04 maio 2007

BOCA DO INFERNO 35

EDITORIAL

Em 2005, no início da crise do mensalão, nosso caderno apontava, no final de um editorial, a necessidade urgente de uma reforma política e judiciária no país. Entendia-se que um dos caminhos para se sair do lamaçal da corrupção, cujo mensalão era apenas uma das facetas, seria mudar as regras do jogo, as leis referentes à disciplina parlamentar, partidária e também questionar os métodos e comportamento do sistema judiciário, bem como sua disciplina.

A CPI que investigou o valerioduto virou um palco no qual grupos políticos que sempre dilapidaram o patrimônio público encenaram o discurso cínico de que se precisava passar o país a limpo. Figurinhas como ACM Neto, Rodrigo Maia, entre tantos, borboleteavam na frente das câmeras de TV vaticinando o fim da imoralidade política brasileira. Mas todo mundo sabe no que deu a tal CPI. Em nada! Corruptos reeleitos, outros aposentados com gordos salários etc. E pior, o nosso dinheiro, o dinheiro povo, foi novamente jogado fora, pois a investigação implicou gastos altíssimos com auditorias nacionais e internacionais, papel, tinta, impressão, horas extras, viagens aéreas internacionais e contratação de funcionários. Milhões de reais escorreram pelo ralo da Comissão Parlamentar de Inquérito sem resultado algum. E a respeito disso o silêncio agora é sepulcral.

Todo o gasto com a CPI foi inútil porque a maioria esmagadora do congresso compunha-se de grupos, empenhados tão somente em derrubar uns aos outros. A preocupação com o país, com a moralidade pública, era muito pouca, para não dizer inexpressiva. A prova de que isso é verdade é que até hoje não existe reforma política, aliás, nem se fala nisso, principalmente porque o ano que vem é eleitoral e, pelo andar da carruagem, vai seguir os mesmos moldes dos anos anteriores, com caixa-dois, tráfico de influência, manipulação de verbas públicas etc. Ah, se o povo acordasse!

Quanto ao intocável poder judiciário, já se adivinhava a sua podridão e o seu papel de aparelho ideológico do Estado desde o caso Rocha Matos, juiz comandante de uma quadrilha judiciária que advogou em favor da impunidade de Maluf e de muitos grandes empresários em vários casos de superfaturamento de obras e licitações, bem como de desvio milionário de dinheiro público. É claro que há exceções ou mais que isso no judiciário, elas existem em qualquer área. Mas o fato de boa parte dos magistrados brasileiros não se sujeitarem à podridão não quer dizer que o judiciário não esteja podre. O caso do ministro Paulo Medina e da quadrilha de juizes e desembargadores desmontada recentemente pela Polícia Federal nos dão bastantes razões para lutar por uma reforma profunda desse poder. O desfecho que o próprio judiciário tende a dar para o caso Medina, indicando aposentadoria com vencimento integral de R$ 23.000 reais, é um sintoma de que as coisas continuam erradas no judiciário. É praticamente impossível avaliar o tamanho do rombo social, político e financeiro que um ou vários anos de decisões corruptas de um ministro do Supremo Tribunal, como Medina, causaram no Estado. É algo gigantesco e em muitos sentidos irreparável de tal forma que a aposentadoria do ministro corrupto configura-se uma afronta ao povo brasileiro.

Se a gente for adicionar a isso tudo a extensa lista com o número de empresários e políticos ladrões que tiveram seus crimes comprovados nos últimos anos e que continuam soltos e ricos às nossas custas, a gente vai se perguntar qual foi a justiça que os julgou e quais foram os critérios utilizados. E se essa justiça é a mesma que julgou e condenou uma moça pobre e miserável por roubar um pote de margarina, mantendo-a na cadeia até hoje, a gente certamente vai se convencer de que não dá mais para aceitar as coisas do jeito que elas estão.
HÁ BRAÇOS!


LITERATURA POPULAR COM ORGULHO!

Vejam bem, meus caros leitores, muito já sofri com discriminação por causa do tipo de literatura que eu produzo. Já ouvi tudo quanto é disparate a respeito do meu trabalho. Em vez de ficar batendo boca, vou logo dizendo que faço Literatura Popular, do jeito que aprendi no meu universo sertanejo. Sou do pé da serra com muito orgulho.

