10 abril 2006

BOCA DO INFERNO - 31

BOCA DO INFERNO–31

Caderno Cultural do Grupo Teatro Vida, Uibaí-Ba (abril de 2006)


EDITORIAL: A IMPORTÂNCIA DA CRÍTICA

A gente sabe que não é fácil, na luta social por mudanças, fazer a parte crítica. A crítica está sempre exposta ao ódio e ao destempero emocional dos setores criticados. Às vezes ela é acusada de pessimista, outras vezes de inconveniente, de sabe tudo e ainda de pessoalizar a discussão. Aí sempre aparecem aqueles revoltados que falam do estrago causado pela crítica, dos prejuízos sociais... Em Uibaí, por exemplo, muitos desses tagarelas emocionais, feridos em suscetibilidades, tendo expostas as incoerências pela ação crítica do Boca do Inferno, insistem em abafar o que está na cara: a crítica tem um lado educativo, de formação da cidadania fortíssimo e que contamina rapidamente a comunidade.
Sob outro ângulo já nos havíamos referido ao poder da crítica no texto O OLHAR QUE INCOMODA, ali falamos do papel normalizador da crítica, ou seja, se algum grupo prega X e vem praticando Y, talvez até sem se dar conta, afetado pela crítica que aponta tal incoerência, esse grupo, pego em saia justa, vai tender a regular sua prática de modo a normaliza-la. Na Canabrava não é difícil exemplificar isso, vejam o caso da VIII Seac: a Seac, organizada em ano eleitoral, caminhava para ser palanque político explícito da “ex-querda” uibaiense. Ocorreu que o Boca do Inferno, percebendo essa tendência, denunciou-a de tal forma que a cúpula “ex-querdista” recuou enraivecida, moderando a interferência no evento. Que houve domínio “ex-querdeiro” na Seac, houve, mas o teatro da hegemonia e unidade política foi ao chão e muito sujeito arrogante e autoritário teve de baixar a bola.
Outro exemplo bom do papel educativo da crítica foi a recente denúncia que fizemos sobre o Jornalzinho da Ceubras. Estivemos na casa de estudantes em Brasília e solicitamos informações a respeito de um Jornal da Ceubras, de janeiro de 2006, que estava sobre a mesa. Um dos moradores disse que o referido jornal tinha sido enviado para Uibaí e nos autorizou a levar uma cópia. Quando vimos que o jornal estava desfigurado como se fosse um panfleto do PT criticamos severamente. O que aconteceu? O jornal reapareceu limpinho, com poucas referências ao PT e ainda, no texto que sobrou se referindo ao partido, uma nota no pé da página informava cautelosamente que aquele espaço era para a divulgação de textos de grupos políticos que realizam atividades para a melhoria de Uibaí (estamos por ver jogadinha justificativa mais antiga). Aí vale questionar: será que vão cumprir isso, ou vão fazer como o Fantoche do Boca do Céu, que alardeou que “a imprensa é livre” e vetou direito de resposta no jornalzinho dele. De qualquer modo vocês podem ver que a crítica conteve a sanha “vermelha” dos montadores do jornal da Ceubras. O que eles aprenderam? Exatamente que não se pode entregar o nome e a história de uma entidade como a Ceubras de modo tão escroto. Que eles ficaram bravos, claro que ficaram, mas aprenderam! HÁ BRAÇOS!


P O E T A G E M

dobrei a língua
quando dei de flecha
bem no olho da cacimba
(rui de oliveira)

GRUPO DA CIDADANIA: O POVO NA LUTA

Num texto publicado em 2004, no número 15 de nosso caderno, a autora Florentina, que é pós-graduada em Políticas Públicas pela FGV diz o seguinte referindo-se a Uibaí: “A concretização de uma democracia participativa em nossa terra se processa e é irreversível”. O raciocínio da autora era realmente procedente, pois pouco tempo depois surgiu na Canabrava o Grupo da Cidadania, fruto da ebulição política que vinha se processando há vários anos naquele torrão e também da atualização do modelo de administração do Estado brasileiro, que na sua nova configuração gerencial solicita da participação cidadã da população na fiscalização e orientação do uso de verbas públicas pelos administradores.
O fato é que, no município, boa parte da população alcançou um grau de consciência política tal que práticas administrativas patrimonialistas como as que vinham dilapidando o dinheiro público há décadas, e na gestão atual do prefeito Réuzinho, não estão mais sendo toleradas pela população. Na última audiência pública realizada no dia 04 de abril de 2006, quem tinha dúvidas sobre a desonestidade do referido prefeito e de uma pá de vereadores que o seguem viu as mal coladas máscaras de bonzinhos do prefeito e de seus aliados caírem diante do promotor público, mediante a incontestável realidade das irregularidades demonstradas pelo vereador Tarcísio Machado.
Eis aí a importância da organização popular cidadã. O Grupo da Cidadania tem sido um dos grandes articuladores dessas ações no município. Ele vem se colocando como a voz do povo consciente em ação contra os maus administradores e precisa que toda a população se integre nessas ações. Não tenham dúvidas, amigos leitores, de que estamos começando a construir uma democracia participativa na Canabrava e sua participação nas atividades do Grupo da Cidadania, como membro será de grande valor. Se há alguma coisa na administração de Réuzinho que dá a ela uma aparência distinta das de seus antecessores e apoiadores, não tenham dúvidas, isso se deve à atuação mais consciente dos uibaienses, que força a mudança de atitude.
Queríamos aqui externar a nossa satisfação com os trabalhos que vêm sendo realizados pelo Grupo da Cidadania. Realmente são atividades que contribuem com a educação política do povo e progridem em direção à melhoria da qualidade de vida do município, na medida em que, sob o testemunho da lei, intimidam os maus administradores obrigando-os a desenvolver o hábito de respeitar, mesmo que paulatinamente, o patrimônio público. (alan oliveira machado)


