29 novembro 2006

BOCA DO INFERNO 34

COMO SACANEAR COM A GRANA DO POVO

O povo de Uibaí não merece o que o prefeito vem fazendo com os recursos e o dinheiro público. O dinheiro do povo está sendo gasto na destruição do município. Só para citar um exemplo grotesco do desperdício, tomem nota do estrago que o infeliz provocou na Cacimba, a caminho do Banheirão, na Fonte Grande e em outras entradas para as aguadas da serra. A Cacimba, por exemplo, que havia sido recuperada pelo pessoal da Umbu, foi quase que totalmente destruída pela ação de um trator esteira da prefeitura, que enlargueceu a estrada sem finalidade alguma. A destruição ecológica que o alcaide imbecil patrocinou ao longo da Serra Azul uibaiense constitui um crime previsto até mesmo na Lei Orgânica do Município.

A população, os vereadores dignos, as casas de estudantes e demais organizações representantes dos anseios populares deveriam mobilizar o Ibama e a justiça de modo a conter a sanha estúpida desse péssimo administrador dos recursos públicos.

É realmente lamentável o ponto a que chegou o miserável carlista que dirige a prefeitura. Todo mundo sabe que é dever do poder público desenvolver políticas e fazer investimentos para preservar o meio ambiente, no entanto, como nos casos acima, Réuzinho gasta dinheiro público com máquinas e funcionários da prefeitura para destruir o que o povo fez porque cansou de esperar pela boa fé do referido administrador. (bichu duzimbu)
FOI TARDE
O Núcleo Chupa-pinga de Brasília morreu. Deve ter sido anemia política ou coma alcoólico a causa mortis. Pode ter morrido também de ignorãncia, de apatia, de falta de propósitos ou até mesmo de traição! Quem souber a causa exata, nos diga que a gente ajuda a tirar a certidão de óbito!
O GOLPE QUE A ESQUERDA CANABRABEIRA LEVOU DA TFP

Corria o final da década de 80, a Canabrava e a Região de Irecê ainda estavam maravilhadas com o efeito da primeira Semana de Arte e Cultura de Uibaí, organizada pelos estudantes uibaienses de esquerda, residentes no próprio torrão e nas casas de estudantes em Brasília e em Salvador. No seio dessa fermentação, os estudantes, em conjunto com outros setores de esquerda, articulavam a fundação do Partido dos Trabalhadores no município, como forma de condução da organização política que vinham desenvolvendo mediante apoio à fundação de associações comunitárias e demais ações de cunho social. Esse trabalho era fundamental para se chegar ao poder e ter condições de construir uma administração progressista no município.

Nesse ínterim, Simpatia de Araque, que já havia dado sua contribuição à direita uibaiense ajudando Hamilton a fundar o Clube Canapodre, uniu-se ao secretário da prefeitura de Uibaí, OSNIZÃO, daquela famosa e escrota administração direitista de Hamilton, contra a qual os estudantes e a esquerda vinham lutando, e correu para Salvador, orientado sabe-se lá por quem, para se apropriar da legenda do PT, antes da esquerda uibaiense.

A trama do Simpatia de Araque, até hoje abafada, só não deu certo porque membros da esquerda de Uibaí que trabalhavam na Secretaria Nacional de Organização do PT, no Congresso Nacional, em Brasília entraram imediatamente em contato com o Diretório Estadual do partido em Salvador e orientaram o bloqueio da ação de Simpatia e OSNIZÃO. Mais a frente, os estudantes e setores de esquerda se reuniram no Grêmio e realizaram a assembléia de fundação do partido.

Não pensem vocês que isso é coisa do passado, que hoje a coisa é diferente. A gente sabe que há uma trama terrível da TFP para garantir espaço no poder por essas bandas. Vocês se lembram do carneirinho peteca que se vendeu por um carguinho na ADAB para Hamilton? Pois é, o sujeito integrante da TFP canabrabeira junto com Sopão, o irmãozinho dela, Simpatia etc., está concorrendo ao cargo de presidente da ADAB, com o apoio da TFP e dos carlistas da ADAB, pode? Claro que pode! Tudo pode para esse pessoal. (dioniso tamanduá)
VICENTE VELOSO É A NOSSA CARA

Em termos de poder, Venceslau não era nenhum escravocrata, mas representa o tronco do conservadorismo no pé da serra. Ele tinha escravos, isso é certo, e os resquícios de valores de quem esteve nessa condição me levam a crer que a identificação com o velho patriarca dos Machado, da forma como é feita na Canabrava, é bastante conservadora. Penso que ele não fez nada de especial para que se torne um "mito" da nossa identidade. Pelo contrário, acredito que a nossa história (parte fundamental da nossa identidade, da nossa visão de mundo e do nosso modo de agir) deve ser contada de outro jeito, vista de baixo...Prefiro o escravo fugido, o rebelde arredio, que ganha os sertões porque sabe que "Deus é grande e o mato é muito maior"... Prefiro a sua inconstância, a sua sede de liberdade, como nossa referência...

A transformação social, a mudança revolucionária (eita palavrinha em desuso) no Brasil terá a cara do povo brasileiro: será uma revolução negra, indígena, popular. Terá a cara de Vicente Veloso e não a de Venceslau Machado. Prefiro o escravo que foge das minas de Jacobina em busca da liberdade, contra a sua condição de coisa, de peça, de ferramenta, de mercadoria, para defender a sua condição de pessoa, ao proprietário falido que desce a Serra do Assuruá em busca de terra nova pra criar suas centenas de cabeças de gado, pra reproduzir o que houve de mais arcaico e conservador. ..

Alguns até podem me chamar de sonhador, de pouco realista, dizer que estou repetindo discurso de cartilha marxista do século XIX (!?)... Mas a realidade prova que as revoluções se recusam a ser uma coisa do passado, que elas vão continuar a estremecer os muros do mundo, com a violência transformadora e criativa de um rio que transborda... Radical é quem quer resolver as coisas pela raiz, é quem não se contenta em trocar um prefeito aliado do médio comércio e dos políticos profissionais por um empresário que, num belo dia, acordou com vontade de ser prefeito de sua terra natal...

Meus caros uibaianos: Vicente Veloso vive! Sepultemos Venceslau!
(flávio dantas martins)
ABRAÇANDO O LEGADO
um amigo do sertão
queria ser dos Machado
vivia triste num canto
se vendo discriminado
mas depois de estudar
ficou ele revoltado
viu que Vicente Veloso
representa seu passado
sua história vale mais
que a triste dos Machado
sua herança é melhor
desde que abrace o legado
do negro que se livrou
das garras dos desgraçados.
(J.M da Silva)

UMA FACADA CONTRA UM MILHÃO

Ás vezes, quando a gente diz ter tomado uma facada, os nossos interlocutores precisam entender que fomos vítimas de algum tipo de extorsão, que alguém nos explorou gananciosamente ou algo parecido. Numa situação dessas, se indicarmos as costas como o lugar dessa agressão, as pessoas certamente entenderão que fomos traídos por pessoas em quem depositávamos confiança. ACM Neto, aquela figurinha intragável do PFL baiano, tomou uma facada nas costas, na última semana, mas nesse caso não podemos levar em conta o exemplo acima.

A facada da qual o deputado foi vítima tem outra simbologia, bem maior que o gesto. Para entender essa outra nuance é preciso pensar na pessoa que o atacou. A senhora desesperada autora da façanha representa, creio eu, o estado emocional e a indignação da maioria do povo brasileiro com o tipo de política praticada no país há séculos. Ela é vítima diária, tal como a maioria dos cidadãos, de milhões de facadas, nas costas ou não, desferidas friamente por políticos da categoria de ACM Neto. A facadinha de três pontos sofrida pelo pimpolho do velho cacique da Bahia não é nada perto dos agudos cortes na carne e das amputações sociais operadas diariamente por essa espécie de gente. Quem não sabe que o povo leva dolorosas facadas todo dia? O escândalo das sanguessugas é o quê? E os mensalões, as privatizações espúrias, impostos, impostos, impostos... Taxas, taxas, taxas... ? O salário reduzido a pó, os juros escorchantes e mais roubo, roubo, roubo e desvio, e impunidade, e abandono... ?

A última facada desferida por essa laia perversa foi, depois de dois anos de escândalos políticos envolvendo a Câmara e o Senado, o povo ter como resposta a impunidade dos envolvidos seguida do aumento acintoso do salário parlamentar para R$ 24.600.00. Quer facada mais escrota? Mas a mão dessa cidadã indignada fez pela primeira vez no Brasil um desses elementos esfaqueadores públicos sentir na pele o que é levar uma facada. A mão desesperada dela é a mão de todos os brasileiros. O que esperamos do gesto dessa mulher? Simplesmente que os demais pilantras, profissionais em dar facadas no povo, simbolicamente sintam-se esfaqueados junto com ACM Neto, embora a dor irrisória do deputado baiano em nada se equipare à violenta dor cotidiana a que são expostos os cidadãos, devido à truculência das investidas desses falsos representantes. HÁ BRAÇOS! (alan oliveira machado)