Mas, para esses aí que viram a cara pros meus versos eu digo o seguinte: a Literatura Popular não é cacoete mental de nordestino pobre, nem tampouco sinônimo de incivilidade. Pelo contrário, esse tipo de literatura surgiu exatamente da necessidade de civilidade, de comunicação e preservação de fatos e histórias na memória do povo.

Houve uma época em que os trovadores, os menestréis, tetravôs ou mais dos poetas repentistas e cordelistas de hoje, desempenhavam uma função social muito importante. Eles eram os jornalistas de uma época em que ainda não existia língua escrita ao acesso de todos e que, portanto, o único meio de comunicação era a fala. Esses homens rodavam o mundo todo parando de reino em reino, de aldeia em aldeia, ouvindo estórias e fatos importantes e divulgando as histórias e fatos que traziam de outras terras e reinos. Assim, eles cumpriam a missão de divulgar a cultura e os acontecimentos do mundo e por isso mesmo eram muito respeitados.

Como não havia escrita, os menestréis criaram modos de memorizar mais facilmente os fatos, então passaram a veiculá-los em versos, inventaram formas, ritmos e rimas, simplificando a memorização das histórias, para eles e para o povo. Quem já leu Dom Quixote, a paródia de novela cavalheiresca de Miguel de Cervantes, publicada entre 1605 e 1615, pôde perceber que o personagem Dom Quixote se surpreende ao chegar a terras longínquas e encontrar suas próprias aventuras já noticiadas por poetas populares. Então, desde sua gênese, a Literatura Popular tem esse cunho social: registra guerras, amores impossíveis como os de Píramo e Tisbe, que, enraizado na cultura popular por esses trovadores, deu a Shakspeare matéria para criar Romeu e Julieta. Registra também, coisas bizarras, comportamentos escabrosos de padres, políticos e homens de poder, tal como as punições que a providência guardou para os atores dessas histórias.

Deu para o leitor perceber que quem discrimina essa literatura não passa de um ignorante que sente dificuldade em situar as coisas nos seus contextos devidos e dana a tachar de ruim tudo que está fora do seu contextozinho elitizado.

Dentre os grandes mestres do nosso Cordel, gênero de maior representação da Literatura Popular no Brasil, destaco o pernambucano Leandro Gomes de Barros, o maior de todos, e o paraibano João Martins de Athayde. Sem desdouro a esses dois mestres e a muitos outros participantes como Patativa do Assaré e Zé Limeira, assumo ser meu mestre e guia o baiano Cuíca de Santo Amaro, que, na primeira metade do século vinte, pregava o seu cordel pelas ruas de Salvador, na boca do Elevador Lacerda e Na Baixa dos Sapateiros. De língua ferina, Cuíca não perdoava as presepadas políticas, nem as contradições morais grosseiras, seja de padres ou demais figurões do poder. Tudo noticiava com escárnio, em tom jocoso e debochado, nas centenas de folhetos que produzia e vendia pelas ruas da capital baiana.

(J.M.da Silva)





PROJETO RUA ATIVA

Abrimos agora, neste número do nosso caderno, amigos leitores, um espaço para o projeto Rua Ativa. O objetivo nosso é incentivar a população das ruas de nossa cidade a escrever sua história, a participar cotidianamente da vida política e cultural da cidade, exigindo atenção do poder público e melhorias para todos. A rua a que nos dedicaremos neste número e a Rua do Cascalho, o Pé de Galinha, mas esperamos que todas as ruas se manifestem e entrem nessa luta. Os textos a seguir compõem o primeiro jornalzinho de Rua de Uibaí: Força do Povo, espaço de expressão que a partir do segundo número deverá ser composto e produzido com a participação do povo do Cascalho. Vamos ao que interessa!





JORNAL FORÇA DO POVO


UM DIA A GENTE CANSA

Olá, amigo morador do Cascalho, esta é a Força do Povo. Um informativo que pretende ser o espaço de expressão e reivindicação dos moradores dessa que é uma das mais antigas ruas de Uibaí e que desde sempre é ignorada pelo poder público. Todo mundo do Cascalho paga imposto, tanto quanto os moradores de outras ruas muito bem tratadas pela prefeitura. E cá na nossa rua, o que a gente ganha por ser honesto e cumpridor das leis? Ganha poeira na cara, buraco e desrespeito, entra ano sai ano! Basta, isso tem que mudar! Chega uma hora que a gente cansa!

