09 novembro 2010

O OURO DE MURIBECA- 6

Tá vendo o que tu me fez fazer, mundiça ruim? Veja aqui, satanás, o que eu tirei de dentro de tua barriga? O homem gesticulava com a faca em uma das mãos e o que parecia uma moeda de ouro na outra mão lavada de sangue. Ninguém me tira o ouro que o velho me deu... Nem mesmo tu, safado! Dito isso, o homem inventou de costurar grosseiramente, com tiras de pele arrancadas do cachorro magro, o couro da onça e o couro velho de bode que lhe servia de cama. No final de tudo, suado e lambuzado de sangue, tinha em mãos um saco de couro grande no qual começou a atirar todas as peças do tesouro que tinha amontoado. Encheu o saco e jogou nas costas, suportando um peso imenso. Era uma tarefa bruta carregar aquele fardo pesado serra abaixo, mas ínfima perto das agruras por que já havia passado. Mesmo porque seu vale de lágrimas estava perto do fim e nesse momento então qualquer esforço era indispensável.
E foi numa toada triste que o homem começou a trilhar o caminho de volta para casa. Depois que se livrara do cachorro magro, não achou mais motivos para rir. Ficou em silêncio, macambúzio, sisudo e assim se manteve durante a descida, mesmo nos tombos terríveis que levara abraçado ao embrulho do seu tesouro. E tombo a tombo foi angariando rasgos nos braços, cortes na cabeça, esfolações nas costas, nos joelhos e nas pernas que o iam cobrindo de sangue fresco, mosquitos e mutucas. Arrastava o saco do tesouro sofregamente entre pedregulhos, macambiras e unhas de gato, como se fosse uma cruz terrível,  numa via sacra violenta. Mas ia silencioso, ensimesmado, incutido, alheio às dilacerações e à crueza da caatinga. Nessa peleja, ia-se transfigurando em trapo humano, num verme grande, grudento e fedido a se arrastar com dificuldades no acidentado da serra.
Andou, andou, andou horas a fio... Driblou pedregulho, pulou moitas de quipá e macambira até que tombou por cima do fardo do tesouro mais uma vez. Ficou ali imóvel, exaurido, tisnado de moscas e mutucas.  Quando conseguiu erguer um pouco a cabeça avistou, na ponta de uma encosta, as luzes pálidas da cidade já próxima. Assim, ganhou forças para se levantar e retomar a trilha. O velho tava com ele... Só o velho... Ele tinha a pura razão... Não mentiu e nem o enganou. Os outros o abandonaram, o traíram, o desprezaram. Deu fé por fim que a sua vida teria um recomeço feliz e tocou a caminhada tropegamente na direção das luzes. (segue)

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