007

BOCA DO INFERNO-36

O PAN NOSSO DE CADA DIA
A cobertura dos Jogos Pan-americanos durante dezenove dias do mês de julho dá uma importante pista sobre como funcionam os meios de comunicação no Brasil e o que de fato está no centro de seus interesses. Se a gente for confrontar os dias que antecederam o Pan com os dezenove dias de Pan, teremos um quadro curioso em mãos. Para isso, vamos tomar como referência a Rede Globo de Televisão, maior emissora do país, com os mais altos índices de audiência.

As notícias centrais veiculadas pela Globo, nos dias anteriores aos Jogos Pan-americanos, tinham como cenário o Complexo do Alemão, morro carioca dominado pelo tráfico de drogas e pela violência, a crise aérea e o caso Renan. Todos os dias, nos principais jornais da emissora, o tiroteio no morro, as vítimas de balas perdidas, o cerco da Força Nacional de Segurança e as dezenas de mortes provocadas por essa guerra dividiam espaço na telinha com as filas intermináveis em aeroportos e com as manobras do presidente do Senado para se livrar dos processos no conselho de ética. De repente, o Rio de Janeiro mergulhado na violência e o país envergonhado com o desrespeito nos aeroportos e a falta de caráter dos políticos do Senado desapareceram da tela da Globo, aparecendo em seu lugar apenas o Pan, num Rio de Janeiro paradisíaco, feliz, sorridente, sem violência, sem drogas. Um Rio de pele branca, endinheirado e glamouroso. Não vamos dizer aqui que todo mundo sabia, mas deveria saber, se não tivesse emPanturrado do espetáculo esportivo, que o cerco da polícia continuava no morro. Os tiroteios seguiam fazendo vítimas diárias e as manobras políticas persistiam, adiando a punição de Renan, tais como a crise aérea continuava transtornando os cidadãos.

Esses dezenove dias de paz jogados de repente como um lençol colorido sobre as mazelas do país pelos meios de comunicação refletem o que realmente é importante para as empresas de comunicação: o lucro a qualquer custo. A elas interessa, mais do que informar e educar, vender produtos, fechar contratos publicitários milionários como os que foram executados nos dezenove dias de Pan. Afinal, quem iria querer anunciar produtos em meio a um noticiário que privilegia a denúncia de violência, morte, corrupção e desrespeito ao consumidor? Se isso era um problema para as empresas de comunicação, nada mais simples de resolver: se a realidade inviabiliza os interesses empresariais da Globo e companhia, então que se dane a realidade. Aí, sabendo que o povo desde longas datas prefere pão e circo, os meios de comunicação, em conveniência com seus contratos, deram ao povo Pan e circo. Criaram o Rio dos sonhos, recheado de propaganda de marcas esportivas, produtos energéticos milagrosos, bancos bonzinhos, de atletas felizes e gente simpática. E sustentaram esse espetáculo miraculoso até a última prova esportiva.

Quem estava atento a todo esse trabalho de suspensão da realidade, com fim meramente comercial, empreendido pelas referidas empresas, pôde constatar que um dia após o Pan, como num passe de mágica, o Rio começou a virar o inferno de sempre pintado pelos meios de comunicação e o apagão aéreo juntamente com o caso Renan voltou às bocas de múmia de Wiliam Bonner e congêneres. Mas por que voltou? Por perversão, sadismo? Claro que não, voltou porque quem não tem Pan caça com gato, aliás, com ratos também e tudo mais... Explorar casos como a violência em determinados estados, a desordem nos aeroportos e a corrupção política, como pauta única, do modo cosmético e exclusivo como vem sendo explorado, quando não produz dividendos de imediato, produz a médio ou longo prazo. Afinal, qual alma não percebeu o abrandamento do discurso da Band, em relação ao governo federal, com a contratação de Franklin Martins para o seu quadro de jornalistas, seguida pela imediata entrada dele no quadro de ministros de Lula e quem não está vendo a Globo, em resposta a esse movimento que aumentou a receita da Band e diminuiu a sua, engrossar o volume, o tratamento e o tom das críticas ao Governo Federal?