A AÇÃO DA GENTALHA
Maria Sopão, líder da gentalha fisiológica que se diz de esquerda em Uibaí usa dos piores métodos para manter seu grupinho. Um dos principais métodos é a mentira. Essa desprezível figura faz contatos com as cúpulas e planta todo tipo de mentira. Apropria-se do trabalho social e político de pessoas realmente de esquerda e apresenta como sendo fruto da militância dela no afã de conseguir benesses do poder. O mesmo se pode dizer da gentalha do Núcleo Chupa-pinga, por exemplo, que já usou textos do Boca do Inferno como se fosse deles e até mesmo relatórios do Praça Inquieta.
Agora, o que tem aparecido de mentira lá em Salvador, para justificar nomes de amigos e serviçais da gentalha nas listas de candidatos a carguinhos no governo não está no gibi. Até Pedro Pára-quedas virou fundador do PT da Canabrava, é mole? Será que Saulo Pedrosa(PSDB) e Beto Lelis(PSB) têm algo a dizer sobre isso? O PT de Uibaí foi fundado em 1988, no Salão do Grêmio, todo mundo sabe que Pedro Pára-quedas se filiou ao partido depois da eleição de 2000. Aí tem gente que ainda acha ruim a gente taxar o cara de oportunista! HÁ BRAÇOS!
NOVAS TRAMAS NO PAÍS DAS MARAVALHAS
Dromendarinho violeiro, a putinha mais fofoqueira da TFP, se reuniu com Sopão e companhia para saber como inventar novas mentiras para desestabilizar aqueles desgraçados do Boca do Inferno. Esse pessoalzinho machado-preto é perigoso, tá acabando com a nossa fachada. Disse o dromendarinho, enquanto tirava um ré do violão. Continuou: minhas risadinhas, tapinhas nas costas e musiquinhas de cantoria já não estão servindo para esconder o meu caráter de hiena, de ave carniceira. Daqui a pouco a gente acaba sendo apedrejado pelo povo na rua porque não dá pra esconder mais nosso apetite de urubu com essa fachada esfrangalhada de revolucionários de esquerda. O povo não cai mais nessa, já viu o que nós queremos. Vamos inventar mais um monte de mentiras e soltar por aí pra ver se cola. Chama o fantoche e os bate-pau que ele arranjou. O negócio é sério. O governo Vagner tá aí e a gente tem que tá dentro. Vamos soltar que eles têm um sério problema psicológico, que são gays, ou que entraram pela janela em algum lugar, vamos dizer que eles são fascistas, opus dei, vendidos... Sei lá vamos soltar algum veneno aí que a coisa tá feia, nossa moral tá mais baixa do que moral de cobra de feira.
O LOUCO

É difícil encontrar alguém que não tivesse tido sonhos de infância atormentados pela presença dos mais diversos tipos de loucos, pessoas que perambulam pelas ruas, sem identidade, sem parentes e sem juízo. Na minha infância, conheci muitos que ainda hoje povoam as minhas lembranças. Preta Doida, Eduardo, João Tolo, Chico de Eloi, Tomásia, Chica Barrão e tantos outros cujas mentes afetadas por alguma forma de insanidade, “portadores de necessidades especiais”, pra ser mais chic, habitam mundos de sonhos e fantasias, imunes ao governo da razão.

Cícero era um desses espíritos andarilhos, dos quais os sanatórios vivem cheios. Alto, magro, aparentando uns 45 anos, de óculos escuros, anéis de lata em todos os dedos, bolsos entupidos de dinheiro em cédulas antigas, cuidadosamente embaladas em uma meia, depois envolvidas em um lenço e acomodadas finalmente em sacos plásticos que estufavam os bolsos protegidos por botões. Sua maior preocupação era o casamento, “imaginário”, com uma moça rica cujo pai, segundo ele, era coronel. Gostava de ser chamado de “Dias”, e ficava enfurecido quando os malandros da rua gritavam “chola” ou “pescoço de alicerce”. Nesses momentos Cícero demonstrava todo o seu desequilíbrio. Corria atrás das pessoas, gritava palavrões e jogava pedras.

Hoje, nos dias agitados em que vivemos é impossível identificar os loucos. A fronteira entre a razão e a demência é extremamente tênue e torna-se praticamente impossível estabelecer a distância que cada um de nós se encontra dessa fronteira. Para muitos, todas aquelas pessoas que não se encaixam em um determinado padrão social devem se hospedar no hospício. Mas o que fazer com os loucos de toga? E os de fardas e distintivos? E aqueles com imunidades? E os loucos com diplomas? E os políticos, os bandidos os padres? E no hospício, como identificá-los? São os que estão dentro ou os que estão fora? E os que gastam seus dias navegando na internet? E os que traficam dinheiro, e drogas, e armas, e influência, e fé? E os que sonham muito alto? E os que não sonham?

Cícero deu sorte. Viveu toda a sua vida, louco e livre. Não cruzou com um “Simão Bacamarte”. Mas eu sim.

Levem-me para a Casa Verde!
Edme Oliveira Machado

01 novembro 2006

EIS O TIPO DE GENTE COM QUEM A FALSA ESQUERDA SE RELACIONA E COM QUEM PRETENDE GOVERNAR UIBAÍ! NÃO É ISSO QUE MERECE UM BASTA?

03 outubro 2006

BOCA DO INFERNO - 33

CHEGA DE FARSA, EM 2008, TARCÍSIO PREFEITO!

Você gostaria de ver administrando o município um político que faz parte da sua história? E se esse político atuou nos mesmos movimentos que você, porque comunga com a mesma prática e ideologia sua, não seria ele ideal para representar a sua história e os seus anseios de mudança? Pois então, quem é o candidato adequado a uma administração de esquerda em Uibaí? Seria o diretor da Embasa de ACM ou um militante legítimo da esquerda canabrabeira, que dedicou sua vida a causas populares, seja em nosso município ou em qualquer lugar onde esteve?

Pois é, chegou a nossa vez e temos de honrar o exemplo de coerência deixado por Osvaldo Alencar Rocha. Nós não só queremos como podemos eleger um candidato autêntico da esquerda. Um candidato que faz parte da nossa história. Nós lutamos muitos anos para alcançar isso e não podemos, portanto, entregar os nossos 25 anos de lutas constantes em Uibaí para uma falsa esquerda oportunista, carguista, que vive atrás de resultados imediatos.

Esses e outros motivos é que nos movem a chamar você, todos aqueles que construíram a história verdadeira da esquerda de Uibaí para nos unirmos em torno da candidatura de Tarcísio para prefeito em 2008, por entendermos que Tarcísio representa essa esquerda autêntica e poderá, junto com todos que participaram dessa nossa trajetória de lutas, trabalhar na realização dos sonhos por que lutamos durante décadas. HÁ BRAÇOS!
FORA O CARLISMO E OS FALSOS REPRESENTANTES DA ESQUERDA UIBAIENSE!
Olá, amigos leitores, esse número 33 do Boca do Inferno pode ser chamado de edição pós-carlismo. É que todo mundo testemunhou o coronelismo carlista afundar ainda no primeiro turno das eleições. Esperamos que o próximo governo cave uma sepultura bem funda para ir sepultando aos poucos os longos tentáculos desse polvo sujo e decadente que é a política do PFL e aliados no estado da Bahia.
Em Uibaí, a preocupação deve ser dobrada: por um lado devemos continuar cercando a direita carlista de Réuzinho, agora rachada no Hamiltismo, no dorinhismo e no birinhismo, por outro lado, é preciso atacar a representatividade falsa e oportunista que reina dentro da esquerda, representada por tipos como Maria Sopão, Simpatia de Araque, Diazepam e Pedro pára-quedas.
UM PEQUENO EXEMPLO DE FALSA ESQUERDA
Vejamos, entre muitos, um clássico exemplo do que é falsa representatividade dentro da esquerda uibaiense: na década de 80, enquanto a esquerda fundava grupos políticos de juventude e associações comunitárias, Simpatia de Araque fundava rinhas e promovia brigas de galos. Enquanto a esquerda se esforçava para realizar seminários sobre educação, combate à corrupção dentro da prefeitura, semanas de arte, Simpatia de Araque ajudava a fundar junto com o prefeito Hamilton, o elitizado e escroto Clube Canapodre. Enquanto a esquerda combatia as barragens particulares feitas por Renato na serra, ele, o Bocó, jogava volei, futsal e bebia uísque no Clube Canapodre. Agora as perguntas: que zorra esse filho da mãe faz sendo líder da esquerda? Por que se aceita uma distorção dessas? Por que a esquerda não escolhe seus representantes olhando para a coerência histórica?
Há uma visível e inexplicável dificuldade por parte dos segmentos de esquerda uibaienses em escolher líderes que representem os 25 anos de luta travados de 80 para cá. Há, em atuação instituicional, apenas um representante legítimo dos movimentos que fizemos em uibaí nos últimos anos. Os demais são escolhas ridículas baseadas numa mistificação conservadora e cega de certos elementos da rua grande, que históricamente ocuparam o lugar de patrões e de opressores.

É preciso reverter isso. Não devemos nos afastar do embate político. Temos sim que lutar para construir representações que ratifiquem tudo que fizemos nos últimos anos e não alimentar as representações postiças que vimos despontar nos últimos tempos e que irão despontar agora mais ainda, com o novo governo do PT, engolindo tudo que fizemos, tão naturalmente como se sempre tivessem feito parte desse lado da história.
POETAGEM

? ? ?



QUEM FALA, CALA...

Vitor Hugo F. Martins*


Escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. (Clarice Lispector, Água viva)


Como sabemos, quem cala, fala. “Quem cala, consente”, diz a voz popular, e com alguma razão. É certo, porém, que, para o Direito, calar, por si só, não basta, não incrimina nem descrimina ninguém. Por isso mesmo existem mecanismos jurídicos – por que não dizer o nome certo, chicanas? – que protegem o depoente, fazem-no calar, sem ir de encontro à lei. Ora, com isso, inferimos que esse depoente disse menos do que sabia.

Por outro lado, o que poucos sabem é que quem fala, cala. Como pode ser isso? Simples: quem fala, pensa estar falando originalmente, livremente, por si mesmo, sem censuras. Ledo engano. Por quê? Porque está falando em nome do Outro, sem o saber. Assim, falando o que querem que falemos, acabamos calando o que verdadeiramente queríamos falar. Ainda que pensemos ter consciência do que falamos, no fundo, estamos silenciando-nos. É que o inconsciente nos trai. Quando, por exemplo, uma pessoa se diz anti-racista e despreconceituosa e fala “Fulana é negra, mas linda”, “Beltrano é gay, mas inteligentíssimo”, deixa-se trair pelo discurso do inconsciente, que se materializa pela vírgula e pela conjunção adversativa. Assim como nos fazem trair-nos a nos mesmos as instituições a que nos sujeitamos. Desse modo, a História oficial fala daquilo que a classe dominante quer que ouçamos: “Wladimir Herzog suicidou-se na prisão”. Dessa maneira, cala a verdade, a tortura e a morte do jornalista.

No nosso discurso do dia-a-dia, a fala que cala pode ser reconhecida sem muita dificuldade. Basta que atentemos para o que há de interdito no que falamos e ouvimos. Interdito que pode ser lido como o que está dito nas entrelinhas, porque não podemos/devemos/sabemos/queremos dizer.
O resto é silêncio...

* Vitor Hugo Fernandes Martins é professor do Curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XXI, Ipiaú, BA. Poeta, cronista e contista. Autor de Contos cardiais (Editora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, 2006).

