25 agosto 2007

BOCA DO INFERNO-36

O PAN NOSSO DE CADA DIA
A cobertura dos Jogos Pan-americanos durante dezenove dias do mês de julho dá uma importante pista sobre como funcionam os meios de comunicação no Brasil e o que de fato está no centro de seus interesses. Se a gente for confrontar os dias que antecederam o Pan com os dezenove dias de Pan, teremos um quadro curioso em mãos. Para isso, vamos tomar como referência a Rede Globo de Televisão, maior emissora do país, com os mais altos índices de audiência.

As notícias centrais veiculadas pela Globo, nos dias anteriores aos Jogos Pan-americanos, tinham como cenário o Complexo do Alemão, morro carioca dominado pelo tráfico de drogas e pela violência, a crise aérea e o caso Renan. Todos os dias, nos principais jornais da emissora, o tiroteio no morro, as vítimas de balas perdidas, o cerco da Força Nacional de Segurança e as dezenas de mortes provocadas por essa guerra dividiam espaço na telinha com as filas intermináveis em aeroportos e com as manobras do presidente do Senado para se livrar dos processos no conselho de ética. De repente, o Rio de Janeiro mergulhado na violência e o país envergonhado com o desrespeito nos aeroportos e a falta de caráter dos políticos do Senado desapareceram da tela da Globo, aparecendo em seu lugar apenas o Pan, num Rio de Janeiro paradisíaco, feliz, sorridente, sem violência, sem drogas. Um Rio de pele branca, endinheirado e glamouroso. Não vamos dizer aqui que todo mundo sabia, mas deveria saber, se não tivesse emPanturrado do espetáculo esportivo, que o cerco da polícia continuava no morro. Os tiroteios seguiam fazendo vítimas diárias e as manobras políticas persistiam, adiando a punição de Renan, tais como a crise aérea continuava transtornando os cidadãos.

Esses dezenove dias de paz jogados de repente como um lençol colorido sobre as mazelas do país pelos meios de comunicação refletem o que realmente é importante para as empresas de comunicação: o lucro a qualquer custo. A elas interessa, mais do que informar e educar, vender produtos, fechar contratos publicitários milionários como os que foram executados nos dezenove dias de Pan. Afinal, quem iria querer anunciar produtos em meio a um noticiário que privilegia a denúncia de violência, morte, corrupção e desrespeito ao consumidor? Se isso era um problema para as empresas de comunicação, nada mais simples de resolver: se a realidade inviabiliza os interesses empresariais da Globo e companhia, então que se dane a realidade. Aí, sabendo que o povo desde longas datas prefere pão e circo, os meios de comunicação, em conveniência com seus contratos, deram ao povo Pan e circo. Criaram o Rio dos sonhos, recheado de propaganda de marcas esportivas, produtos energéticos milagrosos, bancos bonzinhos, de atletas felizes e gente simpática. E sustentaram esse espetáculo miraculoso até a última prova esportiva.

Quem estava atento a todo esse trabalho de suspensão da realidade, com fim meramente comercial, empreendido pelas referidas empresas, pôde constatar que um dia após o Pan, como num passe de mágica, o Rio começou a virar o inferno de sempre pintado pelos meios de comunicação e o apagão aéreo juntamente com o caso Renan voltou às bocas de múmia de Wiliam Bonner e congêneres. Mas por que voltou? Por perversão, sadismo? Claro que não, voltou porque quem não tem Pan caça com gato, aliás, com ratos também e tudo mais... Explorar casos como a violência em determinados estados, a desordem nos aeroportos e a corrupção política, como pauta única, do modo cosmético e exclusivo como vem sendo explorado, quando não produz dividendos de imediato, produz a médio ou longo prazo. Afinal, qual alma não percebeu o abrandamento do discurso da Band, em relação ao governo federal, com a contratação de Franklin Martins para o seu quadro de jornalistas, seguida pela imediata entrada dele no quadro de ministros de Lula e quem não está vendo a Globo, em resposta a esse movimento que aumentou a receita da Band e diminuiu a sua, engrossar o volume, o tratamento e o tom das críticas ao Governo Federal?

Diante disso, fica fácil compreender quem somos nós, expectadores, cidadãos comuns, para essa elite que produz hegemonicamente a “comunicação” brasileira. Basta apenas observar criticamente os fatos e eventos que essa elite prioriza. Para quem não sabe, certa vez, numa reunião de pauta do Jornal Nacional, o dito Wiliam Bonner ofereceu elementos suficientes para essa compreensão. Segundo o diretor e apresentador do jornal das oito, da Globo, o povo é como Romer Simpson, aquele personagem de desenho animado americano: idiota, com dificuldade de compreender as coisas e fácil de manipular, sendo papel do Jornal Nacional dourar pílulas aparentemente noticiosas com o máximo de idiotices para não ofender a parvoíce desse tipo de expectador, de modo a mantê-lo fiel aos programas e propósitos da emissora. Quem quiser que se sujeite a isso! (alan oliveira machado)