Diante disso, fica fácil compreender quem somos nós, expectadores, cidadãos comuns, para essa elite que produz hegemonicamente a “comunicação” brasileira. Basta apenas observar criticamente os fatos e eventos que essa elite prioriza. Para quem não sabe, certa vez, numa reunião de pauta do Jornal Nacional, o dito Wiliam Bonner ofereceu elementos suficientes para essa compreensão. Segundo o diretor e apresentador do jornal das oito, da Globo, o povo é como Romer Simpson, aquele personagem de desenho animado americano: idiota, com dificuldade de compreender as coisas e fácil de manipular, sendo papel do Jornal Nacional dourar pílulas aparentemente noticiosas com o máximo de idiotices para não ofender a parvoíce desse tipo de expectador, de modo a mantê-lo fiel aos programas e propósitos da emissora. Quem quiser que se sujeite a isso! (alan oliveira machado)

22 junho 2007

BOCA DO INFERNO 36


PERSEU E A MEDUSA OU NÓS E A REALIDADE?


Vamos usar como base para essa reflexão um mito grego. Sim, porque os mitos nos têm muito a ensinar na medida em que constituem uma condensação simbólica da consciência, da inconsciência e da experiência humana ao longo dos tempos. Então pensemos no mito de Perseu e Medusa. A Medusa era um monstro tenebroso com cabelos de serpentes. O olhar dessa criatura petrificava literalmente todo e qualquer opositor de tal forma que quem a enfrentava acabava reduzido à pedra. E se determinarmos que essa figura da medusa, também conhecida como Górgona, é uma representação simbólica da realidade, o que poderemos dizer? Poderemos dizer que a realidade é monstruosa, que ela nos amedronta, nos petrifica, nos desumaniza, nos angustia e nos reduz à insignificância. Então, nossa vida é essa luta para sobreviver à estagnação pétrea, à desumanização imposta pela realidade meduzina. E ao ver o tanto de pessoas que a realidade desumaniza, petrifica, reduz a pó, de imediato, nos enchemos de desânimo e tristeza. É como se não existissem saídas.


Mas esse é um lado do mito da Górgona. No correr da narrativa mítica, nos damos conta de que Perseu venceu a Górgona, decapitou-a e isso significa muito na medida em que nos mostra uma saída. Perseu evitou o olhar da Medusa, evitou também olhá-la. Traduzindo, Perseu evitou a crueza da realidade, para poder sobreviver a ela e evitar essa crueza, sua dureza, não significou ignorá-la. O que fez o herói mítico foi mudar a forma de olhar, mudar o ângulo sob o qual estava acostumado a ver a realidade. O ângulo que o paralisava, que o insensibilizava, que ameaçava a sua existência humana, tornando-o frio como uma pedra. Perseu notou que poderia encarar o monstro mirando-o pelo reflexo do seu bem polido escudo. Assim, acompanhou os movimentos da Górgona até o momento em que pôde desferir-lhe um golpe seguro e certeiro, vencendo o terrível animal. Uma das lições que o mito nos dá então é a de que precisamos mudar o modo de ver e encarar as coisas de vez em quando, para nos livrarmos da paralisia terrível que o posicionamento monolítico nos provoca. Mudar a maneira de ver um amigo, um irmão, um inimigo, um filho, a família é, em princípio, evitar os conceitos pré-elaborados, é não se satisfazer com a imagem imediata, é deixar que o outro apareça diante dos nossos olhos de forma diferente, como uma novidade inquietante; é não se deixar apanhar pelo que brutaliza o olhar, pelo que o desumaniza. O que fizemos e o que temos feito, principalmente no campo político, é isso. E não é fácil fazê-lo. Afrontar a realidade fora do campo de acomodação que a faz funcionar, fora do campo de condicionamento que ela cria para a gente se submeter é quase sempre muito violento. Precisamos matar uma medusa por mês pelo menos para não virarmos estátuas de pedra, ou melhor, bonecos nas mãos dos outros. E matar esse bicho, ou seja, desmistificar uma prática, desmistificar um pensamento, um modo de encarar a vida, gera rancor, irritação e reações emocionais as mais diversas, nas pessoas que estão arraigadas a essas coisas, com destinos petrificados. Numa situação dessas, como tocar o coração, o orgulho e o caráter de pessoas petrificadas a não ser com marteladas, com marretadas? No que concerne a nossas críticas políticas em Uibaí, por exemplo, temos a impressão que já rendeu o que devia render. Elas fizeram muita gente ir estudar, outras se preocuparem com o que fazem e o que dizem, fez outras irem ler e escrever e, no momento, nos damos por satisfeito com isso. Não nos incomodamos com o peso do mal-estar emocional dos outros que sobra para nós, isso faz parte do processo. Quando nos propusemos a questionar a nossa realidade de esquerda já contávamos com essas reações. Soubemos nos blindar (parte boa da informação psicanalítica) e o fizemos como deveria ser feito, nos momentos adequados.