O AVIÃO QUE CAIU VÁRIAS VEZES

No mundo real em que vivemos, o avião da Gol caiu apenas uma vez. Foi em Mato grosso, em 29 de setembro. Mas todos os canais de televisão do Brasil repetiram a cena do desastre várias vezes. Aí eu pergunto: o acidente precisava repercutir assim?

Os responsáveis pela exaustiva exibição alegam que mais que notícia, um desastre com tais proporções merece todo o destaque nos meios de comunicação. Que é notícia, ninguém pode desmentir. Que os cidadãos devem ser informados, também não se contesta. Porém, o insistente festival de imagens na televisão, que nunca acaba, dá um tom de infinito ao desastre, fazendo com que ele perca sua estrita ligação com a informação e a notícia. Algo triste vira um doentio espetáculo, na medida em que é tratado de forma inadequada. A morte trágica de mais de uma centena e meia de pessoas é naturalizada como uma apresentação de desfiles de samba, no carnaval ou de esportes, nas olimpíadas.

As emissoras de televisão têm, visivelmente, programas secundários. São programas que não agregam quase nada, pois têm somente a função básica de reter a atenção dos telespectadores. Seu negócio fundamental é o entretenimento, daí a vocação para o show, o apelo, a emoção. Sabem essas emissoras que manipulando a emoção dos espectadores, com imagens que não informam mais nada, podem manter a audiência e vender muitos produtos. Daí o fato de essas imagens serem repetidas em demasia. Como no replay dos gols da rodada e dos aviões que atacaram as torres gêmeas, o objetivo é fazer durar a emoção.

Na televisão, as tragédias acontecem em um tempo que não é o dos fatos, mas sim o da emoção. Diante dos desastres, os telespectadores se entretêm, se deixam aprisionar na medida em que vão sendo atraídos.

Voltando ao acidente da Gol, os primeiros relatórios indicam que o avião dessa empresa caiu de ponta. Testemunhas dizem que o viram voando de maneira instável, e perdendo a altura antes de cair. As torres e os pilotos tentaram, sem sucesso, vários contatos nos minutos anteriores ao acidente. Testemunhas e trabalhadores da Gol disseram que ficaram horrorizados com o acontecido. Talvez o telespectador alegue o mesmo. Os que viram pessoalmente a cena da catástrofe se feriram na alma, alguns nem conseguiram dormir depois. Por outro lado, e isso talvez seja o pior de tudo, quem vê pela televisão as mesmas imagens se sente imune, bebe um conhaque, relaxa no sofá e sente um prazer estranho. Pede bis e é correspondido.
( joaquim alencar machado)

Vicente Veloso VIVE!

Flávio Dantas Martins

“Segundo os nossos informantes, e alguns parcos registros que encontramos, no final da primeira metade do século XIX, isto por volta de 1844, um escravo de nome Vicente Veloso, fugindo da região mais próxima ao litoral para as brenhas do sertão, veio se encontrar sua liberdade nas encostas da Serra das Laranjeiras, ou Serra Azul, onde viveu por algum tempo escondido da terrível repressão dos capitães-do-mato.”
Osvaldo Rocha e Edimário Oliveira, Canabrava do Gonçalo

A escravidão colonial significou arrancar violentamente dezoito milhões de pessoas de suas terras na África e trazê-las para trabalhar na América até morrerem, até esgotarem, para que dessem o maior lucro que fosse possível. Significou exterminar perto de cento e cinqüenta milhões de indígenas americanos para tomar suas terras, para tirar deles até a última gota de trabalho.
Onde houve escravidão, houve resistência.

Vicente Veloso foi um negro escravo que matou seu senhor em Jacobina, isso por volta do início dos anos 40 do século XIX. Fugiu, caiu no mato. Como diziam os negros “Deus é grande, o mato é ainda maior”. Jacobina, importante centro minerador, possuía registros de quilombos desde 1726. Consta, também, que no início de 1806, uma expedição que partiu de Xique-Xique em busca de ouro encontrou alguns quilombos no alto de umas serras.

Depois de andar por alguns dias, talvez em busca de companheiros fugidos, talvez apenas fugindo dos capitães-do-mato, que tentariam levá-lo de volta à escravidão, Vicente Veloso deu pelas terras de Canabrava.

Vicente Veloso encontrou terras que não tinham dono. Terras de ninguém. Isso, porque, ao longo dos séculos XVII e XVIII, os invasores portugueses fizeram uma tática de guerra de terra arrasada contra os povos indígenas que habitavam os sertões. Os povos indígenas resistiram bravamente, foram inimigos terríveis. Sua guerra em defesa de sua terra só terminou quando foram exterminados. Muitos foram escravizados, viraram sem-terra, foram obrigados a esquecer sua cultura, sua língua, suas raízes.

Essa é a história. Foi assim que Uibaí começou. Um escravo matando seu senhor e indo em busca da liberdade. Ela chega a uma terra lavrada com sangue de guerras contra os povos indígenas. Um mito rebelde que temos que manter. Que temos que resgatar. Que temos que reivindicar. Uma luta que temos que continuar.

Uibaí não é daquelas famílias que vieram de cima da serra do Assuruá. Famílias que tinham seus escravos, que até hoje repartem o poder, entre amor e ódio, sempre unidas contra qualquer terceiro que apareça. Uibaí, a sua história de lutas e de resistência, a parte mais bonita de sua história não pertence a essas famílias que até hoje escravizam o povo, os descendentes de Maria Cabra (escrava de Venceslau Machado), de Vicente Veloso, os sobreviventes do extermínio dos indígenas.

Todos aqueles que trazem no rosto, no sangue, na memória, na pele, na vida, as marcas de cinco séculos de opressão, de guerra, mas também de resistência, de luta contra a escravidão, somente esses podem dizer: Vicente Veloso vive! Está presente! A luta continua...



OS CAÇADORES DE MODÃO

Lembro-me de que na década de 80 surgiu um, por assim dizer, movimento de juventude bastante curioso em Uibaí: a caça aos “modão”. Não houve canabrabeiro com hormônio correndo nas veias que não participasse com alguma assiduidade da cruzada de combate ao uso do mode. Deixo logo claro que esse fenômeno, em meu ver, se restringiu à cidade, não se estendeu, por conseguinte, ao município, felizmente.
O Mode é um vocábulo corrente em Uibaí, que muitas vezes funciona como elemento interrogativo (advérbio interrogativo): mode que tu num ganhou? Como indicador de causa (conjunção subordinativa causal): não teve festa mode a chuva! Outras vezes, como mera preposição: olha o menino mode o cachorro não morder! Não só o mode, mas o pissuir, o dispois, o muntcho, dentre uma série de termos ainda em uso na Canabrava, são remanescentes do Português falado no Brasil Colônia. Muitos desses termos foram preservados em alguns falares locais do país, devido ao isolamento de que gozavam esses logradouros, com relação aos grandes centros. Graças a esses rincões do país, que mantiveram vivas algumas marcas do falar colonial, é que a Universidade de São Paulo, unida a outros centros de pesquisa, vem conseguindo fazer a reconstituição do português falado no Brasil Colônia.
Não tenho certeza quanto à origem do movimento de combate ao mode. Tenho para mim que, influenciado pelo convívio com a variação lingüística da capital e pela recente entrada no mundo educacional da grande urbe, Celito levou esse (como diria Flávio) batismo civilizador para o Pé da Serra Azul. Era um escárnio atrás do outro. Na Rua Grande, diariamente se via Merica gritar para Celito do outro lado, na esquina de Diniz:- Acabei de pegar um modão aqui! Aí a molecada corria em direção a Merica para comentar e dar risadas do modão que Gilo, Zezim, Luis Binha, Maria de Alite ou qualquer outro que fosse soltara, numa infeliz distração. Infeliz porque falar um mode tornara-se crime punido com pesada gozação de modo que as pessoas afetadas pelos pegadores de modão vigiavam a própria fala o tempo todo.
Eu fazia parte da cruzada do modão e regularmente estava junto com a turma infernizando a vida dos conterrâneos. Uma vez Pichiro (irmão de Celito) chegou esbaforido lá na casa de Mariinha de Leandro, onde a turma se reunia para jogar aquele jogo com apenas uma trave, no qual Konan e Tinho eram campeões, só para dizer que presenciara Domingão soltar logo foi uma arrouba de modão. Todo mundo queria pegar um modão de tal forma que a brincadeira passou a ficar grosseira e desrespeitosa. Até os velhos estavam sendo perseguidos pela turma do modão. Com eles, a coisa era demasiado indelicada. Mas menino não leva muito em conta esses “detalhes”. Na mesma época dessa inquisição lingüística, Tinho de Mariinha, que externava certo desagrado com a perseguição dos mode, inventou uma moda de colocar a sílaba “pi” antes de tudo quanto é nome próprio. Era um tal de PiMérica pra cá, PiÁlan pra lá, PiCélito pra acolá... Ele só recuou de empregar o tal “pi” em Konan, nosso musculoso amigo. Também, ficava desajeitado chamar o cara de PiKonan.
Olhando a distância, com a maturidade trazida pelo tempo, diria que toda aquela implicância com o mode tinha dois lados: por um, não passava mesmo de algazarra típica de adolescentes, por outro, era uma versão agressiva do fenômeno de atualização da língua, que, no caso, deveria ir sendo estabelecido, não a troco de pressão e zombaria, mas paulatinamente com a renovação dos falantes, pela convivência com outras variantes do falar brasileiro e por intensas interferências culturais de ordens diversas. É isso, a língua muda com o tempo, e ainda bem que a gente também muda. Hoje, por exemplo, creio que, como eu, os colegas perseguidores dos modão sentem certo prazer em ouvir uma seqüência de mode brotar daquela forma gostosa, simples e natural que nosso povo tem de falar.
Enquanto ponho fim a esta curta ponta de memória, fico pensando no que a juventude anda aprontando nos tempos de agora em Uibaí. Será que são tão inocentes quanto nós fomos? (alan oliveira machado)