PEDRÃO, O MENTIROSO!

Vou contar pra vocês a história de um certo Pedro. Pedrão, o mentiroso. Sujeito “simplão”, como todo sertanejo, Pedrão chegou com sua mulher Norinha a Quixabeira para trabalhar na roça. Vinham de Patos, lugarejo no município de Ibititá. Esse cabra era tão mentiroso, mas tão mentiroso, que quando alguém queria contar uma mentira bem grande evocava o seu nome: - Essa é das de Pedrão!
A fama e as histórias de Pedrão iam longe. Histórias pra boi dormir, é certo. O engraçado é que, como Dom Quixote, ele acreditava em si próprio e, o pior, forçava sua esposa a confirmar toda lorota que contava, por mais absurda que fosse.
Certa feita contou o caso de um porco com que ele se deparou. O animal o enfrentou, aí ele, com bravura, puxou de seu facão corneta e começou a peleja. Era manhãzinha... Logo, meio dia...Tarde... Noite... E a briga continuou, Pedrão com sua arma, o porco com as presas, presas não! – contava Pedrão, com os olhos brilhando, duas espadas!
No calor da briga, o suor dos dois fez chover em plena seca do Nordeste. Da chuva, os raios eram faíscas do facão batendo nas presas do porco. Por fim, ele venceu a peleja. Esquartejado, o porco deu para todo Ibititá comer durante um mês. No fim da conversa, como sempre, ele soltou a já célebre frase confirmatória:
- Num foi mermo, Norinha?
- Foi, Pedro!
(baltazar lopes cavalcante)


BRIGA DE COMÉRCIO

Contam que lá pras bandas do Sobreira só tem um boteco. O incutimento dos pés-de-cana e até dos mais sérios homens do povoado é o bar do Quinca. Quinca, sempre atencioso, recebe diariamente seus fregueses: uns a caminho da roça, lascam uma pinguinha nos peito pra espantar o sono e ganhar disposição; outros, em retorno, quebram um venenozinho pra abrir o apetite e espantar o cansaço.
Falam as más línguas que Priquitim anda tocando uma roça nas imediações. Dizem ainda os que não tem mais o que fazer que Priquitim bate perna diariamente pro bar do Quinca. E, desocupados de tudo, esses infelizes, que vivem dando conta da vida alheia, espalharam que Priquitim nem não acha ruim atravessar o asfalto pra saciar suas inquietações etílicas. O problema é quebrar carreiro de volta com o sol sapecando o couro e o álcool fermentando nas veias.
É também narração de fofoqueiros que Priquitim, cansado de secar canela, indo pro Quinca, deu na cabeça que o Sobreira precisava de um boteco concorrente. Aí, no gozo da conveniência, montou estabelecimento na própria roça, beirando o asfalto e abriu letreiro: Bar do Priquitim. O empreendimento dividiu a freguesia do Quinca e gerou acirrada disputa publicitária entre os dois comerciantes. Priquitim, sujeito pacífico, tratou de baixar os ânimos, de selar a paz definitiva. Mandou Nino Lima pintar uma grande placa na porta do bar, com os seguintes dizeres: SE NÃO QUISER TOMAR NO PRIQUITIM, VAI TOMAR NO QUINCA!
(alan oliveira machado)


SOBRE O “FORISMO” CANABRABEIRO!