Como dissemos, essa fase rendeu o que podia. Agora o foco é outro: a união, a organização, a base... O Boca do Inferno 35 já sinaliza essa nova direção. A nossa preocupação é organizar o que está ausente dessa linha que foi bombardeada. É dar visibilidade ao que a nossa prática (de todos os uibaienses) deixa ausente, ignora. Vamos, a partir de então, fazer emergir o mais simples, agora, com uma boa bagagem, levando uma cabeça de Medusa na mala. Isso mesmo, haviamo-nos esquecido de dizer que olhar a realidade de outro modo não é só uma forma de vencer o que há de cruel, duro e desumano nela senão também um modo de tê-la como arma em nosso próprio benefício. Perseu carregava a cabeça da Górgona dentro da capanga o que o tornara invencível. (vejam que lição: vencer a dureza da realidade nos torna invencíveis) Toda vez que enfrentava um inimigo imbatível, retirava da capanga, segurando pelos cabelos de serpentes, a cabeça do monstro e mostrava ao inimigo que, ao fitar o semblante da medusa, virava uma estátua de pedra inofensiva.Por fim, pensamos que todo o mundo tem uma medusa a atormentar e que precisa ser decapitada. Uns demoram mais para vencê-la, outros são eliminados pelo seu olhar terrível. Muitos que a vencem não sabem usá-la em defesa própria. Mesmo assim, cada quem escolhe o ângulo mais estratégico, pelo qual acredita que corre menos riscos de se sucumbir. É por isso mesmo que pessoalmente não estimulamos ninguém a seguir nossos passos. Os movimentos que aprendemos a esboçar, como desvios da dura realidade, podem configurar-se como abismos para os outros. É por isso também que ficamos atentos às soluções que os outros acham em seus enfrentamentos, aproveitando as soluções que amenizem nossa luta e repudiando soluções que podem nos atirar ao abismo. HÁ BRAÇOS!


QUEM É INIMIGO DO SABER?


O ser humano desenvolveu a escrita porque um dia teve necessidade de preservar sua memória de forma que pudesse consultá-la a qualquer momento. Isso permitiu a ele transmitir suas experiências e conhecimentos às gerações posteriores. A partir do memento em que começou a acumular conhecimento e a utilizar esse saber acumulado, a humanidade se tornou dominante no planeta e toda a sofisticação tecnológica de que dispomos hoje é fruto do uso crítico desse conhecimento guardado.


Atualmente, há várias formas de armazenar o conhecimento: livros, CDs, fitas, softwares, chips etc. Todas essas modalidades podem ser encontradas em bibliotecas. Dentre elas sabemos que o livro é a mais tradicional forma de preservar o conhecimento. Embora o livro seja a forma que concentra maior simbologia, todos os outros recursos trazem um ponto em comum com o livro: eles são materiais de leitura. A leitura então é o elemento mais importante de todo esse processo. Nenhum desses instrumentos faz sentido sem a leitura. Afinal eles não são apenas depósitos de informação e sabedoria, são instrumentos que devem ser utilizados num processo de interlocução que vise dar condições ao usuário de interagir com o mundo de forma a transformá-lo, a protegê-lo, a torná-lo melhor.


A biblioteca então é esse espaço sagrado que permite ao ser humano o acesso a sua história, a seu fazer e ao seu saber. O acesso a esse universo é fundamental para a compreensão do próprio homem e do meio em que vive. Assim, ler é um exercício de descoberta do mundo. Por meio da leitura o ser humano se desentorpece, se abre para o mundo e passa a vê-lo de forma mais sensível, mais crítica. A partir da leitura, ele pode avaliar melhor suas ações cotidianas e a si mesmo, já que, em grande medida, é constituído por aquilo que lê. O que não é outra forma de dizer que deixamos de ser aquilo que não lemos.


