19 setembro 2010

OPERÁRIO DAS RUÍNAS

Conforme um amigo de ofício acadêmico, a poesia de Augusto dos Anjos traça uma descenção. Sua tese fala de uma "descenção poética " na obra do poeta paraibano que grotescamente chamam de simbolista, parnasiano, pré-modernista. Pré-modernista por quê? Por que produziu antes da semana de 1922? Tenham dó! Quer dizer que Charles Baudelaire é um arauto da modernidade e Augusto apenas um pré-modernista? Ignorância tem limite, minha gente. Esse é o mal de quererem fechar a Literatura em forminhas lineares e cronológicas. Fico pensando no  que restaria de Cervantes na mão desses estabelecedores de reputações literárias. Mas, voltemos ao que interessa.
 Na poesia anjelina  pode-se vislumbrar uma descida, do homem ao verme. Resumindo melhor:  homem-morte-coveiro-verme. O verme é o último no declive material da existência. O homem nessa poesia se sobressai principalmente como matéria. Não há metafísica aí; e se houver, nela o grande Deus é o verme: o eterno, o indestrutível, o primeiro e o último na escala da composição e decomposição da matéria. Essa onipotência divina vemos no poema Deus-vermeFator universal do transformismo./Filho da teleológica matéria,/Na superabundância ou na miséria,/Verme - é o seu nome obscuro de batismo. Como vemos, o verme é um operário de labor eterno na transformação de tudo que tem vida. Assim, a escatologia, intrínseca ao mundo da decomposição da matéria, atravessa essa poesia, mas, aristotelicamente falando,  em estado de arte seu impacto é atenuado: Já o verme — este operário das ruínas —/Que o sangue podre das carnificinas/Come, e à vida em geral declara guerra,/Anda a espreitar meus olhos para roê-los, /E há-de deixar-me apenas os cabelos, /Na frialdade inorgânica da terra! Eis a modernidade de Augusto dos Anjos. Sua poesia nos traz uma reflexão sobre a vida em seu estado de desintegração e alça o verme, esse elemento baixo,esse tema sem nobreza, com sua crônica da degradação ao centro da poesia. E não podemos duvidar de que o verme é um ser  misterioso que na escala montada pelo poeta nascido no Engenho Pau D´arco assume deveras a mais relevante, a mais poderosa posição. Há braços!

Um comentário:

Unknown disse...

Vermes e decomposição, tudo o que O Homem tem aversão, vi em Augusto do Anjos. Obra pequena, mas de infinita qualidade. Meu colega Rai de Chato da Quixabeira, declama Augusto, declara o desamor à vida. Esse enquadramento literário só serve para preenxer os livros didaticos.