
A manhã já ia alta. Eu conversava com pessoas... Atendia outras sem me dar conta de que algo estava errado: os óculos estavam sem as duas lentes. A pequenina Sofia, a andarilha curiosa mais nova lá de casa os havia encontrado dando sopa na borda da mesa do computador e tentou desvendar o mistério daquele objeto que os adultos insistem em manter na frente dos olhos tornando-os seres estranhos e diferentes dela.
Em dado momento, depois de um movimento brusco da cabeça fui ajustar os óculos no rosto e me dei conta da ausência das lentes. Fiquei desconcertado. Como não percebi antes? Acho que os óculos psicológicos, aqueles inventados mentalmente pelo uso, encobriram a ausência de lentes. Mas o que pensaram as pessoas que atendi durante a manhã? Decerto devem ter imaginado que eu era uma versão do personagem de Luis Fernando Veríssimo no conto O nariz, no qual um dentista "Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes mas uma sólida reputação como profissional e cidadão" resolveu usar um nariz postiço, daqueles que vêm com um aro de óculos e um bigodinho grudados, e criou o maior reboliço na família e nos espaços sociais que frequentava. Porém, nos tempos de agora as pessoas fazem ou convivem com tanta coisa esquisita e naturalizam tanta bizarrice que atendê-los com óculos sem lentes como fiz hoje, ao contrário do que aconteceu na narrativa instrutiva e divertida de Veríssimo não causou espanto algum. Pelo menos foi o que constatei. Há braços!
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