No mundo atual, onde predominam a informação rápida e a alta tecnologia, é inconcebível que ainda haja pessoas que não saibam ler ou que não gostem de ler. Essas pessoas, à medida que estão afastadas da leitura, do conhecimento, tornam-se reféns do meio social e reagem inconscientemente a essa condição de forma equivocada, às cegas, provocando situações que ajudam a atrapalhar o bom desenvolvimento da sociedade como um todo. Inaptas para fazer uma leitura de mundo, crítica e eficaz, elas seguem como bois dependentes das rédeas, a maioria das vezes opressivas, do meio em que vivem.


Paulo Freire nos ensina que "a leitura de mundo precede a leitura da palavra" e aqui acrescentamos que a leitura da palavra atualiza a leitura de mundo, tornando-a critica e renovadora. Ler, portanto, é um gesto revolucionário que garante ao leitor o acesso a diversidade da realidade, que amplia suas possibilidades de escolha, sua liberdade de decisão, enfim, sua cidadania.


A biblioteca deveria ser um bem fundamental imprescindível em municípios, cidades, escolas, casas de família, clubes etc. O conhecimento nos humaniza por isso nos autodenominamos homo sapiens, ou seja, o homem do saber. Assim, podemos concluir que onde não há bibliotecas há desigualdades, há processos de desumanização, há pouco desenvolvimento, pouco senso crítico, pouca sensibilidade estética etc.


Neste momento, perguntamos então onde estão as bibliotecas públicas de Uibaí? Elas simplesmente não existem. Para não ser injusto, existiu uma discreta biblioteca pública atrás do Grupo Escolar José de Alencar, mas ela, hoje, pelo descaso público, está reduzida a um depósito de livros velhos, tão sombrio quanto um túmulo, na rua da delegacia, sem condições alguma de servir à comunidade. (dionizo tamanduá)


A IMPORTÂNCIA DE UM BOM CURSO SUPERIOR


O acesso ao ensino superior de qualidade constitui um dos principais caminhos para o desenvolvimento da cidadania. Na boa universidade, o discente terá acesso aos mais diferenciados conteúdos e aos saberes necessários para que desenvolva a consciência de modo a ser capaz de se situar no meio social sem deixar de perceber os interesses que estão embutidos nas relações de força. Assim, ele poderá fazer escolhas sensatas, em sintonia com os melhores sentimentos de humanidade.


No decorrer da vida acadêmica, o estudante não só obterá conhecimentos suficientes para torná-lo um profissional qualificado como também experimentará, nessa convivência, o embate com opiniões divergentes, com correntes filosóficas que fundamentam as mais distintas visões de mundo, podendo, a partir dessas experiências, compreender o mundo de forma mais complexa, bem como aprender a exercitar o senso crítico e o respeito à diversidade.


Os desafios que o estudante encontrará em um bom curso superior provavelmente estarão em sintonia com as problemáticas e necessidades da sociedade contemporânea e esta exige cada vez mais que os indivíduos se comportem como cidadãos, ou seja, que saibam interagir em campos de conhecimento variados, que saibam dialogar com culturas distintas de forma respeitosa, que saibam sobretudo intervir no meio social de modo a garantir a soberania do bem comum.


O cidadão dotado da capacidade crítica, construída no exercício da vida acadêmica, desenvolve um tipo de consciência que desloca para a leitura das relações de força, as noções de coletividade e de justiça. Ele analisa o jogo do poder tendo em vista o horizonte macro-social e mede suas escolhas e ações, portanto, com base no que for menos lesivo para o meio no qual está inserido e do qual dependem a sua sobrevivência, o seu prazer, sua alegria e sua qualidade de vida.


Devido às demandas do mundo globalizado, a educação no Brasil deixou de ser um direito e passou a ser uma mercadoria muito valorizada. Ultimamente, o que mais prolifera no país são as universidades e faculdades tabajaras. Essas são empresas capitalistas que pouco ou nenhum compromisso têm com a educação, uma vez que visam exclusivamente o lucro. Assim, embora vendam uma excelente imagem via propaganda, oferecem um ensino de baixa qualidade, com professores desqualificados e sem nenhum incentivo à pesquisa, a troco de altas mensalidades. É aconselhável que o uibaiense, postulante a uma vaga em um curso superior de boa qualidade, fuja desses camelôs da educação. As boas universidades e faculdades não fazem propagandas. As avaliações periódicas do Ministério da Educação por si só demonstramompromisso delas com a educação de qualidade.
(alan oliveira machado)

04 maio 2007

BOCA DO INFERNO 35

EDITORIAL

Em 2005, no início da crise do mensalão, nosso caderno apontava, no final de um editorial, a necessidade urgente de uma reforma política e judiciária no país. Entendia-se que um dos caminhos para se sair do lamaçal da corrupção, cujo mensalão era apenas uma das facetas, seria mudar as regras do jogo, as leis referentes à disciplina parlamentar, partidária e também questionar os métodos e comportamento do sistema judiciário, bem como sua disciplina.

