25 maio 2009

BOCA DO INFERNO - 42

Chegamos ao número 42. Tudo aí embaixo reflete preocupação com a educação, a cultura e a gestão política do nosso patrimônio público. A gente sabe que em política há uma zona cinzenta em que se diluem os princípios encenados no palco social. A gente compreende que a simulação e a dissimulação fazem parte da política e que isso boa parte das vezes faz a politicagem permear a política e até mesmo superá-la, com consequências drásticas... Faz o privado e o público, o moral e seu inverso perderem a fronteira, criando uma zona nebulosa em que certo e errado só vão ganhar contornos claros a posteriori. Assim, as consequências dirão sobre a correção dos gestos, sobre sua natureza e validade.

Mas compreender essa natureza do político não nos obriga a aceitá-la de imediato, a concordar, a nos submeter incondicionalmente a seus movimentos. Há muito em jogo. Talvez o próprio jogo político e sua credibilidade estejam em risco. Quando nos abstemos de questionar, pomos em risco um patrimônio maior: a saúde pública, a educação, o saneamento urbano, as boas condições de vida rural etc. Quando assim o fazemos, destruimos o sentido da vida em sociedade, do respeito aos outros, da solidariedade, da fraternidade sadia que bem pode nortear as relações dentro de um município pequeno como a Canabrava. HÁ BRAÇOS!

21 maio 2009

AVANÇO E RETROCESSO

Devo muito às casas de estudantes. Os obstáculos que venci para alcançar títulos acadêmicos e posições de prestígio na minha área de formação seriam bem mais duros caso não tivesse contado com o apoio dessas moradias, em momentos fundamentais da minha formação. Vivi na Ceubras (DF), onde fui presidente e diretor de cultura, na CEU-I (GO), e na CEU-III(GO), esta última tive a honra de ajudar a construir em Goiânia. Se devo muito às moradias estudantis, o movimento de moradia nacional também me deve alguma coisa, pois fui um morador de casa atuante e meu trabalho se concentrou sobretudo na luta pela autonomia dessas entidades estudantis Brasil afora e por assistência governamental, sem prejuizos à independência das casas.
Recentemente, este caderno publicou o que seria um projeto de assistência estudantil encomendado pelo prefeito de Uibaí. O Boca do Inferno classificou o projeto como algo que poria o prefeito na história, pela abrangência assistencial e pela compreensão de que a educação é o mais valioso patrimônio da Canabrava. Li atentamente a peça e não tive dúvidas de que se tratava de algo realmente importante. A iniciativa do prefeito, se aprovada pelo legislativo só trará benefícios para o Pé da Serra.
Pois bem, agora recebemos aqui as informações de que está marcado para dia 24 de maio um encontro estudantil em Salvador, onde se reunirão representantes das casas de estudantes uibaienses para discutir a assistência estudantil municipal e, segundo alguns, a "nacionalização da aeusu" (aberração jurídica de uma inconstitucionalidade amadora). A se levar em conta os comentários de alguns dos interessados, a principal estratégia é formalizar, via aeusu, um modo de sujeitar as moradias estudantis. A quem interessa a sujeição das casas? Estariam buscando a centralização das casas com que interesse? Seriam os mesmos interesses que moveram as investidas de Hamilton e Renato nos anos de 1980 e 1990?
Há alguns anos( fevereiro de 2006), defendi em texto que "casa de estudantes é espaço de diversidade, de debate de ideias, de convivência com diferenças, conflitos sociais e subjetivos os mais variados, sendo isso o motor do processo educativo que propicia o crescimento da consciência e naturalmente o fortalecimento da cidadania. Não convém a esse tipo de moradia assumir partido algum. Como espaços educativos, as Ceus devem se manter abertas, pois não existe processo educativo em espaços ideologicamente fechados, existe sim domesticação, bitolação, embrutecimento mental".
Quando escrevi o conteúdo acima, em destaque, percebia uma espécie de aparelhamento partidário dentro das casas e presumia o quanto seria nocivo ao crescimento do real senso crítico. A centralização ou, como estão dizendo muitos dos interessados, "a sujeição" das casas à aeusu pode se constituir num mecanismo de controle político das moradias, pode encaminhá-las para a lógica do alojamento estudantil, como descrevi há bastante tempo em outro texto (Moradia Estudantil, 2002) ou para a destruição da identidade de cada casa. Se o aparelhamento e controle das casas for o real interesse dessa mobilização pró "nacionalização da aeusu", o projeto de Assistência Estudantil, que inquestionavelmente representa um avanço enorme, sofrerá um golpe de retrocesso violento mesmo antes de sair do papel.
A lógica primária que estaria por trás do entendimento de alguns puxadores desse movimento seria a seguinte: se a aeusu é uma associação externa ao ambiente de moradia, poder-se-a, criando-se seccionais dirigidas por pessoas ligadas ao poder municipal, controlar ou decidir o que os moradores e a casa devem fazer, principalmente em termos de política. Sinceramente, não estariam os nacionalizadores da aeusu superestimando as casas de Uibaí? Se assim o estão fazendo, não as estariam destruindo como espaços educativos? Convenhamos, se assim for, isso é realmente bem primário! HÁ BRAÇOS! alan

