12 outubro 2010

QUANDO A CRIANÇA É O PAI DO ADULTO

Hoje é dia das crianças? Não! Todo dia é dia de criança. Mesmo que a gente não queira, elas tomam nossas vidas com suas presenças superlativas. Isso às vezes é desnorteante. O poeta Vinícius de Morais cravou dois versos um tanto exagerados na canção de sua autoria, Cotidiano, que dão conta do que o sufoco de pais mergulhados na agitação constante e imprevisível do mundo infantil produz em termos de distorção emocional: "Aí a criançada toda chega/ Eu chego a achar Herodes natural". Só de lembrar quem foi Herodes a gente tem a medida  do mau humor do poeta. Nem parece aquele da Arca de Noé.
Infelizmente, o mundo dos adultos caminha na contramão do universo das crianças. Ele é avesso à novidade das coisas simples e banais, das coisas minúsculas e sem valor que as crianças tanto adoram. Os adultos são mais pragmáticos e escravos das utilidades da vida. As crianças não se importam com utilidades, são mais interessadas em possibilidades, em experimentações. Adoram desafios de toda natureza, são indomáveis na medida em que sempre arranjam um meio de ir em busca de um desafio. 
Meu sonho de criança era ser cientista. Em minha cabeça rondavam aqueles estereótipos de cientista que temos cristalizados em nosso senso comum. Aquele cara de avental branco, sem preocupações com a aparência, mas sempre envolvido com invenções estranhas e maravilhosas, sempre as voltas com fenômenos desconhecidos. Em meu tempo de criança passava horas sob uma latada de chuchuzeiro no fundo do quintal lá de casa inventando fórmulas, montando bonecos com luzes que acendiam, fazendo eletroímãs, manuseando cristais roxos mágicos e tudo mais... Eu e meu irmão Rui, afinal éramos dois meninos isolados entre mulheres. Antes dele havia meninas depois de mim vinha menina também. Mesmo que não quiséssemos acabávamos parceiros em algumas aventuras.
O sonho infantil de ser cientista conduziu-me para a Ciência. Adulto, enfrento as incertezas do mundo da linguagem: formulo questões, observo fenômenos, proponho explicações. Vivo enrolado com questões filosóficas que meu objeto de pesquisa científica,  a língua em movimento, me oferece. Nesse ponto, sou um adulto realizado, porque concretizei o sonho da criança que brincava debaixo do chuchuzeiro, em meio às bugigangas que se transformavam nas mais gostosas fantasias. E você, leitor, quanto há da criança que foi um dia na sua vida atual? Há braços!

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