14 julho 2006

BOCA DO INFERNO - 32

EDITORIAL

A maneira como o governo federal vem administrando certos problemas de ordem internacional tem gerado bastante preocupação. O problema básico está no fato de o governo Lula colocar interesses ideológicos acima da soberania nacional. Não é difícil perceber que atualmente há um alinhamento ideológico entre os governos do Brasil, Venezuela, Cuba e Bolívia. Não há problema algum em governos executarem manobras estratégicas para fortalecer seus parceiros políticos. Porém, isso se torna preocupante quando, em nome dessas estratégias, esses parceiros tomam decisões que lesam seus paises ou ferem automaticamente a soberania dos demais.
O caso da nacionalização das reservas de gás efetuada por Evo Morales é o mais atual exemplo de violação de acordos diplomáticos que deveriam ser respeitados. Afinal, quando o governo boliviano baixou o decreto de estatização das propriedades da Petrobrás em seu país, ele não estava lidando simplesmente com uma empresa multinacional, mas sim com uma empresa estatal brasileira que para efetuar qualquer contrato internacional com a natureza do que foi efetivado na Bolívia, do porte de $1.500.000.000 (um bilhão e quinhentos milhões de dólares) teve de executar intensa negociação diplomática e cumprir regras internacionais de comércio.
Longe de nós achar que qualquer nação não tenha direito de proteger aquilo que considera patrimônio estratégico de seu povo. Há, entretanto, um porém, se o contrato foi feito seguindo corretamente as regras de comércio internacional, na época com consentimento de ambos os governos, o mínimo que um chefe de estado ideologicamente contrário a sua existência deveria fazer era convocar o parceiro comercial para rever as regras e propor uma saída honesta. Mas não, no melhor estilo do populismo golpista, Morales rasgou as regras da OMC e golpeou a soberania brasileira.
Contudo, o grosseiro da situação não foi só o arremedo de ação chavista/castrista de Morales, o absurdo de tudo foi a reação do governo brasileiro e aqui entra o lado prejudicial da conveniência ideológica. Nosso governo agiu com naturalidade, como se o dinheiro da Petrobrás, o patrimônio do povo brasileiro, portanto, significasse menos para nós do que o gás para os bolivianos. Ora, se é direito e dever do chefe boliviano defender os bens de sua nação, como nos fez crer Lula, não seria também direito e dever de Lula defender os nossos bens? Os bolivianos têm mais razão do que os brasileiros? Que ideologia é essa para a qual um caloteiro vale mais do que um cidadão honesto? Que ideologia é essa em que o bandido vira mocinho e o mocinho tem de ficar calado sob pena de virar bandido? HÁ BRAÇOS!
A MORTE É CEGA!
Dizem por aí que a morte é cega, não escolhe os frutos que tem de derrubar com sua foice amoladíssima. Mas além do ofício imparcial de carregar diariamente algumas almas, a morte aceita encomendas desde que a pessoa que encomendou a alma do desafortunado guie a foice cega para o escolhido. Em Uibaí, parece-nos que há alguém ajudando essa senhora indesejável a ceifar algumas vidas. De uns tempos para cá, corre o boato de que há uma lista com considerável número de eleitos a irem habitar o cemitério. Dizem ainda que os dois primeiros nomes da lista já estão riscados: Dedê e Tuti. Será que mão é essa que anda guiando a morte pelas ruas da canabrava?
UIBAIONLIXO!
A lista de discussão online dos uibaienses chamada de uibaionline perdeu a finalidade para a qual foi criada. O que se vê no correr da lista agora, salvo uma ou outra rara exceção, é lixo eletrônico de péssima qualidade. De uma hora para outra, os debatedores tão conscientes e aguerridos parece que viraram debilóides, passaram a enviar panfletos partidários copiados da internete e piadinhas idiotas. Será onde anda a inteligência e o senso crítico dos micreiros canabrabeiros?
PRAÇA INQUIETA- II
Uibaí se prepara para o Praça Inquieta-II. O Praça Inquieta foi um evento político e cultural, de grande sucesso, organizado pela turma do Boca do Inferno, da Ceubras e pela juventude de Uibaí, em janeiro de 2003, com a finalidade de tirar a cidade do marasmo político-cultural em que se encontrava. Havia pelo menos dez anos sem Seac em Uibaí, as casas de estudantes estavam abandonadas e em profunda crise de identidade, a preocupação ecológica estava morta e a participação política se resumia à mediocridade partidária. O Praça Inquieta atingiu em cheio essas questões de tal forma que hoje podemos pensar um Uibaí antes e um depois daquele evento. Depois do Praça Inquieta, as casas de estudantes se renovaram, houve o Uibaí tem sede, a oitava Seac, surgiram novas casas de estudantes, jornaizinhos novos. Publicações, Grêmio Cultural, grupos de teatro, grupo de cidadania, retomaram-se as preocupações ecológicas! O Praça Inquieta marcou a retomada da preocupação com os movimentos políticos e culturais em Uibaí, que estavam abafados pelo partidarismo e pela mentalidade política eleitoreira de resultados. Acreditamos que a retomada desse importante evento, com a edição do Praça Inquieta II, vai aprofundar ainda mais a contribuição com a cultura e política em nossa terra!
POETAGEM
LIBIDO:
BEIJO DE BUNDA DA LIBÉLULA
NA IMAGEM DE NARCISO.
(RUI DE OLIVEIRA)



BAR CULTURAL

Para Helga Oliveira Machado.

Esta é uma daquelas idéias que a gente se sentiria feliz se alguém copiasse e saísse à frente para realizá-la. Imaginem comigo a existência de um singelo imóvel na Praça Velha ou Nova de Uibaí com o nome Bar Cultural, acompanhado das subscrições: Aqui você pode encher a cara de conhecimento! Aqui você pode indagar o quanto quiser sobre a existência, sobre o mundo, a vida, o amor, a arte... E não precisa pagar a conta!
O bar seria tradicional, quer dizer, com um vão cheio de mesas, tendo ao fundo o balcão. Por trás do balcão, o atendente pronto a servir os freqüentadores. Nas paredes, no lugar de cartazes de loiras oferecendo cervejas, teríamos cartazes de escritores e escritoras das mais distintas lavras. Nas prateleiras, em vez de bebidas variadas, livros e mais livros. Livros, livros, livros... De todos os calibres! Literatura: poesia, romances, teorias literárias; Filosofia em variadas correntes, Política, Antropologia, Psicologia, Psicanálise, Lingüística, Semiótica e demais ciências humanas; curiosidades, cultura mundial, e mais e mais e mais...
Então, me acompanhem, caros leitores, nessa viagem imaginária: entra um velho freguês no bar e o atendente corre ao encontro dele:
- Vai de que hoje, seu Gleissom?
-Hoje não estou bem, quero encher a cara de Fernando Pessoa. Traga aí uma dose bem grande do Livro do Desassossego e uma porçãozinha de Cioran para tirar o gosto!
Aí o atendente, como todo bom barman, dá aquela sugestão eivada de experiência:
- Pelo seu estado, eu recomendaria uma talagada sarada de O Guardador de Rebanhos! E Cioran já foi servido na mesa de dona Daiane, ao lado. Temos como alternativa As Dores do Mundo, de Schopenhauer, que está desocupado ali na mesa de Popoca. Se não for do agrado, o senhor poderá escolher aqui no nosso cardápio algum escritor ultra-romântico como acompanhamento.
No Bar Cultural seria assim, no dia em que o Clube Canabrava anunciasse uma Noite de Seresta, o bar anunciaria uma Noite de Machado de Assis. Na semana em que o Voz do Povo anunciasse o Baile da Saudade, o bar anunciaria o Corpo de Baile, de Guimarães Rosa. Na medida em que nos outros bares se toma uma ordinária Seleta, no Bar Cultural se consumiria a melhor Seleta de Drummond, a Seleta de Bandeira, a de Ruben Braga, a de Mário, a de Oswald, a de Manoel de Barros, a de Leminski, entre muitas opções. Lá estaria sempre acessível a melhor safra de Cecília, Clarice, Raquel, Lígia, Ana Cristina César... Isso sem contar com as Raízes locais: Pita, Enoch, Valmir, Bebeto, Pedro Lopes e aqueles miseráveis do Boca do Inferno, entre tantos.
Esse bar seria a salvação? Claro que não, mas muita gente sairia Em Busca do Tempo Perdido ao descobrir que Proust cura qualquer dor da alma, que Cecília faz flutuar, que Manoel de Barros nos recriancifica. Que Dostoiévski limpa mais o espírito do que uma garrafa de Chave de Ouro. Aliás, chaves de ouro só estariam mesmo à disposição nos sonetos parnasianos oferecidos de brinde aos freqüentadores da casa.
Aí, todo dia teríamos o bar cheio. O enleio, o eu leio. As mesas propagando doces e barulhentas indagas; e recitais e happenings e delírios e risadas e suspiros... Nos arranca-rabos, muitos palavrões e quão divertidos de se ouvir: Seu sartriano maluco! Sai pra lá com sua ambigüidade machadiana, liliputiano duma figa! Não suporto esse seu bovarismo! Trator cartesiano! Niilista! Balzaquiana indigesta! Desapareça com esse caráter macunaímico! Isso é um delírio foucaultiano, uma fraqueza pós-estruturalista! Uma frigidez positivista. Filhote de Maquiavel, terrorista bakuniniano! Macaquinho pós-moderno, pereba edipiana! Isso é delírio interpretativo... Seria divertido sim, porque as pessoas certamente não seriam mais as mesmas e toda a hostilidade não passaria obviamente de um jogo: o gozoso jogo do saber, do saber-se. O Ensaio Sobre a Cegueira. O ir do verme ao ver-me, o transver, o desver... Seria um sonho muito bom.
Pois bem, amigos leitores, antes de escrever este texto havia tomado uma boa dose de Eça de Queiroz. Tinha consumido avidamente o conto José Matias. Sei que não tem muito a ver (ou teria?), mas experimentem. Se for convincente a gente coloca no cardápio do Bar Cultural. Há braços! (alan oliveira machado)
EU E O BODE PRETO
Para Javan
Vou contar uma historinha dessas que acontecem e não tem explicação. O ano, não tenho em lembrança, mas era no tempo em que eu andava com um "badogue" no pescoço, malinando em tudo que via nas "roças dos outros".No cair de certa tarde, fui olhar umas arapucas na beira do capão, pra ver se tinha faturado o tira-gosto do jantar. Não é que logo depois de atravessar a garrancheira encontrei a primeira arapuca quebrada! Proferi alguns verbetes das trevas amaldiçoando o filho de Maria que destruiu meu artefato, além de pegar meu tira-gosto. Corri para outra arapuca, escondida logo adiante. Chegando ao local vi que tinha uma presa, com ligeireza peguei-a, porém quando levantei as vistas, dei de cara com um pai de chiqueiro fedorento, de uns dois metros de altura, preto igual café. Foi um susto tão grande que deixei meu petisco ir embora. Sai daqui bicho maldito filho d'um..., gritei! O bode deu um grande berro-feio de tirar qualquer cristão do chão, soltei uma balada no meio da testa, o bicho levantou as duas mãos empinando o corpo. Vou matar esse desgramado, falei comigo mesmo. Naquele mesmo instante veio uma voz tremula e soluçante: - Tu mata ninguém, seu porra! Já arrepiado, procurei por todos os lados, arregalando os olhos. - Quem falou!? Não vi ninguém e nem mais o bode, o bicho sumiu. Naquela mesma hora todo o medo do mundo grudou em minhas pernas, gelei, não conseguia ouvir mais nada, somente o som das batidas do meu coração. Saí em desabalada carreira por "cima de pau e pedra". Quando alcancei a estrada, já estafado, para minha surpresa e desespero o bicho estava lá: - Tá cum medo, seu peste? - interrogou o bode. Naquela hora, juro pra vocês, nem avião me pegava, corri e só parei uns seis quilômetros depois, lá em casa. As canelas estavam todas rasgadas da caatinga. Camiseta não tinha mais, chinelo só o do pé direito. Contei o ocorrido na minha caçada e o pessoal de casa não acreditou. O pior é que levei uma surra danada dos meus pais e ainda tive de tomar banho naquele dia. Foi assim que tudo aconteceu, quem duvidar da minha história pergunte a João que também encontrou esse mesmo bode. É isso...
( baltazar lopes cavalcante)

