11 outubro 2010

O MAU PATRÃO

Por Yoani Sánches, direto de Cuba.*


Uma das discussões mais freqüentes quando se fala de Cuba é se podemos qualificar essa realidade na qual vivemos de “socialista”. Para minha geração, que se criou em meio a livros de marxismo, manuais de comunismo científico e tomos com os textos de Lênin, fica difícil identificar este modelo com o apontado naquelas obras. Quando alguém me pergunta a respeito, digo que nesta Ilha vivemos sob um capitalismo de estado e, se assim posso dizer, sob um latifúndio de partido... de clã  familiar.
Minha teoria faz sentido uma vez que naqueles antigos livros que  me obrigavam a estudar, havia uma linha imprescindível para caracterizar uma sociedade socialista: que os meios de produção estivessem nas mãos dos trabalhadores. Entretanto ao meu redor o que vejo é um Estado proprietário total, dono das máquinas, das indústrias, da infraestrutura de uma nação e de todas as decisões que se tomam sobre ela. Um patrão que paga salários baixíssimos e ainda exige de seus  empregados  o aplauso e a subserviência ideológica.
Esse dono avarento adverte agora que não pode continuar dando trabalho a mais de um milhão de pessoas nos setores públicos e empresariais. “Para avançar o desenvolvimento e a atualização do modelo econômico”, nos  diz que devem reduzir-se drasticamente o quadro de ocupação do Estado, enquanto abre apenas pequenos espaços para as atividades autônomas. Até a Central de Trabalhadores de Cuba, único sindicato permitido no país, informa que as demissões são irreversíveis e que devemos aceitá-las com disciplina. Triste papel para quem deveria representar e defender os direitos de seus filiados diante do poder e não o contrário.
O que fará o atrasado patrão que possui esta Ilha há cinco décadas quando seus desempregados de hoje se transformarem nos inconformados de amanhã? Como reagira quando a independência de trabalho e econômica dos que ocuparam os pequenos espaços de produção autônoma se converter em autonomia ideológica? Daqui a pouco  o veremos maldizer e estigmatizar os que enriquecerem, porque a mais valia, como a cadeira presidencial, só pode ser sua.
(*Yoani Sánches é filóloga cubana, vive em Havana, e escreve direto de Cuba para o Boca do Inferno. Tradução: Alan Oliveira Machado)









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