22 junho 2007

BOCA DO INFERNO 36


PERSEU E A MEDUSA OU NÓS E A REALIDADE?


Vamos usar como base para essa reflexão um mito grego. Sim, porque os mitos nos têm muito a ensinar na medida em que constituem uma condensação simbólica da consciência, da inconsciência e da experiência humana ao longo dos tempos. Então pensemos no mito de Perseu e Medusa. A Medusa era um monstro tenebroso com cabelos de serpentes. O olhar dessa criatura petrificava literalmente todo e qualquer opositor de tal forma que quem a enfrentava acabava reduzido à pedra. E se determinarmos que essa figura da medusa, também conhecida como Górgona, é uma representação simbólica da realidade, o que poderemos dizer? Poderemos dizer que a realidade é monstruosa, que ela nos amedronta, nos petrifica, nos desumaniza, nos angustia e nos reduz à insignificância. Então, nossa vida é essa luta para sobreviver à estagnação pétrea, à desumanização imposta pela realidade meduzina. E ao ver o tanto de pessoas que a realidade desumaniza, petrifica, reduz a pó, de imediato, nos enchemos de desânimo e tristeza. É como se não existissem saídas.


Mas esse é um lado do mito da Górgona. No correr da narrativa mítica, nos damos conta de que Perseu venceu a Górgona, decapitou-a e isso significa muito na medida em que nos mostra uma saída. Perseu evitou o olhar da Medusa, evitou também olhá-la. Traduzindo, Perseu evitou a crueza da realidade, para poder sobreviver a ela e evitar essa crueza, sua dureza, não significou ignorá-la. O que fez o herói mítico foi mudar a forma de olhar, mudar o ângulo sob o qual estava acostumado a ver a realidade. O ângulo que o paralisava, que o insensibilizava, que ameaçava a sua existência humana, tornando-o frio como uma pedra. Perseu notou que poderia encarar o monstro mirando-o pelo reflexo do seu bem polido escudo. Assim, acompanhou os movimentos da Górgona até o momento em que pôde desferir-lhe um golpe seguro e certeiro, vencendo o terrível animal. Uma das lições que o mito nos dá então é a de que precisamos mudar o modo de ver e encarar as coisas de vez em quando, para nos livrarmos da paralisia terrível que o posicionamento monolítico nos provoca. Mudar a maneira de ver um amigo, um irmão, um inimigo, um filho, a família é, em princípio, evitar os conceitos pré-elaborados, é não se satisfazer com a imagem imediata, é deixar que o outro apareça diante dos nossos olhos de forma diferente, como uma novidade inquietante; é não se deixar apanhar pelo que brutaliza o olhar, pelo que o desumaniza. O que fizemos e o que temos feito, principalmente no campo político, é isso. E não é fácil fazê-lo. Afrontar a realidade fora do campo de acomodação que a faz funcionar, fora do campo de condicionamento que ela cria para a gente se submeter é quase sempre muito violento. Precisamos matar uma medusa por mês pelo menos para não virarmos estátuas de pedra, ou melhor, bonecos nas mãos dos outros. E matar esse bicho, ou seja, desmistificar uma prática, desmistificar um pensamento, um modo de encarar a vida, gera rancor, irritação e reações emocionais as mais diversas, nas pessoas que estão arraigadas a essas coisas, com destinos petrificados. Numa situação dessas, como tocar o coração, o orgulho e o caráter de pessoas petrificadas a não ser com marteladas, com marretadas? No que concerne a nossas críticas políticas em Uibaí, por exemplo, temos a impressão que já rendeu o que devia render. Elas fizeram muita gente ir estudar, outras se preocuparem com o que fazem e o que dizem, fez outras irem ler e escrever e, no momento, nos damos por satisfeito com isso. Não nos incomodamos com o peso do mal-estar emocional dos outros que sobra para nós, isso faz parte do processo. Quando nos propusemos a questionar a nossa realidade de esquerda já contávamos com essas reações. Soubemos nos blindar (parte boa da informação psicanalítica) e o fizemos como deveria ser feito, nos momentos adequados.