CIDADANIA E REVOLUÇÃO


“Mesmo quando fazem uma greve pela melhoria do horário, do salário ou das condições de trabalho, os trabalhadores não podem deixar de sentir, em seu intimo, que toda luta é iluminada por um objetivo final...”
(Antônio Gramsci, revolucionário italiano)


Nossos tempos são tempos de desilusão. O individualismo, o egoísmo – valores predominantes no capitalismo – avançam e consideram retrocesso, atraso, antiquado tudo aquilo que fala de coletividade, de justiça social, de outra sociedade. O sonho, assim como a luta por uma sociedade mais justa, sem exploração do ser humano pelo seu semelhante, onde direitos sociais e democracia não sejam privilégios dos que podem ter acesso ao mercado soa como utopia. Falas sobre isso aparecem como ultrapassadas.
O Congresso nacional imerso na lama, escândalo após escândalo, passa a ser defendido por gente de esquerda: os petistas e pecedobistas, ao lado de seus novos companheiros – inimigos históricos da classe trabalhadora, desde antes do regime militar. Até parlamentares dissidentes desses segmentos, os tais radicais, quando um Movimento Social se defende lá dentro do congresso da única coisa que o Estado brasileiro se dispõe a oferecer, a violência, dizem que aquela resposta não é luta. Aí eu digo: o quebra-quebra de autodefesa dos Sem Terra dentro do Congresso não é violência, é luta! O latifúndio, a fome, a morte de lideranças camponesas sem um mover de palha da “justiça”, a inanição de crianças brasileiras, a exclusão social, isso sim é VIOLÊNCIA!
Agora, o líder populista, ex-operário, permanece intocável nas pesquisas eleitorais, mesmo depois da prática ter mostrado que o PT não governa para mudar o Brasil, mas mudou para governar o Brasil (para a burguesia, pelo que se vê). Mesmo depois de quatro anos de reprodução da ordem burguesa na sua violenta forma neoliberal, mesmo depois de mais quatro anos, a miséria, a exclusão, o extermínio de pobres, o latifúndio, o capitalismo continuam intocáveis. O máximo que o mais avançado governo de “todos” (inclusive e principalmente do capital) consegue fazer é substituir a miséria insuportável pela pobreza sob controle.
Diante disso tudo, a maior parte da esquerda se cala, tímida, desarticulada ensaiando novos passos no horizonte ainda turvo. Parte dela dobra as bandeiras históricas da classe trabalhadora e as guarda no baú da tradição passada. Veste-se de verde, de rosa, de preto e de branco (nesses dias de verde amarelo) sem qualquer crítica rigorosa às suas camisas, sem perceber que ao lado do caráter progressista delas, o que as acompanha é a manutenção e aperfeiçoamento da ordem e, portanto, a emancipação de coisa nenhuma. Ouvimos, repetidamente, o discurso da cidadania, não da Cidadania Combativa, voltada para conquistas pontuais e exigências do dia a dia, que são parte de um percalço maior no acúmulo político de uma luta mais geral pela transformação radical da sociedade. O que prevalece é a cidadania positiva, que tanto faz vir da boca de um PFL fascista, do que há de mais arcaico e racista na Bahia, quanto do bico de um tucano travestido de moderno ou da oralidade governista, cheia de mau hálito. A cidadania com que se convive é voltada para a luta dentro da ordem, a luta tímida por direitos, sem almejar a transformação da ordem. Essa cidadania, embora se apresente como libertadora, tem a função apenas de aperfeiçoar a ordem vigente e pode desorientar a luta daquilo que ela realmente deveria propor: a verdadeira democracia ( e não essa democracia em que “se vota de quatro em quatro anos para mudar de dono”), uma efetiva justiça (e não esse poder judiciário que condena pobres e acalenta ricos), a liberdade real (não essa liberdade de não ter nada, de ter que se vender para algum capitalista que precisa de mão de obra, de não ter terra, teto, saúde, educação, condições básicas para uma vida com DIGNIDADE).
Nossos tempos são duros e tenebrosos. Tempos conservadores. Mas não são os primeiros. É preciso sim participar e construir a luta por cidadania, por melhorias básicas de vida, por direitos sociais, mas, além disso, é preciso reafirmar certos valores: a necessidade de que o oriente dessas lutas não seja o imediatismo; não seja a consolidação de uma paz social inexistente e impossível em um sistema cuja natureza é a guerra e a exclusão. É preciso que o oriente das lutas seja exatamente a necessidade de se revolucionar a sociedade, para que se transformem radicalmente as relações sociais, não necessariamente com o intuito de criar o paraíso na terra, mas sim de criar um sistema que esteja voltado para a satisfação das necessidades de vida e dignidade de todos e não para o lucro e o enriquecimento ilimitado de uns poucos. Cidadania é preciso, REVOLUÇÃO mais ainda.

flávio dantas martins, Feira de Santana, 22 de junho de 2006.