10 maio 2009

PRELÚDIO PARA UMA MEMÓRIA MUSICAL CANABRABEIRA

Mah e Juca, no Palco Livre, integrantes da nova geração musical de Uibaí

Em Uibaí, num primeiro momento, o que se preservou em termos de musicalidade, com o passar das décadas, foram as influências da música produzida nos anos de 1950. Não mais que os bolerões entoados pelos irmãos Nemi e Valmir Rosa e por Tobias, músicas de vertente romântica populares na década de 1950. A principal característica desse estilo é que a voz é o elemento mais importante e o violão simples acompanhamento. Assim, a boa música é aquela entoada a plenos pulmões. Coisa de tenor, coisa de uma época escassa em tecnologia sonora. A ausência de amplificação e microfones garantiu a supremacia desse estilo no Brasil inteiro, numa época em que o rádio era o grande veículo de difusão de cultura e de informação em massa.
Nemi Rosa, representante da velha guarda.
O primeiro sinal de abertura para experiências musicais mais modernas na Canabrava veio com o surgimento de Zé Índio, filho do poeta Valmir Rosa. No período em que viveu em Salvador, Zé Índio deu início a suas atividades de compositor de MPB. Foi a partir desse momento que a temática local e regional entraram em nossa música, bem como a crítica social.

Vejamos alguns exemplos das temáticas trazidas pela música de Zé Índio: a temática social: “Pão recheado com pão/ É a comida de João/ Hoje ele comeu carne/ Atacou uma congestão/ Seus órgãos só conheciam/ a vitamina do pão”; a temática regional e local: “eu sou sertanejo/ porque no sertão/ no sertão eu nasci/ sou do pé de serra/ de uma linda terra/ Uibaí”; “Quando o galo canta no quintal/ Anunciando que o dia vai nascer” a temática romântica sertaneja: “Onde andará a flor de maracujá?/ Eu sei onde a flor estiver/ meu amor também está”. Mais tarde, Zé Índio também fez experiências com o forró. Zé foi o primeiro cantor profissional de Uibaí, o primeiro a gravar disco, coisa quase impossível até o surgimento da tecnologia laser de CD dos anos de 1990, que aposentou o vinil.
Zé Índio em São Paulo, precursor da modernidade musical canabrabeira. Foto do orkut do cantor.
Alguns anos depois do surgimento de Zé Índio, houve dois momentos em que se tentou organizar a turma da música em Uibaí. O primeiro momento se deu com a criação da Fundação dos Artistas de Uibaí (FAU), articulada por Enoch Carneiro, em 1987. Um pouco depois de a FAU ser desativada, veio o segundo momento com o aparecimento do Grupo do Violão, articulado por Rui de Maroca e Pio de Rosinha, do qual faziam parte ainda Enoch, Simara, entre outros.

