13 março 2006

BOCA DO INFERNO - 30

EDITORIAL

Este número trinta do nosso caderno, amigo leitor, tem sabor especial. Com ele comemoramos oito anos de combate, de luta intensa contra os atrasos do pé de serra. O projeto Boca do Inferno nasceu exatamente em meados de 1996 e se concretizou em 1998. Precisamente na manhã do dia 15 de janeiro desse ano imprimíamos o primeiro número do nosso periódico. Já há algum tempo somos lidos e reconhecidos na região de Irecê e freqüentemente recebemos orgulhosas saudações de conterrâneos espalhados por diversos cantos do Brasil.
Em Uibaí, o efeito de nossos oito anos de existência se mostra presente na atitude da juventude pensante, na atuação mais cuidadosa de muitos políticos e formadores de opinião e na crescente alteração de muitos maus hábitos, antes repetidos a até vangloriados por alguns. Se por trás do “mau humor” de certos tagarelas, que vociferam, muitas vezes de forma irrefletida, contra nossas opiniões, não deixamos de perceber um certo orgulho de terem em Uibaí o Boca do Inferno, também não podemos deixar de declarar que muito nos orgulhamos de ser uibaienses, de pertencer àquela comunidade e lutar por ela sempre.
Nesse período de existência, além de trinta números do Caderno Cultural, publicamos quatro boletins e sete cadernos especiais, incluindo os livretes literários Duas águas, de Rui de Oliveira, Poeira Sem Sentido, de Ari Oliveira e Luas, de Alan Oliveira Machado, lançados no dia 28 de dezembro de 2005 no Grêmio Cultural de Uibaí. É isso aí, continuamos a nossa jornada, polêmica, crítica e divertida. HÁ BRAÇOS!