MEMÓRIAS DE UMA RUA ABANDONADA

Aos eternos moradores do Cascalho

O Cascalho é uma rua curiosa. Por um momento a gente pensa que ela é extensão da Rua Grande, já que o leito do Riacho Canabrava segue sinuoso pelos fundos dos quintais, cruza a Matinha e vai despontar lá adiante próximo à entrada do Cancarote. Se realmente fosse a continuidade da Rua da Igreja teríamos de dizer, para fazer justiça, que ela é a continuidade abandonada em todos os sentidos. Entretanto, como todo abandonado aprende a sobreviver, a gente vai ver que o Cascalho sempre teve abundância de vida e de tudo.
Até os anos oitenta, quando o candeeiro ainda era uma necessidade para muitos, o cidadão podia encontrar na esquina do prédio velho, a fábrica de seu Zuza Flandeiro sortida de vários modelos dessas rústicas luminárias. Podia também encomendar roupas da moda à costureira Bernadete. Descendo mais um pouco, ao lado de Belita de Ricarte, quem precisasse de algum móvel poderia encomendá-lo na marcenaria de Argeu. Passando uma ou duas casas havia a sapataria de Mané Sapateiro, aliás, a rua contava ainda com a sapataria de Garibalde, em frente à casa de Sinezão.
Tamboretes tembém você encomendava no Cascalho, lá na tamboreteria de Deblande, em frente à casa de Dona Maroca. Ali se encontravam os mais resistentes tamboretes feitos de São Joeiro maduro. Deblande, com mais de um metro e noventa de altura, nas horas vagas atuava como juiz de futebol, no único campo da cidade, também privilégio do Cascalho. (nessa época ainda nem existia o Betonicão, lá na saída pra Hidrolândia) O filho da velha Cândia era um juiz desprovido de apito, mas durante o jogo carregava uma peixeira feita de Corneta engastaiada na cintura, proporcional ao seu tamanho. Mediante aquela prova concreta de autoridade, ninguém questionava a arbitragem. Quem teve o prazer de assistir aos sensacionais jogos do Fluminense de Uibaí, com Chiquinho de Jaime no gol, Sinozinho, João de Odetina, Quinquinha no ataque e Chiquinho de Paulo zagueirão, principalmente aos treinos, sabe do que eu estou falando. Creio que Deblandão só atuava nos treinos.
Desculpem-me a irresistível digressão, estava falando de tamboretes. Pois bem, quem não quisesse os tamboretes de Deblande poderia encomendá-los em Leno Sanfoneiro, mais embaixo, próximo à casa de Domingo Dodô, este, um maluco que descia o cascalho com uma bicicleta barra circular em toda a velocidade, atravessando tudo quanto é batume de mato, indo parar na porta da casa de Leno, com os dois pneus furados, cravejados de espinhos de malva de garrote. Era uma diversão meio sem lógica, mas maluquice dispensa lógica. Voltando novamente aos tamboretes, Leno, além de fabricar esses importantes utensílios, ainda fazia a fezinha na sanfona, animando uma ou outra farra.
Da casa de Dona Maroca dava pra ver quase que frontalmente, entre a saída para o Janjão e a entrada para a Veredinha, a venda de Dona Antônia, mãe de Marinezão, Tineco, entre outros. Era uma birosquinha, mistura de venda e bar. A velha administrava a família com pulso firme, num sistema de matriarcado absoluto. A ela pertencia ainda a única casa de farinha da cidade, também no Cascalho, pouco abaixo do Curral da Matança.
O Curral da Matança era um curral velho feito de madeira de lei no qual os bois ficavam recolhidos esperando o abate. Dia de abate dava uma mistura de medo, prazer e aventura ver aqueles bichos furiosos, como que pressentindo a morte, sendo laçados pelos vaqueiros Jaimim e Domingo Paieiro. A meninada ficava atônita diante de homens domando a força bruta, com igual brutalidade. Tudo ali no Cascalho, o bicho imobilizado levando uma machadada no cachaço ou um tirão de rifle bem no meio da testa.
Subindo a rua, a partir do Curral da Matança, ao lado da casa de Deblande havia o chiqueiro de Verneú, um criatório grande que misturava caprinos, ovinos e porcos de raças variadas: Duroc, Piau, Baé, Beradeiro. O cheiro não era dos mais agradáveis, porém, em manhã de venda e capa de porco era divertido ficar trepado na cerca de sisal vendo os homens estabanados atrás dos bichos. João Capa Porca afiando o canivete e os gritos do suíno sendo emasculado ou esterilizado.O porco sem bagos saia meio envergonhado e a porca sem ovários meio esguia e acanhada. Na pesagem havia cada porcona de quinze arroubas desafiando os pesos da balança que era de se admirar. Hoje, a travessa que liga o Cascalho àquela construção faraônica inacabada, que dizem ser de um ex-padre, ocupa exatamente parte do espaço do antigo Chiqueiro de Verneú.
Mais acima, muito depois da casa de Dona Nair de Valdivino, onde de manhã cedo se buscava o leite fresquinho saído da ordenha, quase no meio da Rua do Cascalho, tínhamos o mais generoso pomar de Uibaí, a casa de Dona Mariinha de Leandro, com um cercado imenso sortido das mais variadas fruteiras. Na casa da bondosa e paciente Dona Mariinha sempre era tempo de alguma coisa. Quando não era de manga, era de pinha, quando não tinha pinha, tinha caju ou serigüela ou côco. A meninada se fartava em cima dos pés de manga-mamão, nos pés daquela manguinha miúda fiapenta e deliciosa, debaixo dos cajueiros ou atirando pedras nos coqueiros muito altos, em busca de cocos velados.
Para quem achava que a vida não deveria ter muita graça, numa rua abandonada como aquela, aviso agora que nem falei do parque de vaquejadas que existiu por ali, nem do alarido de carros e cavalos com toda sorte de gente vinda dos povoados no dia da feira. Nem das manadas bovinas que se encontravam a caminho do pasto, obrigando os marruás dos rebanhos a encenarem um espetacular duelo de chifres e forças em plena manhã de primavera. Nem das vacas paridas escorraçando transeuntes desavisados e botando gente nos pára-peitos de portas e janelas; nem em Zé de Nica cantarolando pela rua suas canções de Roberto Carlos, alheio a tudo e a todos ou em Hora é Esta, saudoso personagem, entoando diuturnamente seu refrão, como um relógio cuco: -A hora é esta! Ou em seu Genéis, pai de Dona Zilda e de Dimari, um homem de força descomunal que, já sexagenário, arrastava Cascalho acima uma árvore seca inteira, trazida sabe-se lá de qual distante capoeira, para cortar no machado diante do ranchinho em que morava; ou no negro Soizinha, pagodeiro, cheio de manha africana e de superlativos... Figura simpaticíssima. Muito há do que se falar sobre aquela rua de minha infância e adolescência, a única atualmente a contar com juazeiros frondosos a derramar suas sombras frescas sobre o abafado da tarde.
O nome pomposo de general, o povo rejeitou e fez bem. Rua que tem vida não merece nome de general, a bem da verdade, nome nenhum que cheire a imposição. Rua que tem vida se autonomeia. E é isso que acontece, não se vê gente falando na rua General Costa e Silva. Prefere-se a metonímia feita da matéria que talvez mais importuna o povo: o cascalho pedregoso que levanta uma poeira branca e incômoda, a medida em que os carros vão passando. Eis a Rua do Cascalho que também aceita ser chamada de Rua Pé de Galinha, nome inventado por Ri de Valdivino, quando este observou corretamente que a rua se abria como um pé de galinha: um dedo seguindo em direção ao Mane Janjão, outro seguindo para a Veredinha e um último indo rumo a Boca Dágua.
(alan oliveira machado, abril de 2006)



VACA AZUL DESMAMANDO

Veja ilustre leitor
Como a coisa tá mudando
Antes era só tiroteio,
Perseguição e desmando
Agora tem Audiência
E Réuzinho reclamando
Com as porretadas do povo
Desfazendo os seus plano
A coisa tá mesmo “feia”
A Vaca Azul desmamando
Dorimal e outros bezerros
Andam na rua berrando:
Meu Deu$, se o rumo mudar
O que vai $er do meu bando?
Promotor já disse logo:
Não quero conta faltando!
Se gastou e não se viu
O cabra entra pelo cano
Responsabilidade fiscal
Moralidade no ramo
Se quiser administrar
Tem que sair proclamando
O que o poder tá fazendo
O que o poder tá gastando
O que faltou, devolver!
O que sobrou, aplicando!
Se vacilar vai perder
O povo pega o comando
E bota pau pra comer
Com a justiça apoiando.
Tomara seja verdade
E eu não esteja sonhando
(J.M. da Silva)

10 abril 2006

BOCA DO INFERNO - 31

BOCA DO INFERNO–31

Caderno Cultural do Grupo Teatro Vida, Uibaí-Ba (abril de 2006)


EDITORIAL: A IMPORTÂNCIA DA CRÍTICA

A gente sabe que não é fácil, na luta social por mudanças, fazer a parte crítica. A crítica está sempre exposta ao ódio e ao destempero emocional dos setores criticados. Às vezes ela é acusada de pessimista, outras vezes de inconveniente, de sabe tudo e ainda de pessoalizar a discussão. Aí sempre aparecem aqueles revoltados que falam do estrago causado pela crítica, dos prejuízos sociais... Em Uibaí, por exemplo, muitos desses tagarelas emocionais, feridos em suscetibilidades, tendo expostas as incoerências pela ação crítica do Boca do Inferno, insistem em abafar o que está na cara: a crítica tem um lado educativo, de formação da cidadania fortíssimo e que contamina rapidamente a comunidade.
Sob outro ângulo já nos havíamos referido ao poder da crítica no texto O OLHAR QUE INCOMODA, ali falamos do papel normalizador da crítica, ou seja, se algum grupo prega X e vem praticando Y, talvez até sem se dar conta, afetado pela crítica que aponta tal incoerência, esse grupo, pego em saia justa, vai tender a regular sua prática de modo a normaliza-la. Na Canabrava não é difícil exemplificar isso, vejam o caso da VIII Seac: a Seac, organizada em ano eleitoral, caminhava para ser palanque político explícito da “ex-querda” uibaiense. Ocorreu que o Boca do Inferno, percebendo essa tendência, denunciou-a de tal forma que a cúpula “ex-querdista” recuou enraivecida, moderando a interferência no evento. Que houve domínio “ex-querdeiro” na Seac, houve, mas o teatro da hegemonia e unidade política foi ao chão e muito sujeito arrogante e autoritário teve de baixar a bola.
Outro exemplo bom do papel educativo da crítica foi a recente denúncia que fizemos sobre o Jornalzinho da Ceubras. Estivemos na casa de estudantes em Brasília e solicitamos informações a respeito de um Jornal da Ceubras, de janeiro de 2006, que estava sobre a mesa. Um dos moradores disse que o referido jornal tinha sido enviado para Uibaí e nos autorizou a levar uma cópia. Quando vimos que o jornal estava desfigurado como se fosse um panfleto do PT criticamos severamente. O que aconteceu? O jornal reapareceu limpinho, com poucas referências ao PT e ainda, no texto que sobrou se referindo ao partido, uma nota no pé da página informava cautelosamente que aquele espaço era para a divulgação de textos de grupos políticos que realizam atividades para a melhoria de Uibaí (estamos por ver jogadinha justificativa mais antiga). Aí vale questionar: será que vão cumprir isso, ou vão fazer como o Fantoche do Boca do Céu, que alardeou que “a imprensa é livre” e vetou direito de resposta no jornalzinho dele. De qualquer modo vocês podem ver que a crítica conteve a sanha “vermelha” dos montadores do jornal da Ceubras. O que eles aprenderam? Exatamente que não se pode entregar o nome e a história de uma entidade como a Ceubras de modo tão escroto. Que eles ficaram bravos, claro que ficaram, mas aprenderam! HÁ BRAÇOS!


P O E T A G E M

dobrei a língua
quando dei de flecha
bem no olho da cacimba
(rui de oliveira)

GRUPO DA CIDADANIA: O POVO NA LUTA

Num texto publicado em 2004, no número 15 de nosso caderno, a autora Florentina, que é pós-graduada em Políticas Públicas pela FGV diz o seguinte referindo-se a Uibaí: “A concretização de uma democracia participativa em nossa terra se processa e é irreversível”. O raciocínio da autora era realmente procedente, pois pouco tempo depois surgiu na Canabrava o Grupo da Cidadania, fruto da ebulição política que vinha se processando há vários anos naquele torrão e também da atualização do modelo de administração do Estado brasileiro, que na sua nova configuração gerencial solicita da participação cidadã da população na fiscalização e orientação do uso de verbas públicas pelos administradores.
O fato é que, no município, boa parte da população alcançou um grau de consciência política tal que práticas administrativas patrimonialistas como as que vinham dilapidando o dinheiro público há décadas, e na gestão atual do prefeito Réuzinho, não estão mais sendo toleradas pela população. Na última audiência pública realizada no dia 04 de abril de 2006, quem tinha dúvidas sobre a desonestidade do referido prefeito e de uma pá de vereadores que o seguem viu as mal coladas máscaras de bonzinhos do prefeito e de seus aliados caírem diante do promotor público, mediante a incontestável realidade das irregularidades demonstradas pelo vereador Tarcísio Machado.
Eis aí a importância da organização popular cidadã. O Grupo da Cidadania tem sido um dos grandes articuladores dessas ações no município. Ele vem se colocando como a voz do povo consciente em ação contra os maus administradores e precisa que toda a população se integre nessas ações. Não tenham dúvidas, amigos leitores, de que estamos começando a construir uma democracia participativa na Canabrava e sua participação nas atividades do Grupo da Cidadania, como membro será de grande valor. Se há alguma coisa na administração de Réuzinho que dá a ela uma aparência distinta das de seus antecessores e apoiadores, não tenham dúvidas, isso se deve à atuação mais consciente dos uibaienses, que força a mudança de atitude.
Queríamos aqui externar a nossa satisfação com os trabalhos que vêm sendo realizados pelo Grupo da Cidadania. Realmente são atividades que contribuem com a educação política do povo e progridem em direção à melhoria da qualidade de vida do município, na medida em que, sob o testemunho da lei, intimidam os maus administradores obrigando-os a desenvolver o hábito de respeitar, mesmo que paulatinamente, o patrimônio público. (alan oliveira machado)


PEDRÃO, O MENTIROSO!

