30 julho 2010

AÇÕES INDISSOCIADAS PELA HUMANIDADE


A era de produção intensa e veloz em que vivemos suscita preocupações e questionamentos os mais variados. A voracidade com que somos tomados pelo consumismo, com que respondemos à descartabilidade de bens e produtos assusta aos mais reflexivos.  Esse ritmo de consumo acelerado no qual o planeta mergulhou leva os mais atentos a algumas conclusões: se seguirmos com essa lógica de consumo, chegaremos ao esgotamento dos recursos naturais e esse processo de esgotamento já dá sinais catastróficos com o que vem sendo chamado de “Aquecimento global”. Como saída para essas conclusões aparecem ações que redirecionam o posicionamento diante do uso dos recursos do planeta. As variadas propostas de reciclagem e de reutilização de matéria que antes era descartada passam a ganhar status de preocupação com o equilíbrio da Terra. As noções de sustentabilidade e de exploração racional começam a dominar os espaços de comunicação e setores governamentais no mundo.
A maneira como essas preocupações tem ganhado destaque é questionável. A tese do aquecimento global, a preocupação com a natureza passou a ser um elemento publicitário positivo. Não se questiona, por exemplo, se a terra é um organismo vivo que tem seus ciclos geológicos; que tem períodos mais árticos e períodos mais quentes e cujo metabolismo vai sofrendo naturalmente efeitos e alterações em períodos alternados ou adaptações fisiológicas ao espaço em que se encontra. Em sentido amplo, a preocupação ambiental virou uma espécie de discurso publicitário que produz dividendo e aumenta o lucro de empresas que continuam praticando o desperdício e a destruição desnecessária do meio ambiente.
Fora dessa lógica de mercado, mas no interior do jogo político mundial que elegeu o tema do aquecimento da terra como estratégia de hegemonização dos espaços de poder planetário atuam células de resistência e de organização e realização de práticas realmente preocupadas com a restituição ou manutenção da qualidade de vida tendo em vista a convivência harmoniosa com o ambiente, com a natureza. Essas células são pequenas ONGs ou associações que trabalham não apenas na exploração publicitária das questões ambientais, mas principalmente no redirecionamento dessas preocupações para um campo de consciência e práxis preocupado em estabelecer um perfil de humanidade que agregue as preocupações ambientais como parte do seu modo de ser cotidiano.
A ação dessas organizações se aproxima daquilo que Félix Guattari chamou de três ecologias. A luta por uma nova humanidade passa como nos faz crer Guattari por uma Ecosofia, por um viés crítico e prático que leva em conta a existência de uma ecologia mental, uma social e outra natural. Esse viés considera ainda que a relação entre esses três registros é intrínseca, ou seja, não há como praticar uma ecologia natural negligenciando a ecologia mental e a social, sem cair no vazio ou no charlatanismo publicitário. A saúde mental é indissociável da saúde social. Um indivíduo doente alimenta um meio social doente bem como um meio social doente gera o indivíduo doente e estes em consequência destroem o meio ambiente que, destruído, interfere negativamente em suas vidas. A preocupação com a natureza, desse modo, não pode excluir a preocupação com a educação, com as subjetividades estranguladas, com a pobreza, com a fome endêmica, com a violência...
     Entre as diversas células de resistência que militam no meio social encontramos as ações articuladas de dois grupos cujas preocupações convergem para essa visão ecosófica postulada por Guattari: A ONG 4 Elementos  e o Caderno Cultural Boca do Inferno. A ONG 4 Elementos, presidida pela bióloga Carmencita Tonelini, é uma associação civil de caráter socioambiental, sem fins lucrativos. Seu quadro de associados é composto por profissionais e voluntários das mais diversas áreas de conhecimento, que atuam em diversas frentes e projetos compreendendo as três faces inseparáveis da atuação ecológica. São trabalhos realizados em parceria com instituições públicas ou privadas que envolvem gestão e gerenciamento de resíduos sólidos e líquidos, gerenciamento de resíduos hospitalares, relatórios de impacto ambiental, recuperação de áreas degradadas, implantação de trilhas ecológicas, manejo de área de proteção permanente etc.
     Além dessas atividades e projetos mais voltados para a fisiologia do meio ambiente, a 4 Elementos desenvolve projetos e atividades que não dissociam as faces sociais e subjetivas da sociedade. Entre suas ações estão os projetos de educação ambiental, de geração de renda e de eliminação da pobreza, todos eles vinculados a questões ambientais e de cidadania. Desde 2007, quando foi criada, essa organização mobiliza setores da comunidade e nichos empresariais buscando, por meio da implantação de projetos ecológicos específicos instaurar uma mentalidade que desassocie a produção de bens e a exploração dos recursos naturais, das práticas predatórias, responsáveis por desequilíbrios sociais e por destruição ambiental.   Pela sua luta incansável, essa organização não governamental vem recebendo não somente apoio da sociedade, como também reconhecimento internacional. Em 2009 ganhou Menção Honrosa do Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Cidadania (IIDAC) e Programa Voluntários das Nações Unidas (UNV) pelos projetos: Educação ambiental, lições para a vida; Campanha de coleta de óleo de fritura: o planeta agradece; Resgate seu bairro e Ser voluntário.
    
     A 4 Elementos vem desenvolvendo intenso diálogo e elaboração de projetos conjuntos com o grupo organizado do Caderno Cultural Boca do Inferno. O Boca do Inferno, cujo nome é uma homenagem ao poeta seiscentista da Bahia, Gregório de Matos Guerra, vulgarmente conhecido como o Boca do Inferno, surgiu em 1998 e desde então tem atuado principalmente na área de educação e cultura. Seu principal eixo é a ecologia mental é o questionamento das práticas políticas e da constituição dos processos de subjetivação e seus reflexos nas instâncias sociais e ambientais. Nos seus anos de atuação o Boca do Inferno participou da organização de Semanas de Arte e Cultura, da publicação de livros para novos autores, da fundação de grupos teatrais e casas de cultura, desenvolveu projetos como o Ventana Abierta, o Praça Inquieta, o Publicações Boca do Inferno,e ações de valorização da cultura popular. No atual momento mantém seu espaço de publicação periódica com o blog e a revista artesanal Boca do Inferno, desenvolve o projeto de Arte Reciclagem e prepara uma parceria com a 4 Elementos em projetos de Arte Reciclagem e Guarda Mirim Ambiental. Um dos campos de atuação de maior interesse do Boca do Inferno é a reflexão sobre a linguagem, principalmente a reflexão que desmistifica os jogos retóricos utilizados pela publicidade e pelas mídias em geral. Há braços!

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