A CPI que investigou o valerioduto virou um palco no qual grupos políticos que sempre dilapidaram o patrimônio público encenaram o discurso cínico de que se precisava passar o país a limpo. Figurinhas como ACM Neto, Rodrigo Maia, entre tantos, borboleteavam na frente das câmeras de TV vaticinando o fim da imoralidade política brasileira. Mas todo mundo sabe no que deu a tal CPI. Em nada! Corruptos reeleitos, outros aposentados com gordos salários etc. E pior, o nosso dinheiro, o dinheiro povo, foi novamente jogado fora, pois a investigação implicou gastos altíssimos com auditorias nacionais e internacionais, papel, tinta, impressão, horas extras, viagens aéreas internacionais e contratação de funcionários. Milhões de reais escorreram pelo ralo da Comissão Parlamentar de Inquérito sem resultado algum. E a respeito disso o silêncio agora é sepulcral.

Todo o gasto com a CPI foi inútil porque a maioria esmagadora do congresso compunha-se de grupos, empenhados tão somente em derrubar uns aos outros. A preocupação com o país, com a moralidade pública, era muito pouca, para não dizer inexpressiva. A prova de que isso é verdade é que até hoje não existe reforma política, aliás, nem se fala nisso, principalmente porque o ano que vem é eleitoral e, pelo andar da carruagem, vai seguir os mesmos moldes dos anos anteriores, com caixa-dois, tráfico de influência, manipulação de verbas públicas etc. Ah, se o povo acordasse!

Quanto ao intocável poder judiciário, já se adivinhava a sua podridão e o seu papel de aparelho ideológico do Estado desde o caso Rocha Matos, juiz comandante de uma quadrilha judiciária que advogou em favor da impunidade de Maluf e de muitos grandes empresários em vários casos de superfaturamento de obras e licitações, bem como de desvio milionário de dinheiro público. É claro que há exceções ou mais que isso no judiciário, elas existem em qualquer área. Mas o fato de boa parte dos magistrados brasileiros não se sujeitarem à podridão não quer dizer que o judiciário não esteja podre. O caso do ministro Paulo Medina e da quadrilha de juizes e desembargadores desmontada recentemente pela Polícia Federal nos dão bastantes razões para lutar por uma reforma profunda desse poder. O desfecho que o próprio judiciário tende a dar para o caso Medina, indicando aposentadoria com vencimento integral de R$ 23.000 reais, é um sintoma de que as coisas continuam erradas no judiciário. É praticamente impossível avaliar o tamanho do rombo social, político e financeiro que um ou vários anos de decisões corruptas de um ministro do Supremo Tribunal, como Medina, causaram no Estado. É algo gigantesco e em muitos sentidos irreparável de tal forma que a aposentadoria do ministro corrupto configura-se uma afronta ao povo brasileiro.

Se a gente for adicionar a isso tudo a extensa lista com o número de empresários e políticos ladrões que tiveram seus crimes comprovados nos últimos anos e que continuam soltos e ricos às nossas custas, a gente vai se perguntar qual foi a justiça que os julgou e quais foram os critérios utilizados. E se essa justiça é a mesma que julgou e condenou uma moça pobre e miserável por roubar um pote de margarina, mantendo-a na cadeia até hoje, a gente certamente vai se convencer de que não dá mais para aceitar as coisas do jeito que elas estão.
HÁ BRAÇOS!


LITERATURA POPULAR COM ORGULHO!

Vejam bem, meus caros leitores, muito já sofri com discriminação por causa do tipo de literatura que eu produzo. Já ouvi tudo quanto é disparate a respeito do meu trabalho. Em vez de ficar batendo boca, vou logo dizendo que faço Literatura Popular, do jeito que aprendi no meu universo sertanejo. Sou do pé da serra com muito orgulho.

Mas, para esses aí que viram a cara pros meus versos eu digo o seguinte: a Literatura Popular não é cacoete mental de nordestino pobre, nem tampouco sinônimo de incivilidade. Pelo contrário, esse tipo de literatura surgiu exatamente da necessidade de civilidade, de comunicação e preservação de fatos e histórias na memória do povo.