Vou contar pra vocês a história de um certo Pedro. Pedrão, o mentiroso. Sujeito “simplão”, como todo sertanejo, Pedrão chegou com sua mulher Norinha a Quixabeira para trabalhar na roça. Vinham de Patos, lugarejo no município de Ibititá. Esse cabra era tão mentiroso, mas tão mentiroso, que quando alguém queria contar uma mentira bem grande evocava o seu nome: - Essa é das de Pedrão!
A fama e as histórias de Pedrão iam longe. Histórias pra boi dormir, é certo. O engraçado é que, como Dom Quixote, ele acreditava em si próprio e, o pior, forçava sua esposa a confirmar toda lorota que contava, por mais absurda que fosse.
Certa feita contou o caso de um porco com que ele se deparou. O animal o enfrentou, aí ele, com bravura, puxou de seu facão corneta e começou a peleja. Era manhãzinha... Logo, meio dia...Tarde... Noite... E a briga continuou, Pedrão com sua arma, o porco com as presas, presas não! – contava Pedrão, com os olhos brilhando, duas espadas!
No calor da briga, o suor dos dois fez chover em plena seca do Nordeste. Da chuva, os raios eram faíscas do facão batendo nas presas do porco. Por fim, ele venceu a peleja. Esquartejado, o porco deu para todo Ibititá comer durante um mês. No fim da conversa, como sempre, ele soltou a já célebre frase confirmatória:
- Num foi mermo, Norinha?
- Foi, Pedro!
(baltazar lopes cavalcante)


BRIGA DE COMÉRCIO

Contam que lá pras bandas do Sobreira só tem um boteco. O incutimento dos pés-de-cana e até dos mais sérios homens do povoado é o bar do Quinca. Quinca, sempre atencioso, recebe diariamente seus fregueses: uns a caminho da roça, lascam uma pinguinha nos peito pra espantar o sono e ganhar disposição; outros, em retorno, quebram um venenozinho pra abrir o apetite e espantar o cansaço.
Falam as más línguas que Priquitim anda tocando uma roça nas imediações. Dizem ainda os que não tem mais o que fazer que Priquitim bate perna diariamente pro bar do Quinca. E, desocupados de tudo, esses infelizes, que vivem dando conta da vida alheia, espalharam que Priquitim nem não acha ruim atravessar o asfalto pra saciar suas inquietações etílicas. O problema é quebrar carreiro de volta com o sol sapecando o couro e o álcool fermentando nas veias.
É também narração de fofoqueiros que Priquitim, cansado de secar canela, indo pro Quinca, deu na cabeça que o Sobreira precisava de um boteco concorrente. Aí, no gozo da conveniência, montou estabelecimento na própria roça, beirando o asfalto e abriu letreiro: Bar do Priquitim. O empreendimento dividiu a freguesia do Quinca e gerou acirrada disputa publicitária entre os dois comerciantes. Priquitim, sujeito pacífico, tratou de baixar os ânimos, de selar a paz definitiva. Mandou Nino Lima pintar uma grande placa na porta do bar, com os seguintes dizeres: SE NÃO QUISER TOMAR NO PRIQUITIM, VAI TOMAR NO QUINCA!
(alan oliveira machado)


SOBRE O “FORISMO” CANABRABEIRO!

Está certo que nossa cidade sofre um déficit migratório gigantesco e que isso reduz enormemente sua juventude. Logo, o contingente de nativos do município que estuda, trabalha e mora fora é muito importante. E essa população de fora, tanto pode como deve participar da vida local, da cultura e da política. Afinal, até que se prove o contrário uma vez uibaiense... E lá fora, quando se diz: eu sou uibaiense, você não só diz de onde é, mas o que é.
Porém, esse fenômeno tem desdobramentos que podem ser positivos e negativos para o próprio lugar. É sobre um desses aspectos que julgamos ter sua face negativa que queremos falar.
Diz a lenda que a maior parte das “coisas interessantes” que acontecem em Uibaí é produto de militância de férias, ou seja, são realizadas pelos filhos dessa terra que estão fora dela. Isso soa meio como baixa auto-estima cultural: aqueles são melhores porque saem, têm contato com a “civilização”, com a “verdadeira cultura”, com a modernidade e são batizados por ela. Ao retornarem para a combalida Canabrava, arcaica, atrasada no barbarismo sertanejo, na incivilidade, no século dezenove, trazem consigo o que há de melhor em termos de arte, sotaque, cultura política, costumes. E num passe de mágica, aqueles selvagens que faziam tudo errado aprendem a “verdadeira música”, a “verdadeira cultura”, a “verdadeira política”. Os bárbaros sertanejos são tocados pela consciência que os altruístas de fora trouxeram. Do que havia aqui, alguns exotismos foram conservados já que são culturais de verdade. E de repente, o que poderia ser um povoado qualquer, se transforma na Cuba do sertão, no berço regional da cultura, na cidade universitária.
Não que a atuação de uibaienses que saíram e que voltaram ou não seja nula. Não que a atuação que entidades como CEU e CEUBRAS, entre outras, tiveram aqui tenha sido algo insignificante ou inconveniente. Longe de nós. A contribuição de todos que vivem fora, mas tem o pé aqui, é importante e muitas vezes bem-vinda pela própria população. Não estou propondo cercar Uibaí.
Mas, crer que a população que não é de fora seja apática, idiota, inconsciente, é arrogância e desconhecimento de causa. Muitas vezes os de fora, falando sobre o uibaiense cotidiano, parecem com a esquerda tradicional falando sobre a classe trabalhadora; ponto de vista que o historiador inglês Edward Thompson tanto critica. Os uibaienses de fora auto-intitulados intelectuais “sonham amiúde com uma classe que seja como uma motocicleta cujo assento esteja vazio. Saltando sobre ele, assumem a direção, pois tem a verdadeira teoria”.
Boa parte dessas coisas que os de fora julgam interessantes, a exemplo do movimento Praça Inquieta, do Uibaí tem sede..., das experiências do Grêmio Estudantil Serra Azul, do Teatro Vida, do Teatro do Oprimido, da Associação Semente de Amor, do Dia da Consciência Negra, até do recente Grupo de Cidadania, foram realizadas por pessoas que moram ou moravam em Uibaí. É evidente que o batismo civilizador dos de fora já fez bastante coisa por aqui. Mas, sem ressalvas, uma proposta de fora só é realizável quando bancada por bárbaros do pé da serra.
Os uibaienses de fora não são heróis. Assim como os que permanecem em Uibaí, mesmo sem o toque da civilização enfumaçada de qualquer grande cidade, não são selvagens, inconscientes que precisam de direção consciente para fazer qualquer coisa que os de fora julguem interessante ou não. A realidade uibaiense é mais real para quem a vive 365 dias por ano. E os de fora tomarem decisões pelos que moram em Uibaí de todo dia é algo bastante complicado, soando a autoritarismo. Por esse ângulo, o “forismo” uibaiense é nada mais do que um desdobramento das ilusões do sãopaulocentrismo, do salvadorcentrismo, do brasiliocentrismo.
(flávio dantas Martins)

SEÇÃO INFERNAL

Nossos contra-sensos
Deu na vista: garota de dentes podres atende sorridente seu celular de 700 reais.
Deu na TV: remédio para cachorro é mais barato do que remédio para seres humanos.
Deu na vista: empresário fica bonzinho e deposita 25 mil reais na conta do filho bastardo não assumido.
Deu na TV: caseiro vira bandido por desmentir ministro da fazenda.
Deu na cara: médico come menor, sem camisinha, e engravida a infeliz.
Deu na TV: defensores dos transgênicos invadem e destroem plantação não alterada geneticamente.
Dolorosos contra-sensos
Que diferença há entre a violação do painel do Senado, executada por ACM e a violação da conta do caseiro Francenildo efetuada por parte de setores do PT? Eticamente nenhuma, moralmente nenhuma! O que distingue as teatrais comemorações de Roberto Jefferson, quando da confirmação de suas acusações contra setores do PT e a desengonçada e flácida dança comemorativa da deputada petista Ângela Guadagnin, repetida exaustivamente pela Globo? Moralmente nada, eticamente nada! Por trás de todos esses gestos, que demonstram a indiferença da elite política brasileira pelas instituições do país, esconde-se a velha máxima maquiaveliana: “ os fins justificam os meios!”. Então nos perguntamos perplexos: quais são os fins? Existem mesmo fins ou os meios viraram fins? Teríamos de mudar a máxima para os afins justificam os meios? Vejam bem, equivocados administradores petistas, os fins não justificariam os meios, nem se eles (os fins) fossem os mais nobres. Nada justifica a violação de direitos conseguidos a ferro e sangue. (dioniso tamanduá)

13 março 2006

BOCA DO INFERNO - 30

EDITORIAL

Este número trinta do nosso caderno, amigo leitor, tem sabor especial. Com ele comemoramos oito anos de combate, de luta intensa contra os atrasos do pé de serra. O projeto Boca do Inferno nasceu exatamente em meados de 1996 e se concretizou em 1998. Precisamente na manhã do dia 15 de janeiro desse ano imprimíamos o primeiro número do nosso periódico. Já há algum tempo somos lidos e reconhecidos na região de Irecê e freqüentemente recebemos orgulhosas saudações de conterrâneos espalhados por diversos cantos do Brasil.
Em Uibaí, o efeito de nossos oito anos de existência se mostra presente na atitude da juventude pensante, na atuação mais cuidadosa de muitos políticos e formadores de opinião e na crescente alteração de muitos maus hábitos, antes repetidos a até vangloriados por alguns. Se por trás do “mau humor” de certos tagarelas, que vociferam, muitas vezes de forma irrefletida, contra nossas opiniões, não deixamos de perceber um certo orgulho de terem em Uibaí o Boca do Inferno, também não podemos deixar de declarar que muito nos orgulhamos de ser uibaienses, de pertencer àquela comunidade e lutar por ela sempre.
Nesse período de existência, além de trinta números do Caderno Cultural, publicamos quatro boletins e sete cadernos especiais, incluindo os livretes literários Duas águas, de Rui de Oliveira, Poeira Sem Sentido, de Ari Oliveira e Luas, de Alan Oliveira Machado, lançados no dia 28 de dezembro de 2005 no Grêmio Cultural de Uibaí. É isso aí, continuamos a nossa jornada, polêmica, crítica e divertida. HÁ BRAÇOS!