Está certo que nossa cidade sofre um déficit migratório gigantesco e que isso reduz enormemente sua juventude. Logo, o contingente de nativos do município que estuda, trabalha e mora fora é muito importante. E essa população de fora, tanto pode como deve participar da vida local, da cultura e da política. Afinal, até que se prove o contrário uma vez uibaiense... E lá fora, quando se diz: eu sou uibaiense, você não só diz de onde é, mas o que é.
Porém, esse fenômeno tem desdobramentos que podem ser positivos e negativos para o próprio lugar. É sobre um desses aspectos que julgamos ter sua face negativa que queremos falar.
Diz a lenda que a maior parte das “coisas interessantes” que acontecem em Uibaí é produto de militância de férias, ou seja, são realizadas pelos filhos dessa terra que estão fora dela. Isso soa meio como baixa auto-estima cultural: aqueles são melhores porque saem, têm contato com a “civilização”, com a “verdadeira cultura”, com a modernidade e são batizados por ela. Ao retornarem para a combalida Canabrava, arcaica, atrasada no barbarismo sertanejo, na incivilidade, no século dezenove, trazem consigo o que há de melhor em termos de arte, sotaque, cultura política, costumes. E num passe de mágica, aqueles selvagens que faziam tudo errado aprendem a “verdadeira música”, a “verdadeira cultura”, a “verdadeira política”. Os bárbaros sertanejos são tocados pela consciência que os altruístas de fora trouxeram. Do que havia aqui, alguns exotismos foram conservados já que são culturais de verdade. E de repente, o que poderia ser um povoado qualquer, se transforma na Cuba do sertão, no berço regional da cultura, na cidade universitária.
Não que a atuação de uibaienses que saíram e que voltaram ou não seja nula. Não que a atuação que entidades como CEU e CEUBRAS, entre outras, tiveram aqui tenha sido algo insignificante ou inconveniente. Longe de nós. A contribuição de todos que vivem fora, mas tem o pé aqui, é importante e muitas vezes bem-vinda pela própria população. Não estou propondo cercar Uibaí.
Mas, crer que a população que não é de fora seja apática, idiota, inconsciente, é arrogância e desconhecimento de causa. Muitas vezes os de fora, falando sobre o uibaiense cotidiano, parecem com a esquerda tradicional falando sobre a classe trabalhadora; ponto de vista que o historiador inglês Edward Thompson tanto critica. Os uibaienses de fora auto-intitulados intelectuais “sonham amiúde com uma classe que seja como uma motocicleta cujo assento esteja vazio. Saltando sobre ele, assumem a direção, pois tem a verdadeira teoria”.
Boa parte dessas coisas que os de fora julgam interessantes, a exemplo do movimento Praça Inquieta, do Uibaí tem sede..., das experiências do Grêmio Estudantil Serra Azul, do Teatro Vida, do Teatro do Oprimido, da Associação Semente de Amor, do Dia da Consciência Negra, até do recente Grupo de Cidadania, foram realizadas por pessoas que moram ou moravam em Uibaí. É evidente que o batismo civilizador dos de fora já fez bastante coisa por aqui. Mas, sem ressalvas, uma proposta de fora só é realizável quando bancada por bárbaros do pé da serra.
Os uibaienses de fora não são heróis. Assim como os que permanecem em Uibaí, mesmo sem o toque da civilização enfumaçada de qualquer grande cidade, não são selvagens, inconscientes que precisam de direção consciente para fazer qualquer coisa que os de fora julguem interessante ou não. A realidade uibaiense é mais real para quem a vive 365 dias por ano. E os de fora tomarem decisões pelos que moram em Uibaí de todo dia é algo bastante complicado, soando a autoritarismo. Por esse ângulo, o “forismo” uibaiense é nada mais do que um desdobramento das ilusões do sãopaulocentrismo, do salvadorcentrismo, do brasiliocentrismo.
(flávio dantas Martins)

SEÇÃO INFERNAL

Nossos contra-sensos
Deu na vista: garota de dentes podres atende sorridente seu celular de 700 reais.
Deu na TV: remédio para cachorro é mais barato do que remédio para seres humanos.
Deu na vista: empresário fica bonzinho e deposita 25 mil reais na conta do filho bastardo não assumido.
Deu na TV: caseiro vira bandido por desmentir ministro da fazenda.
Deu na cara: médico come menor, sem camisinha, e engravida a infeliz.
Deu na TV: defensores dos transgênicos invadem e destroem plantação não alterada geneticamente.
Dolorosos contra-sensos
Que diferença há entre a violação do painel do Senado, executada por ACM e a violação da conta do caseiro Francenildo efetuada por parte de setores do PT? Eticamente nenhuma, moralmente nenhuma! O que distingue as teatrais comemorações de Roberto Jefferson, quando da confirmação de suas acusações contra setores do PT e a desengonçada e flácida dança comemorativa da deputada petista Ângela Guadagnin, repetida exaustivamente pela Globo? Moralmente nada, eticamente nada! Por trás de todos esses gestos, que demonstram a indiferença da elite política brasileira pelas instituições do país, esconde-se a velha máxima maquiaveliana: “ os fins justificam os meios!”. Então nos perguntamos perplexos: quais são os fins? Existem mesmo fins ou os meios viraram fins? Teríamos de mudar a máxima para os afins justificam os meios? Vejam bem, equivocados administradores petistas, os fins não justificariam os meios, nem se eles (os fins) fossem os mais nobres. Nada justifica a violação de direitos conseguidos a ferro e sangue. (dioniso tamanduá)