Como dissemos, essa fase rendeu o que podia. Agora o foco é outro: a união, a organização, a base... O Boca do Inferno 35 já sinaliza essa nova direção. A nossa preocupação é organizar o que está ausente dessa linha que foi bombardeada. É dar visibilidade ao que a nossa prática (de todos os uibaienses) deixa ausente, ignora. Vamos, a partir de então, fazer emergir o mais simples, agora, com uma boa bagagem, levando uma cabeça de Medusa na mala. Isso mesmo, haviamo-nos esquecido de dizer que olhar a realidade de outro modo não é só uma forma de vencer o que há de cruel, duro e desumano nela senão também um modo de tê-la como arma em nosso próprio benefício. Perseu carregava a cabeça da Górgona dentro da capanga o que o tornara invencível. (vejam que lição: vencer a dureza da realidade nos torna invencíveis) Toda vez que enfrentava um inimigo imbatível, retirava da capanga, segurando pelos cabelos de serpentes, a cabeça do monstro e mostrava ao inimigo que, ao fitar o semblante da medusa, virava uma estátua de pedra inofensiva.Por fim, pensamos que todo o mundo tem uma medusa a atormentar e que precisa ser decapitada. Uns demoram mais para vencê-la, outros são eliminados pelo seu olhar terrível. Muitos que a vencem não sabem usá-la em defesa própria. Mesmo assim, cada quem escolhe o ângulo mais estratégico, pelo qual acredita que corre menos riscos de se sucumbir. É por isso mesmo que pessoalmente não estimulamos ninguém a seguir nossos passos. Os movimentos que aprendemos a esboçar, como desvios da dura realidade, podem configurar-se como abismos para os outros. É por isso também que ficamos atentos às soluções que os outros acham em seus enfrentamentos, aproveitando as soluções que amenizem nossa luta e repudiando soluções que podem nos atirar ao abismo. HÁ BRAÇOS!


QUEM É INIMIGO DO SABER?


O ser humano desenvolveu a escrita porque um dia teve necessidade de preservar sua memória de forma que pudesse consultá-la a qualquer momento. Isso permitiu a ele transmitir suas experiências e conhecimentos às gerações posteriores. A partir do memento em que começou a acumular conhecimento e a utilizar esse saber acumulado, a humanidade se tornou dominante no planeta e toda a sofisticação tecnológica de que dispomos hoje é fruto do uso crítico desse conhecimento guardado.


Atualmente, há várias formas de armazenar o conhecimento: livros, CDs, fitas, softwares, chips etc. Todas essas modalidades podem ser encontradas em bibliotecas. Dentre elas sabemos que o livro é a mais tradicional forma de preservar o conhecimento. Embora o livro seja a forma que concentra maior simbologia, todos os outros recursos trazem um ponto em comum com o livro: eles são materiais de leitura. A leitura então é o elemento mais importante de todo esse processo. Nenhum desses instrumentos faz sentido sem a leitura. Afinal eles não são apenas depósitos de informação e sabedoria, são instrumentos que devem ser utilizados num processo de interlocução que vise dar condições ao usuário de interagir com o mundo de forma a transformá-lo, a protegê-lo, a torná-lo melhor.


A biblioteca então é esse espaço sagrado que permite ao ser humano o acesso a sua história, a seu fazer e ao seu saber. O acesso a esse universo é fundamental para a compreensão do próprio homem e do meio em que vive. Assim, ler é um exercício de descoberta do mundo. Por meio da leitura o ser humano se desentorpece, se abre para o mundo e passa a vê-lo de forma mais sensível, mais crítica. A partir da leitura, ele pode avaliar melhor suas ações cotidianas e a si mesmo, já que, em grande medida, é constituído por aquilo que lê. O que não é outra forma de dizer que deixamos de ser aquilo que não lemos.


No mundo atual, onde predominam a informação rápida e a alta tecnologia, é inconcebível que ainda haja pessoas que não saibam ler ou que não gostem de ler. Essas pessoas, à medida que estão afastadas da leitura, do conhecimento, tornam-se reféns do meio social e reagem inconscientemente a essa condição de forma equivocada, às cegas, provocando situações que ajudam a atrapalhar o bom desenvolvimento da sociedade como um todo. Inaptas para fazer uma leitura de mundo, crítica e eficaz, elas seguem como bois dependentes das rédeas, a maioria das vezes opressivas, do meio em que vivem.


