06 novembro 2010

O OURO DE MURIBECA- 2


Já não podia mais! Os pés latejavam dentro da botina gasta, costurada com pedaços de arame. O homem parecia um trapo na escuridão acidentada e espinhosa da serra.  Cambaleou por um carreiro estreito, encontrado depois de quebrar muito mato nos peitos e foi sair debaixo de uma gigante gameleira, com o imenso tronco corroído por fogo. Foi-lhe possível ver isso depois que acendeu uma fogueira no acerado existente debaixo da árvore. Sem dúvidas, ali era ponto de caçadores. Lugar de descanso. Estirou um desgastado couro de bode ao lado do fogo e deitou-se meio que abraçado à espingarda. Enquanto roia um taco de carne seca ali no abandono do chão, via uma ou outra estrela piscando através das falhas movediças da copa da gameleira. Um vento frio uivava desde lá de cima. O cachorro exausto enrodilhado num sono inocente. E o homem? O homem sonhava com a glória. Com o seu pote de ouro; e sorria mais por dentro do que por fora do corpo maltratado, carcomido aqui acolá pelos afagos rudes da caatinga. E o dourado dourava tudo: moedas se transformavam em belas flores amarelas,  ora em apetitosas gemas de ovos, ora em abundantes girassois, ora em abismos coloridos nos quais despencava feliz.

E dentro desse transe que não distinguia sono de vigília, o áureo das imagens se dissipou com um turro tenebroso. E tudo escureceu novamente, e o crepitar da fogueira já não dava conta da vastidão das sombras, e o corpo transido passou a perceber o frio que o sonho escondia. Mais um turro! O cachorro magro eriçou o pelo cinza do pescoço e exalou cego no mato... Mais outro e outro quase debaixo da árvore, no que o homem deu por si saltando de lado, agarrado à socadeira e tateando o tronco da imensa árvore à procura de socorro. O coração saltava à boca e as pernas bambeavam. A cabeça já o acudia com lembranças de livusias e demônios. 
Coisas ruins azedavam o seu estômago. Mesmo trêmulo, conseguiu, com inexplicável rapidez, arrastar o corpo para cima de um galho que pendia da parte inferior da copa da árvore. Encolheu-se ali com a espingarda de prontidão e ficou esperando o encontro com o pior. A vida valia um último esforço. Ninguém iria arrancá-lo da vida antes de ele ter seu sonho debaixo do braço, como o velho Muribeca havia prometido. O que tivesse que ser seria! Pensava nisso... Pensava também no pote de ouro enquanto ia-se inundando de medo, assombrado pelo desconhecido. Pegou a tremer violentamente, a se espremer e a se contrair evitando o maligno que emergia dos rasgos abertos no breu da noite por aqueles grunhidos estranhos.
Valei-me, meu Pai! Nessas horas, a quem mais apegar? E rezava e beijava o cano da espingarda. Até que a moribunda luz da fogueira fez aparecer o vulto de uma onça pintada das grandes. O bicho farejava desconfiado e não escondia a magreza faminta.  Sob a pálida iluminação avultava-se um animal medonho, com cara de poucos amigos. Assombrado, o homem tremia diante da fera postada a pouco mais de dois metros. Quando conseguiu mover o dedo paralisado de medo, um estrondo e um clarão foram seguidos de um grito horrendo. O homem deu por si estabanado no chão  e em sua frente o imenso gato selvagem agonizava com um jorro de sangue a esguichar do pé do pescoço. (segue) Há braços! 

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