09 julho 2010

MITOS SÃO CONSTRUÇÕES E NÃO ESTÃO LIVRES DA DEMOLIÇÃO

Ao lado, A condição humana (1934), pintura de René Margritte.
Sou do mundo da linguagem, acho que já disse isso por aqui em algum lugar. Pensar por esse caminho quer dizer um monte de coisas. Para mim, em princípio, quer dizer que a linguagem   ( linguagem em sentido  bem lato) estabelece a ordem num mundo sem ordem. Se a ordem do mundo é uma construção, o que move o meu espírito é a preocupação constante de saber como se vai montando a ordem ao longo do jogo simbólico ininterrupto. Quem atribui sentidos a determinados signos e quem  organiza os sentidos em redes de significação que vão constituindo campos ideológicos? Sim, porque só há ordem se houver sentido. Importa-me saber e perscrutar, e entender como esses campos vão capturando indivíduos e sujeitando-os, melhor, transformando-os em sujeitos. Ou mesmo, como os indivíduos, com os desejos dispersos na massa simbólica e movediça, vão se territorializando, se fazendo sujeitos em zonas de intensidade. 
No texto anterior, manifestei minha descrença na pureza humana. Na verdade, estava apenas exercitando essa consciência de quem se sabe irremediavelmente preso ao mundo simbólico, de quem compreende a  impossibilidade de saltar para fora dessa teia de sentidos, mas que bem pode, sabendo-se parte dela, desvendar seus segredos e desatar nós desnecessários; cortar fios estúpidos e desacreditar  redes de sentidos nefastas, ou pelo menos apontar quem organiza os novelos e para quê. Nesse enredo, entra também a crítica que tenho feito a certos mitos, ou ao apego cego a mitos. Não há nada de purista na crítica. Não posso ser purista se não acredito em pureza. De fato, de tudo que tenho dito, não fica difícil concluir que mitos são importantes tanto quanto qualquer história real. Há bastante tempo Claude Levi-Strauss já postulara isso em estudos antropológicos consistentes.  Onde está o erro então? O erro está na vigarice com que muitos vêm  trabalhando na elaboração de mitos toscos, com a finalidade única de sustentar causas descabidas e enredos falaciosos. Desse modo, não ponham mitos de araque no meu caminho, pois faço questão de arrancar-lhes a falsidade e a má-fé pela raiz. 
O próprio Lévi-Strauss sempre demonstrou muita cautela ao tratar do assunto, como podemos perceber  na passagem de Mito e Significado a seguir: As histórias de carácter mitológico são, ou parecem ser, arbitrárias, sem significado, absurdas, mas apesar de tudo dir-se-ia que reaparecem um pouco por toda a parte. Uma criação «fantasiosa» da mente num determinado lugar seria obrigatoriamente única – não se esperaria encontrar a mesma criação num lugar completamente diferente. O meu problema era tentar descobrir se havia algum tipo de ordem por detrás desta desordem aparente – e era tudo. Não afirmo que haja conclusões a tirar de todo esse material.  Pois bem, vamos perguntar com Lévi-Strauss: qual a ordem "por detrás" do mito do Vicente Veloso heróico? A necessidade de quem ele vem satisfazer? Qual rede de sentidos ele alimenta? Qual teia ideológica ou fronteira territorial ele faz prosperar? Quem lucra com essa rede de subjetivação? Há braços! 

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