Em meados dos anos de 1980, a cultura de massa e sua música comercial exerceriam influência total na região, com a eclosão do Axé Music. Esse gênero dominou os bailes na região de Irecê. Bandas como Flor de Cactus, The Jet Sons, Tapajós, entre tantas que tocavam naquele período, embalaram os bailes com a nova sonoridade exercida por Luis Caldas, Missinho, Sarah Jane, Gerônimo, Banda Mel, Reflexus, Chiclete e cia. Antes mesmo de esgotar por completo a euforia inicial do Axé, já se desfrutava também na região de uma febre de Lambada e posteriormente de Música Sertaneja. A música Sertaneja gerou em Uibaí a dupla Moreno e Morenito, liderada por Beto de Roxão. A dupla chegou a gozar de certo sucesso e até influenciou alguns jovens como Ailton de Tõe de Bolô. Mais recentemente Uibaí ainda vivenciou um surto de pagode em estilo soteropolitano.

Com o clima de renovação cultural engendrado pelas semanas de arte, a partir de 1988, popularizaram-se a cantoria, com Joãozinho de Miro e Reinam do Poço e o reggae com sotaque de Celito, que teve seu momento de brilho nos anos de 1990, quando emplacou sucessos como "Jogador de bola", "Zezim de Lia" e "Caatinga do Cruel", isso um pouco antes de Simara despontar como cantora prodígio nos palcos juninos. Nessa direção, teve impulso o rock de Cassiano de Rubim e o rock de Marlon de Tonico, com a banda Caatinga Culta, posteriormente evoluída para Metamundo; apareceram ainda o grupo Banda voar, com Luisinho, Nemi, Gilson, Edimário e Rodolfo e o som forte de Nino Lima e Angelito... Por último, com o ressurgimento do Grêmio, presenciou-se, por iniciativa de Ari e Rui de Maroca, a introdução do samba na Canabrava.

Movida por uma pesquisa musical que incluía, entre outros clássicos do samba, a audição atenta de Clementina de Jesus, Noel Rosa, Cartola, Adoniram Barbosa e Nelson Cavaquinho. A dupla Rui/Ari principiou a produção de uma espécie de samba com sotaque caatingueiro, cuja temática se estende do rio São Francisco, em Xique-xique, ao pé da Serra Azul. O samba regional de Ari e Rui vem produzindo algumas pérolas como Samba da caatinga: "Mulherada gentileza/justifique numa boa/quem coloca o ovo azul /o cancão ou a cancoa?/... Diz o samba da caatinga/na cantiga do cangaço/cabaça cheia de furos/cabeça, chuva, cabaço" (...) e Ribeirinho canoeiro: "joga tua rede pro ar, canoeiro/sobre o espelho barrento/que o rebento do lado de cá/ancora couro ao tempo. ... O homem, peixe-boi se foi/da paisagem no momento/cantiga, força, corpo, luz/ navegando contra o vento" (...)
Ari e o samba regional, no Palco Livre do Grêmio

O importante de lembrar tudo isso ao nosso leitor, mesmo que de forma incompleta, é mostrar que temos valor, temos idéias e vamos evoluindo, crescendo dentro da convivência cultural e de suas confluências, de modo a ganharmos identidade. Se São Gabriel achou sua identidade musical na cantoria, Uibaí, precursor de São Gabriel, como se pode ver é muito mais complexo: já produz seu rock, sua cantoria, seu samba, seu reggae etc. E assiste, no atual momento, o surgimento de uma nova geração de bons músicos cantoras e cantores de estilos variados. HÁ BRAÇOS! alan

03 maio 2009

TEATRO DE LUTO

O teatro está de luto. Morreu neste final de semana Augusto Boal, o dramaturgo brasileiro criador do Teatro do Oprimido, do Teatro Legislativo e do Teatro Fórum. Boal foi um intenso militante de esquerda que se notabilizou mundo afora por conseguir aliar a técnica teatral à praxis política cotidiana. Seu teatro inegavelmente representa um instrumento de transformação social na medida em que põe no jogo dramático questões do dia a dia do povo simples e faz esse povo ator direto dessas questões.

O teatro de Boal funciona como uma espécie de laboratório de cidadania. Em Uibaí, essa vertente do teatro contemporâneo foi utilizada pela primeira vez no Praça Inquieta, em 2003. As ações teatrais do Praça Inquieta foram coordenadas por Pita Paiva, que aprendeu as técnicas teatrais de Augusto Boal em um curso ministrado no Rio de Janeiro. Hoje o grupo de teatro SEU dá continuidade a essa corrente teatral no município e na região de Irecê. Há braços!