HISTÓRIA DAS SEACs:CONTRIBUIÇÕES
OITAVA SEAC, UM PONTO DE VISTA
No começo de Abril de 2005, iniciou-se no grupo de discussão uibaiolnline um debate sobre a Semana de Arte e Cultura de Uibaí. Naquele momento, fiz um comentário sobre tal tema, no referido espaço, que, ainda agora, considero atual. Desse modo reproduzo-o aqui praticamente sem alterações, conservando o espírito polêmico que a reflexão pedia no momento. O texto é uma resposta a pergunta feita por algumas pessoas sobre os motivos da não participação do Grupo de Teatro do Oprimido Movimentação na organização e programação da VIII Seac. Em reunião, os membros do Movimentação optaram por não participar como grupo por uma série de motivos. Eis os meus: como se sabe, quando dos rumores da retomada da Seac, foi convocada uma reunião em Uibaí para que fosse pensada a organização do evento. Lá, foi possível observar um grande número de pessoas que estiveram ausentes do movimento cultural nos últimos anos ou que nunca foram presentes. Entre estes últimos, coincidentemente, fazia-se presente um grande número de pessoas que concorreriam a cargos eletivos nas (bem)próximas eleições. É sensato observar que o grupo de pessoas que fez oposição política aos representantes locais do governo do estado nos últimos anos, quase que coincide com os que militaram no movimento cultural organizado em Uibaí, sobretudo nas sete primeiras Seac's. Mas também é prudente notar que parte das pessoas que se comprometeram a organizar a VIII Seac se mantiveram completamente alheias ao movimento cultural e ao movimento estudantil desenvolvido desde o ano 2000, a exemplo o movimento do Grêmio Estudantil Secundarista do Serra Azul, do Praça Inquieta e do Uibaí Tem Sede... O interessante é notar que de uma hora para outra, uma série de pessoas que nunca esteve nem aí para a importância da arte e da auto-estima cultural para a CIDADANIA, ou que há pouco tempo descobriu essa necessidade, num pulo se metamorfoseou na militância cultural que iria fazer e acontecer num evento financiado pela Petrobras em ano de eleição. Grande parte do grupo que se propunha a organizar a VIII Semana de Arte (SE e SOMENTE SE houvesse financiamento da estatal, isso foi ressaltado em reunião) era então de pessoas que, curiosamente, pouco ou jamais estiveram comprometidas com o Movimento Cultural Organizado em Uibaí nos últimos anos, não por falta de convite. Tendo em vista essa particularidade, basta somar o ano eleitoral e o caráter espetaculoso que teria a VIII Seac, posto em evidência desde a primeira reunião, para deduzir o interesse suspeito dessas pessoas, que, sendo assim, não deveriam ser dignas de CONFIANÇA. Na reunião ficou claro que se privilegiaria a música em detrimento das demais atividades artísticas. Um dos membros do grupo até questionou, no correr da pauta, se seria uma Semana de Arte ou uma Semana de Música. Essa negligência com relação às demais artes não tão mercantilizadas quanto o musicismo, denota uma reprodução na Seac de práticas que na verdade ela deveria combater. Exceto honrosas exceções, o teatro, a poesia e outras artes foram marginalizadas em detrimento da música e exposição comercial de artes plásticas. Pela indicação de programação e de localização, já se notava que a Seac não teria um caráter popular. Não estamos dizendo que Amado Batista deveria estar na programação. Inclusive afirmamos o caráter de evento ALTERNATIVO da Seac. Contudo, é comum na oposição uibaiense considerar como povo de Uibaí a turminha que é residente ou oriunda da Rua Grande, ou seja, o que muitas pessoas chamam de classe média uibaiense. O “povo da ponta de rua” não é povo de Uibaí. Isso soa quase a fascismo. A esse respeito, quando na última derrota eleitoral a emoção prevaleceu e as censuras eleitoreiras e cristãs não puderam dar conta de bloquear os preconceitos, quem não ouviu idéias de bombardear Hidrolândia e o povo das “casinhas populares”? Por que não respeitaram a decisão eleitoral tomada pelo Povo de Uibaí?(Aqui não questiono a validade moral ou legal da eleição, marcada por acusações de compra de votos e de títulos, oficializadas ou não, mas coloco a questão: quem é considerado como Povo de Uibaí.). Por essas e outras é que defendi a não participação do nosso grupo na Seac. Por considerar que a Seac deveria ser mais politizada, mais democrática quanto às artes e à própria organização, aliás, posição que certos organizadores sabotaram, na prática, ao separar intelectuais e tarefeiros dentro do evento. Penso que tal evento poderia pensar estratégias de envolvimento de toda a população. Poderia ser menos forasteiro nas apresentações e no público alvo e pensar mais em valorizar os artistas locais e em construir a auto-estima cultural local. O “forismo” da Seac é evidente: parece que ela é feita para pessoas que não estão vivendo e sofrendo em Uibaí. Isso pode ficar claro pela marginalização que é dada a qualquer proposta de realização de evento numa época do ano em que os uibaienses de fora não estejam na cidade. Será que a SEAC pretende-se um movimento de transformação política e participação popular ou um espaço de lazer e turismo para “os de fora”? Aqui deixo claro que essa não é uma posição do Movimentação, mas questionamentos meus. Essas são algumas impressões que pude ter na época e que considero elementos de debate importantes para se pensar a próxima Seac. Desejo que a próxima Seac não continue só anunciando o novo em Uibaí, mas, sobretudo, que procure praticá-lo. Para isso, entretanto, é preciso que se evite o ar de sagrado do evento. Às pessoas que por posição política ou não, não participaram da Seac, foram acusadas de omissas e negligentes. Isso só demonstra que essa não participação é fundamentada pela prática que essas pessoas desenvolvem, uma prática cotidiana, distinta daquela de muita gente que só põe em ação o que discursa quando convém, geralmente para autopromoção ou coisa do gênero. Sobre tudo isso, pouco questionamento se viu, muito menos dos “seaquizeiros” de férias. Onde estavam os militantes uibaienses no restante da vida? Entre outros, o Grupo Movimentação foi acusado de ser omisso, por não participar da Seac. Nem perguntaram os motivos. É assim, quando é conveniente, esquecem-se oficinas, movimentos, apresentações de conteúdo político incisivo e com respaldo da população. Joga-se debaixo do tapete uma atuação que não se circunscreve a um pedaço da cidade ou a Uibaí, mas a toda a região. Esse é o jogo feito pela militância de resultados, pontual, de uma vez na vida. Isso lá é militância que se preze. Uma boa polêmica pra todos.
flávio dantas martins