Paulo Freire nos ensina que "a leitura de mundo precede a leitura da palavra" e aqui acrescentamos que a leitura da palavra atualiza a leitura de mundo, tornando-a critica e renovadora. Ler, portanto, é um gesto revolucionário que garante ao leitor o acesso a diversidade da realidade, que amplia suas possibilidades de escolha, sua liberdade de decisão, enfim, sua cidadania.


A biblioteca deveria ser um bem fundamental imprescindível em municípios, cidades, escolas, casas de família, clubes etc. O conhecimento nos humaniza por isso nos autodenominamos homo sapiens, ou seja, o homem do saber. Assim, podemos concluir que onde não há bibliotecas há desigualdades, há processos de desumanização, há pouco desenvolvimento, pouco senso crítico, pouca sensibilidade estética etc.


Neste momento, perguntamos então onde estão as bibliotecas públicas de Uibaí? Elas simplesmente não existem. Para não ser injusto, existiu uma discreta biblioteca pública atrás do Grupo Escolar José de Alencar, mas ela, hoje, pelo descaso público, está reduzida a um depósito de livros velhos, tão sombrio quanto um túmulo, na rua da delegacia, sem condições alguma de servir à comunidade. (dionizo tamanduá)


A IMPORTÂNCIA DE UM BOM CURSO SUPERIOR


O acesso ao ensino superior de qualidade constitui um dos principais caminhos para o desenvolvimento da cidadania. Na boa universidade, o discente terá acesso aos mais diferenciados conteúdos e aos saberes necessários para que desenvolva a consciência de modo a ser capaz de se situar no meio social sem deixar de perceber os interesses que estão embutidos nas relações de força. Assim, ele poderá fazer escolhas sensatas, em sintonia com os melhores sentimentos de humanidade.


No decorrer da vida acadêmica, o estudante não só obterá conhecimentos suficientes para torná-lo um profissional qualificado como também experimentará, nessa convivência, o embate com opiniões divergentes, com correntes filosóficas que fundamentam as mais distintas visões de mundo, podendo, a partir dessas experiências, compreender o mundo de forma mais complexa, bem como aprender a exercitar o senso crítico e o respeito à diversidade.


Os desafios que o estudante encontrará em um bom curso superior provavelmente estarão em sintonia com as problemáticas e necessidades da sociedade contemporânea e esta exige cada vez mais que os indivíduos se comportem como cidadãos, ou seja, que saibam interagir em campos de conhecimento variados, que saibam dialogar com culturas distintas de forma respeitosa, que saibam sobretudo intervir no meio social de modo a garantir a soberania do bem comum.


O cidadão dotado da capacidade crítica, construída no exercício da vida acadêmica, desenvolve um tipo de consciência que desloca para a leitura das relações de força, as noções de coletividade e de justiça. Ele analisa o jogo do poder tendo em vista o horizonte macro-social e mede suas escolhas e ações, portanto, com base no que for menos lesivo para o meio no qual está inserido e do qual dependem a sua sobrevivência, o seu prazer, sua alegria e sua qualidade de vida.


Devido às demandas do mundo globalizado, a educação no Brasil deixou de ser um direito e passou a ser uma mercadoria muito valorizada. Ultimamente, o que mais prolifera no país são as universidades e faculdades tabajaras. Essas são empresas capitalistas que pouco ou nenhum compromisso têm com a educação, uma vez que visam exclusivamente o lucro. Assim, embora vendam uma excelente imagem via propaganda, oferecem um ensino de baixa qualidade, com professores desqualificados e sem nenhum incentivo à pesquisa, a troco de altas mensalidades. É aconselhável que o uibaiense, postulante a uma vaga em um curso superior de boa qualidade, fuja desses camelôs da educação. As boas universidades e faculdades não fazem propagandas. As avaliações periódicas do Ministério da Educação por si só demonstramompromisso delas com a educação de qualidade.
(alan oliveira machado)