Então, o que a gente tem que fazer para acabar com esse desrespeito? Como exigir melhorias para o Cascalho, ou seja, calçamento, saneamento básico, construção de pracinhas na frente da escola Eurico Dutra e no entroncamento do Pé de Galinha, lá embaixo? Como por um fim no abandono? A resposta é simples: se organizando! Se a resposta é simples, a tarefa não é fácil. De início é importante que o pessoal da rua participe de reuniões, organize a associação de moradores do Cascalho, descubra quais são os principais problemas que afetam a comunidade, escolha as prioridades e comece a luta nas instâncias públicas responsáveis, para ir resolvendo os problemas. É preciso acabar de vez, em Uibaí, com essa história de que umas ruas são melhores do que as outras. Todas têm os mesmos direitos e é obrigação da Prefeitura, da Câmara de Vereadores e do Ministério Público entender isso.

Já passou da hora de começar a luta. Todo mundo sabe que voto sem organização, voto sem cobrança, sem consciência não resolve os problemas. Se resolvesse, o Cascalho seria uma das melhores ruas de Uibaí. Se a rua vota em toda eleição e continua com os mesmos problemas há décadas é porque o seu povo ainda não aprendeu que é na luta organizada que se conseguem mudanças. É cobrando do poder público, é exigindo o cumprimento dos direitos constitucionais por meio da participação com abaixo-assinados, ações populares, manifestação pública da opinião, que se obriga o poder a assumir a responsabilidade de cumprir as leis e fazer valer os direitos dos cidadãos. Não fique aí parado, como diria um saudoso morador da rua: A hora é esta!

HÁ MUITO QUE FAZER

A organização do povo do Cascalho certamente porá um fim em muitas injustiças existentes na rua. O Cascalho, por exemplo, tem escola e colégio, porém um grande número de seus filhos sofre com a exclusão educacional. Aí a gente pergunta: não é por meio da educação que se alcançam melhores condições de vida? Pelo menos é isso que a maioria das pesquisas mostra. Pelo menos é isso que diferencia os países desenvolvidos dos menos desenvolvidos. Então é bom que nós do Cascalho abramos os olhos, pois há muito tempo estão nos roubando o direito à educação. Há muito tempo nos impedem de crescer e participar dignamente da sociedade.

Temos que ter educação e da melhor, para que possamos construir e preservar bons valores. O Cascalho é riquíssimo em talentos e em pessoas de bom caráter. É desse tipo de gente que o mundo necessita.

Torna-se importante, desse modo, criar espaços culturais, espaços de debates, onde o potencial inventivo da comunidade do Cascalho aflore e produza bons frutos, enriquecendo cada vez mais a vida da rua. Assim, se todos participarem com a intenção de construir esses caminhos, mais rápida será a melhora na qualidade de vida de todos os moradores.


QUEM SOMOS NÓS?

Essa é uma pergunta que os moradores do Cascalho devem fazer a si mesmos. A resposta sincera a esse questionamento abrirá caminho para o entendimento da história de vida e de luta de todos os moradores. A soma das respostas dos moradores dará o perfil da rua, bem como de suas necessidades. Dentro desse perfil, aparecerá muita coisa boa. Muita história alegre, daquelas que a gente ouvia debaixo dos juazeiros da rua, derrubados recentemente ou debaixo da algaroba de seu Vanderlino. Aí a gente vai descobrir e somar as boas idéias e os anseios do povo de seu Genéis, de Sinezão, de Adonel, de Bamba, de Mariinha, de Ricarte e Belita, de Bernadete, de Dão e Terezinha, de Minalva, de Clício, de Valdivino e dona Nair, de Catarina de seu Amâncio, de Garibaldi, de Rubim, de Dinha, de Zerinão, Manilim e companhia, do povo de dona Antônia, do povo de Maroca de Edmundo, de Tõezinho e Catarina, de Nica, de Leno, de Ariston, de Véi, de dona Cota e de tantos outros núcleos que compõem a comunidade do Cascalho, unindo todos numa só luta por melhorias para todos.
Contamos com sua participação no próximo número.


POVO NÃO É GADO

Tem político desejando que o povo seja gado
Povo que não dá pitaco, cai logo no seu agrado.
O povo como rebanho fica sempre abandonado
E tudo quanto é riqueza vai pro bolso do safado.
A grana que era do povo vira logo ostentação
Vira pro povo desgraça, pobreza e exclusão.
Pro ladrão vira o chicote que comanda a danação
Do povo gado dormente que abaixa o cedém
Porque é cego e não sabe usar a força que tem.
(J.M. da Silva)