O HOMEM MAIS RICO DA CIDADE

“Cumadre braboleta mais cumpadre gafanhoto, venham ver cumpadre grilo açoitando os pés nos outros” Ele era um homem sério, não sorria para qualquer um, a menos, que o assunto fosse mulher bonita e dinheiro. Perambulava pelas ruas da cidade e ninguém sabia ao certo, sua verdadeira origem, naturalidade, família ou mesmo quantas primaveras se acumulavam naquele tipo. Acho que nem Dira sabe. Alto, magro, bonachão, de cheiro azinabrado, devido à profusão de correntes anéis e relógios, muitas delas herdadas. Quando sorria imprimia um “Quê” de Chico Xavier. Mão esquerda na cintura, pra mostrar os relógios Oriente, presenteados por algum chefe de estado ou por um khomeine qualquer. Ray-ban, paletó xadrez... A aba do chapéu sempre apontando para o alto, pro infinito, paralelo aos bicos das alpercatas, paulistanas, quem diria, hein Dias! Boca de sino azul-marinho, volta ao mundo...
-Fogo-pagô! – provoca algum malandro.
Na cidade, à altura da esquina do colégio de Seu Tonico, lá vai Cirço doido preocupado com suas aplicações bancárias.
-Assaltaram o banco! -grita um gaiato.
-Vai caçar o que fazer, vagabundo! Assaltaram o rabo da tua mãe!
Ô retado! O cabra já se preocupava logo com o pombo sem asas zoando atrás das orelhas. Também... Vai pra porra môço! Debochar de um milionário, herdeiro legítimo de Califas, de Aiatolás, quem sabe?
- Ei Dias?
- O que é que foi? Diz logo, que eu tô avexado!
- Vai pra onde, moço?
- Vou pra casa de Dão, noivá!
- E compadre Dão tem filha solteira mô?
- Mais tem uma que tá largada do marido e vai casar comigo!
- Conversa home! Olha, leva esse bilhete lá em Adail pra mim, toma três cruzeiros. Espera aí, não se esqueça de pedir mais dinheiro pelos seus serviços!
E lá se esvai o homem dos anéis pelos estabelecimentos comerciais, com bilhete só de ida, enscrito à mão: pague três cruzeiros e toque o bobo pra frente.
Dia bom pro Cholinha, os bolsos acunhados de Cruzeiros. Tio Patinhas da caatinga. Francisco Cuoco do pé da serra! Pára diante de uma porta lá no Cascalho. Aperta o currião, tira da gibeira um lenço amarelado, suspende o chapéu e enxuga o suor da cabeça.
- Ô de casa!
Meio dia em ponto. É o besta que eu digo! O almoço tá garantido.
Lambe o prato. Devora a pretendente com um olhar maroto:
Quer casar comigo fia? Eu tenho muito dinheiro! Pergunta pro gerente do banco?

(rui de oliveira)

QUEM TEM RAÍZES PODRES QUE SE CUIDE

Caros amigos e conterrâneos, cá estamos nós dando continuidade a nossa tempestade. O Boca do Inferno, informativo criado em 1998, com este espaço, busca mais uma forma de chegar a vocês. Sabemos que a Canabrava ainda está quase que totalmente fora do mundo digital online, mas nos sentimos na obrigação de explorar essa tecnologia como forma de forçar a entrada de mais conterrâneos no mundo da internete. Esperamos, com essa iniciativa, alcançar os uibaienses perdidos nas mais distantes diásporas.
HÁ BRAÇOS!