31 dezembro 2010

BOCA DO INFERNO -66: ALGUMA LUZ PARA O ANO NOVO

-Ai dela, morta e viva na caçapa! Esse foi o grito de emoção quando viu a bola sete encalacrada na caçapa da mesa de sinuca. Estava pela bola sete! Na vida e no jogo! Nem sabia se ia voltar para casa. Então gritou para o negro suarento atrás do balcão: -Traz mais uma aí que eu quero ver essa infeliz furar a estopa! Ou ela morre ou eu morro! Ouvindo essa, o negro dono do boteco não perdeu a chance: -Não morre não infeliz, teu pendura tá comprido aqui! (E deu uma gaitada).Meu estoque de quebrafacão e jatobá já  foi pro saco! Trata de matar essa xibunga dessa bola! E toma a vitória como se fosse um recomeço na vida! Nisso entrou um meninote no bar: -Seu Manilim, mãe mandou buscar um litro de querosene! Depois pai paga! 
O cabra que mirava a bola sete com o taco ameaçando a bola branca levantou a cabeça: -Tua mãe acha que eu sou rico é Damião? Para de malinar nesses sacos de pipoca aí e puxa pra casa! -Mas pai, hoje é virada do ano, a gente vai ficar no escuro de novo? Eu queria pelo menos ler uma história do livro da escola para mainha e as meninas! Uma estória bonita de final de ano feliz, como fazer isso no escuro? Os candeeiros já comeram a matula quase toda, sem uma gota de querosene! - Dá um um jeito de ler essa bobajada enquanto tiver claro! O pai interveio sem pena. - Mas pai, minha mãe e as meninas só vão pra casa à noite, depois que acabar o eito combinado da arranca de feijão de seu Modesto. Agora, ela só passou lá em casa para cozinhar um feijão para nós. - Vixemaria, era hoje é? Nem lembrei dessa coisa! Disse o pai coçando a cabeça e apoiando o taco de sinuca sobre a ponta da sandália velha de couro. - Tô empembado mesmo! É coisa do cão isso! 
Seu Manilim já ia dar uma sugesta quando entrou o negro Soizinha no estabelecimento: -Oi, merimãozim! Cela largou Soizinha, mas num tem nada não merimãozim, Soiza dá um jeito! O que importa é que Soiza tá vivo, num é merimão? Enquanto dizia isso Soizinha quebrava o corpo para um lado e para outro, ia para frente e para trás quase imitando um gingado de capoeira. - E esse bitelim aqui é teu merimão? Perguntou o negro Soizinha para o homem apoiando o braço no taco de sinuca. Soizinha alisava a cabeça do menino enquanto abria um sorriso simpático. - Ô merimãozim, Soizinha queria um bichim desse aqui, mas Soiza num pode merimão! É muita labuta mode criar o bichim! Tem que dar o dicumê, os estudo, umas mudinha de pano pra mode agasalhar o bichim e Soizinha num tem de onde tirar, merimãozim! Por isso Soiza ficou aqui só!
 O homem finalmente conseguiu enxergar o menino ali diante dele, ao lado do negro Soizinha. Jamais tinha olhado para o filho de tal maneira. Olhou nos olhos do moleque e viu que havia certa altivez e um frescor de esperança que ele mesmo nunca teve. Sentiu-se orgulhoso por um instante. Aquele moleque ali tinha bons sentimentos, tinha alma de desbravador e ele mesquinhando um litro de querosene, enquanto enchia a cara de pinga e jogava sinuca! Um derrotado querendo derrotar o próprio filho.
 Olhou para a bola sete encalacrada na caçapa do canto da mesa de sinuca. Largou o taco e foi abraçar o moleque como nunca havia feito. Tomado de emoção foi ao balcão: - Seu Manilim, me bota um litro de gás aí e ajeita uns quatro pacotes de pipoca para meu menino aqui. Seu Manilim que viu no olhar do homem uma mudança, algo  diferente do de sempre, nem se importou com mais um pendura. Providenciou o querosene e as pipocas. Então o homem pegou as provisões e já ia saindo abraçado ao menino quando ouviu a voz do dono do boteco lá de detrás do balcão: - Não vai derrubar a bola sete não? Foi nesse momento que Soizinha atalhou a conversa de Manilim. Não perdeu tempo e interferiu antes de qualquer resposta do homem: - Ô merimão, o home já venceu a partida, sossega!   HÁ BRAÇOS!

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