Houve uma época em que os trovadores, os menestréis, tetravôs ou mais dos poetas repentistas e cordelistas de hoje, desempenhavam uma função social muito importante. Eles eram os jornalistas de uma época em que ainda não existia língua escrita ao acesso de todos e que, portanto, o único meio de comunicação era a fala. Esses homens rodavam o mundo todo parando de reino em reino, de aldeia em aldeia, ouvindo estórias e fatos importantes e divulgando as histórias e fatos que traziam de outras terras e reinos. Assim, eles cumpriam a missão de divulgar a cultura e os acontecimentos do mundo e por isso mesmo eram muito respeitados.

Como não havia escrita, os menestréis criaram modos de memorizar mais facilmente os fatos, então passaram a veiculá-los em versos, inventaram formas, ritmos e rimas, simplificando a memorização das histórias, para eles e para o povo. Quem já leu Dom Quixote, a paródia de novela cavalheiresca de Miguel de Cervantes, publicada entre 1605 e 1615, pôde perceber que o personagem Dom Quixote se surpreende ao chegar a terras longínquas e encontrar suas próprias aventuras já noticiadas por poetas populares. Então, desde sua gênese, a Literatura Popular tem esse cunho social: registra guerras, amores impossíveis como os de Píramo e Tisbe, que, enraizado na cultura popular por esses trovadores, deu a Shakspeare matéria para criar Romeu e Julieta. Registra também, coisas bizarras, comportamentos escabrosos de padres, políticos e homens de poder, tal como as punições que a providência guardou para os atores dessas histórias.

Deu para o leitor perceber que quem discrimina essa literatura não passa de um ignorante que sente dificuldade em situar as coisas nos seus contextos devidos e dana a tachar de ruim tudo que está fora do seu contextozinho elitizado.

Dentre os grandes mestres do nosso Cordel, gênero de maior representação da Literatura Popular no Brasil, destaco o pernambucano Leandro Gomes de Barros, o maior de todos, e o paraibano João Martins de Athayde. Sem desdouro a esses dois mestres e a muitos outros participantes como Patativa do Assaré e Zé Limeira, assumo ser meu mestre e guia o baiano Cuíca de Santo Amaro, que, na primeira metade do século vinte, pregava o seu cordel pelas ruas de Salvador, na boca do Elevador Lacerda e Na Baixa dos Sapateiros. De língua ferina, Cuíca não perdoava as presepadas políticas, nem as contradições morais grosseiras, seja de padres ou demais figurões do poder. Tudo noticiava com escárnio, em tom jocoso e debochado, nas centenas de folhetos que produzia e vendia pelas ruas da capital baiana.

(J.M.da Silva)





PROJETO RUA ATIVA

Abrimos agora, neste número do nosso caderno, amigos leitores, um espaço para o projeto Rua Ativa. O objetivo nosso é incentivar a população das ruas de nossa cidade a escrever sua história, a participar cotidianamente da vida política e cultural da cidade, exigindo atenção do poder público e melhorias para todos. A rua a que nos dedicaremos neste número e a Rua do Cascalho, o Pé de Galinha, mas esperamos que todas as ruas se manifestem e entrem nessa luta. Os textos a seguir compõem o primeiro jornalzinho de Rua de Uibaí: Força do Povo, espaço de expressão que a partir do segundo número deverá ser composto e produzido com a participação do povo do Cascalho. Vamos ao que interessa!





JORNAL FORÇA DO POVO


UM DIA A GENTE CANSA

Olá, amigo morador do Cascalho, esta é a Força do Povo. Um informativo que pretende ser o espaço de expressão e reivindicação dos moradores dessa que é uma das mais antigas ruas de Uibaí e que desde sempre é ignorada pelo poder público. Todo mundo do Cascalho paga imposto, tanto quanto os moradores de outras ruas muito bem tratadas pela prefeitura. E cá na nossa rua, o que a gente ganha por ser honesto e cumpridor das leis? Ganha poeira na cara, buraco e desrespeito, entra ano sai ano! Basta, isso tem que mudar! Chega uma hora que a gente cansa!

