06 novembro 2010

O OURO DE MURIBECA-3

Paralisado, lívido, gelado, o homem permaneceu no lugar em que caíra. Os olhos arregalados e fixos fitavam a cara malvada do felino que arquejava na agonia da morte. E ambos ficaram assim olho no olho, o homem e a fera. Foi então que se pôs a mirar o amarelo da pelagem da onça. Ele ali com o rosto colado no chão e o olhar grudado no dourado da onça e tudo foi ficando intensamente amarelo, como se houvesse um fogo frio que se espalhava, tornando tudo da mesma cor até não existir mais nada além do amarelo.
Desse amarelo, de súbito, saltou o velho barbudo com o pote de ouro debaixo do braço, repetindo um mote: olha o dourado da onça! O dourado da onça é o que ela come! Olha o que ela come! E o velho repetia compassadamente esse mote e o homem atordoado com tanta amarelidão sentia que alguém comia e lambia algo com sofreguidão. Foi assim que despertou com o vulto cinzento do cachorro magro tremendo, grunhindo e lambendo seu rosto.
A onça jazia ao lado do resto de fogueira. Aí aquele nada de gente sentiu que poderia mover o corpo, se levantou com as mãos nos quadris doloridos e ficou olhando o bichão estirado ao lado da poça de sangue coalhado pelo calor da fogueira. Confuso, lembrou-se do mote que o velho repetia. Era um sinal? O velho queria o quê? Que bestajada era aquela de que o dourado da onça é o que ela come? O que ela come é dourado? Por quê? Mas que tolice: onça come gente, come carne! Não tem nada de dourado nisso! O velho tava debochando?
Num estalo, o homem caiu numa cisma...  Catou a capanga largada no pé do tronco da gameleira e tirou de dentro uma faca afiada com a qual decidiu abrir a barriga da onça. Onça não come nada dourado, mas se o velho tá dizendo vou tirar essa história a limpo agora! Baixou a peixeira nas entranhas do bicho arrastando o que tinha dentro para fora. Atiçou o fogo com um fecho de gravetos que havia deixado ao lado e jogou umas toras sobre as chamas que nasciam. Quando o fogo cresceu e clareou o vão debaixo da árvore viu que estava todo ensanguentado, ajoelhado sobre as vísceras do animal. Com um talho, abriu uma bolsa ovalada grudada nas tripas do bicho deduzindo ser o estômago e em meio à massa gosmenta que emergia do interior da bolsa viu brilhar o que parecia uma moeda dourada.
Esqueceu-se de tudo. De joelhos permaneceu com aquela coisa dourada nas mãos. Olhava, mordia, cheirava, esfregava e fechava na mão apertando contra o peito. O velho estava do seu lado. O velho tinha razão. O velho só queria o seu bem. Ele jamais iria desistir. Agora mais que nunca. Era só seguir a trilha da onça, encontrar sua toca e pronto. Era isso, o velho guardou tudo na toca da onça, bastava achá-la. Seus dias de  labuta chegariam ao fim. O velho entregou o caminho do ouro.
.Respirou fundo, chegou a ouvir o cri-cri de grilos distantes... Veio então ao seu encontro a imagem da mulher sofrida. Dos filhos espalhados pelas roças alheias fazendo de um tudo para sobreviver. Mas isso ia acabar. Agora era só felicidade. Muito ouro, muita comida, muita alegria, muitos amigos. Respirou fundo e finalmente sentiu um relaxamento como jamais seu corpo havia experimentado nos últimos 50 anos. Deixou-se cair para trás e adormeceu ao lado da onça morta.  (segue)

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