HISTÓRIA DAS SEACs:CONTRIBUIÇÕES
OITAVA SEAC, UM PONTO DE VISTA
No começo de Abril de 2005, iniciou-se no grupo de discussão uibaiolnline um debate sobre a Semana de Arte e Cultura de Uibaí. Naquele momento, fiz um comentário sobre tal tema, no referido espaço, que, ainda agora, considero atual. Desse modo reproduzo-o aqui praticamente sem alterações, conservando o espírito polêmico que a reflexão pedia no momento. O texto é uma resposta a pergunta feita por algumas pessoas sobre os motivos da não participação do Grupo de Teatro do Oprimido Movimentação na organização e programação da VIII Seac. Em reunião, os membros do Movimentação optaram por não participar como grupo por uma série de motivos. Eis os meus: como se sabe, quando dos rumores da retomada da Seac, foi convocada uma reunião em Uibaí para que fosse pensada a organização do evento. Lá, foi possível observar um grande número de pessoas que estiveram ausentes do movimento cultural nos últimos anos ou que nunca foram presentes. Entre estes últimos, coincidentemente, fazia-se presente um grande número de pessoas que concorreriam a cargos eletivos nas (bem)próximas eleições. É sensato observar que o grupo de pessoas que fez oposição política aos representantes locais do governo do estado nos últimos anos, quase que coincide com os que militaram no movimento cultural organizado em Uibaí, sobretudo nas sete primeiras Seac's. Mas também é prudente notar que parte das pessoas que se comprometeram a organizar a VIII Seac se mantiveram completamente alheias ao movimento cultural e ao movimento estudantil desenvolvido desde o ano 2000, a exemplo o movimento do Grêmio Estudantil Secundarista do Serra Azul, do Praça Inquieta e do Uibaí Tem Sede... O interessante é notar que de uma hora para outra, uma série de pessoas que nunca esteve nem aí para a importância da arte e da auto-estima cultural para a CIDADANIA, ou que há pouco tempo descobriu essa necessidade, num pulo se metamorfoseou na militância cultural que iria fazer e acontecer num evento financiado pela Petrobras em ano de eleição. Grande parte do grupo que se propunha a organizar a VIII Semana de Arte (SE e SOMENTE SE houvesse financiamento da estatal, isso foi ressaltado em reunião) era então de pessoas que, curiosamente, pouco ou jamais estiveram comprometidas com o Movimento Cultural Organizado em Uibaí nos últimos anos, não por falta de convite. Tendo em vista essa particularidade, basta somar o ano eleitoral e o caráter espetaculoso que teria a VIII Seac, posto em evidência desde a primeira reunião, para deduzir o interesse suspeito dessas pessoas, que, sendo assim, não deveriam ser dignas de CONFIANÇA. Na reunião ficou claro que se privilegiaria a música em detrimento das demais atividades artísticas. Um dos membros do grupo até questionou, no correr da pauta, se seria uma Semana de Arte ou uma Semana de Música. Essa negligência com relação às demais artes não tão mercantilizadas quanto o musicismo, denota uma reprodução na Seac de práticas que na verdade ela deveria combater. Exceto honrosas exceções, o teatro, a poesia e outras artes foram marginalizadas em detrimento da música e exposição comercial de artes plásticas. Pela indicação de programação e de localização, já se notava que a Seac não teria um caráter popular. Não estamos dizendo que Amado Batista deveria estar na programação. Inclusive afirmamos o caráter de evento ALTERNATIVO da Seac. Contudo, é comum na oposição uibaiense considerar como povo de Uibaí a turminha que é residente ou oriunda da Rua Grande, ou seja, o que muitas pessoas chamam de classe média uibaiense. O “povo da ponta de rua” não é povo de Uibaí. Isso soa quase a fascismo. A esse respeito, quando na última derrota eleitoral a emoção prevaleceu e as censuras eleitoreiras e cristãs não puderam dar conta de bloquear os preconceitos, quem não ouviu idéias de bombardear Hidrolândia e o povo das “casinhas populares”? Por que não respeitaram a decisão eleitoral tomada pelo Povo de Uibaí?(Aqui não questiono a validade moral ou legal da eleição, marcada por acusações de compra de votos e de títulos, oficializadas ou não, mas coloco a questão: quem é considerado como Povo de Uibaí.). Por essas e outras é que defendi a não participação do nosso grupo na Seac. Por considerar que a Seac deveria ser mais politizada, mais democrática quanto às artes e à própria organização, aliás, posição que certos organizadores sabotaram, na prática, ao separar intelectuais e tarefeiros dentro do evento. Penso que tal evento poderia pensar estratégias de envolvimento de toda a população. Poderia ser menos forasteiro nas apresentações e no público alvo e pensar mais em valorizar os artistas locais e em construir a auto-estima cultural local. O “forismo” da Seac é evidente: parece que ela é feita para pessoas que não estão vivendo e sofrendo em Uibaí. Isso pode ficar claro pela marginalização que é dada a qualquer proposta de realização de evento numa época do ano em que os uibaienses de fora não estejam na cidade. Será que a SEAC pretende-se um movimento de transformação política e participação popular ou um espaço de lazer e turismo para “os de fora”? Aqui deixo claro que essa não é uma posição do Movimentação, mas questionamentos meus. Essas são algumas impressões que pude ter na época e que considero elementos de debate importantes para se pensar a próxima Seac. Desejo que a próxima Seac não continue só anunciando o novo em Uibaí, mas, sobretudo, que procure praticá-lo. Para isso, entretanto, é preciso que se evite o ar de sagrado do evento. Às pessoas que por posição política ou não, não participaram da Seac, foram acusadas de omissas e negligentes. Isso só demonstra que essa não participação é fundamentada pela prática que essas pessoas desenvolvem, uma prática cotidiana, distinta daquela de muita gente que só põe em ação o que discursa quando convém, geralmente para autopromoção ou coisa do gênero. Sobre tudo isso, pouco questionamento se viu, muito menos dos “seaquizeiros” de férias. Onde estavam os militantes uibaienses no restante da vida? Entre outros, o Grupo Movimentação foi acusado de ser omisso, por não participar da Seac. Nem perguntaram os motivos. É assim, quando é conveniente, esquecem-se oficinas, movimentos, apresentações de conteúdo político incisivo e com respaldo da população. Joga-se debaixo do tapete uma atuação que não se circunscreve a um pedaço da cidade ou a Uibaí, mas a toda a região. Esse é o jogo feito pela militância de resultados, pontual, de uma vez na vida. Isso lá é militância que se preze. Uma boa polêmica pra todos.
flávio dantas martins


O HOMEM MAIS RICO DA CIDADE

“Cumadre braboleta mais cumpadre gafanhoto, venham ver cumpadre grilo açoitando os pés nos outros” Ele era um homem sério, não sorria para qualquer um, a menos, que o assunto fosse mulher bonita e dinheiro. Perambulava pelas ruas da cidade e ninguém sabia ao certo, sua verdadeira origem, naturalidade, família ou mesmo quantas primaveras se acumulavam naquele tipo. Acho que nem Dira sabe. Alto, magro, bonachão, de cheiro azinabrado, devido à profusão de correntes anéis e relógios, muitas delas herdadas. Quando sorria imprimia um “Quê” de Chico Xavier. Mão esquerda na cintura, pra mostrar os relógios Oriente, presenteados por algum chefe de estado ou por um khomeine qualquer. Ray-ban, paletó xadrez... A aba do chapéu sempre apontando para o alto, pro infinito, paralelo aos bicos das alpercatas, paulistanas, quem diria, hein Dias! Boca de sino azul-marinho, volta ao mundo...
-Fogo-pagô! – provoca algum malandro.
Na cidade, à altura da esquina do colégio de Seu Tonico, lá vai Cirço doido preocupado com suas aplicações bancárias.
-Assaltaram o banco! -grita um gaiato.
-Vai caçar o que fazer, vagabundo! Assaltaram o rabo da tua mãe!
Ô retado! O cabra já se preocupava logo com o pombo sem asas zoando atrás das orelhas. Também... Vai pra porra môço! Debochar de um milionário, herdeiro legítimo de Califas, de Aiatolás, quem sabe?
- Ei Dias?
- O que é que foi? Diz logo, que eu tô avexado!
- Vai pra onde, moço?
- Vou pra casa de Dão, noivá!
- E compadre Dão tem filha solteira mô?
- Mais tem uma que tá largada do marido e vai casar comigo!
- Conversa home! Olha, leva esse bilhete lá em Adail pra mim, toma três cruzeiros. Espera aí, não se esqueça de pedir mais dinheiro pelos seus serviços!
E lá se esvai o homem dos anéis pelos estabelecimentos comerciais, com bilhete só de ida, enscrito à mão: pague três cruzeiros e toque o bobo pra frente.
Dia bom pro Cholinha, os bolsos acunhados de Cruzeiros. Tio Patinhas da caatinga. Francisco Cuoco do pé da serra! Pára diante de uma porta lá no Cascalho. Aperta o currião, tira da gibeira um lenço amarelado, suspende o chapéu e enxuga o suor da cabeça.
- Ô de casa!
Meio dia em ponto. É o besta que eu digo! O almoço tá garantido.
Lambe o prato. Devora a pretendente com um olhar maroto:
Quer casar comigo fia? Eu tenho muito dinheiro! Pergunta pro gerente do banco?

(rui de oliveira)

QUEM TEM RAÍZES PODRES QUE SE CUIDE

Caros amigos e conterrâneos, cá estamos nós dando continuidade a nossa tempestade. O Boca do Inferno, informativo criado em 1998, com este espaço, busca mais uma forma de chegar a vocês. Sabemos que a Canabrava ainda está quase que totalmente fora do mundo digital online, mas nos sentimos na obrigação de explorar essa tecnologia como forma de forçar a entrada de mais conterrâneos no mundo da internete. Esperamos, com essa iniciativa, alcançar os uibaienses perdidos nas mais distantes diásporas.
HÁ BRAÇOS!