Então, o que a gente tem que fazer para acabar com esse desrespeito? Como exigir melhorias para o Cascalho, ou seja, calçamento, saneamento básico, construção de pracinhas na frente da escola Eurico Dutra e no entroncamento do Pé de Galinha, lá embaixo? Como por um fim no abandono? A resposta é simples: se organizando! Se a resposta é simples, a tarefa não é fácil. De início é importante que o pessoal da rua participe de reuniões, organize a associação de moradores do Cascalho, descubra quais são os principais problemas que afetam a comunidade, escolha as prioridades e comece a luta nas instâncias públicas responsáveis, para ir resolvendo os problemas. É preciso acabar de vez, em Uibaí, com essa história de que umas ruas são melhores do que as outras. Todas têm os mesmos direitos e é obrigação da Prefeitura, da Câmara de Vereadores e do Ministério Público entender isso.

Já passou da hora de começar a luta. Todo mundo sabe que voto sem organização, voto sem cobrança, sem consciência não resolve os problemas. Se resolvesse, o Cascalho seria uma das melhores ruas de Uibaí. Se a rua vota em toda eleição e continua com os mesmos problemas há décadas é porque o seu povo ainda não aprendeu que é na luta organizada que se conseguem mudanças. É cobrando do poder público, é exigindo o cumprimento dos direitos constitucionais por meio da participação com abaixo-assinados, ações populares, manifestação pública da opinião, que se obriga o poder a assumir a responsabilidade de cumprir as leis e fazer valer os direitos dos cidadãos. Não fique aí parado, como diria um saudoso morador da rua: A hora é esta!

HÁ MUITO QUE FAZER

A organização do povo do Cascalho certamente porá um fim em muitas injustiças existentes na rua. O Cascalho, por exemplo, tem escola e colégio, porém um grande número de seus filhos sofre com a exclusão educacional. Aí a gente pergunta: não é por meio da educação que se alcançam melhores condições de vida? Pelo menos é isso que a maioria das pesquisas mostra. Pelo menos é isso que diferencia os países desenvolvidos dos menos desenvolvidos. Então é bom que nós do Cascalho abramos os olhos, pois há muito tempo estão nos roubando o direito à educação. Há muito tempo nos impedem de crescer e participar dignamente da sociedade.

Temos que ter educação e da melhor, para que possamos construir e preservar bons valores. O Cascalho é riquíssimo em talentos e em pessoas de bom caráter. É desse tipo de gente que o mundo necessita.

Torna-se importante, desse modo, criar espaços culturais, espaços de debates, onde o potencial inventivo da comunidade do Cascalho aflore e produza bons frutos, enriquecendo cada vez mais a vida da rua. Assim, se todos participarem com a intenção de construir esses caminhos, mais rápida será a melhora na qualidade de vida de todos os moradores.


QUEM SOMOS NÓS?

Essa é uma pergunta que os moradores do Cascalho devem fazer a si mesmos. A resposta sincera a esse questionamento abrirá caminho para o entendimento da história de vida e de luta de todos os moradores. A soma das respostas dos moradores dará o perfil da rua, bem como de suas necessidades. Dentro desse perfil, aparecerá muita coisa boa. Muita história alegre, daquelas que a gente ouvia debaixo dos juazeiros da rua, derrubados recentemente ou debaixo da algaroba de seu Vanderlino. Aí a gente vai descobrir e somar as boas idéias e os anseios do povo de seu Genéis, de Sinezão, de Adonel, de Bamba, de Mariinha, de Ricarte e Belita, de Bernadete, de Dão e Terezinha, de Minalva, de Clício, de Valdivino e dona Nair, de Catarina de seu Amâncio, de Garibaldi, de Rubim, de Dinha, de Zerinão, Manilim e companhia, do povo de dona Antônia, do povo de Maroca de Edmundo, de Tõezinho e Catarina, de Nica, de Leno, de Ariston, de Véi, de dona Cota e de tantos outros núcleos que compõem a comunidade do Cascalho, unindo todos numa só luta por melhorias para todos.
Contamos com sua participação no próximo número.


POVO NÃO É GADO

Tem político desejando que o povo seja gado
Povo que não dá pitaco, cai logo no seu agrado.
O povo como rebanho fica sempre abandonado
E tudo quanto é riqueza vai pro bolso do safado.
A grana que era do povo vira logo ostentação
Vira pro povo desgraça, pobreza e exclusão.
Pro ladrão vira o chicote que comanda a danação
Do povo gado dormente que abaixa o cedém
Porque é cego e não sabe usar a força que tem.
(J.M. da Silva)