17 setembro 2009

A POLÍTICA DOS POLÍTICOS

“A POLÍTICA DOS POLÍTICOS

Sem querer ignorar que esse modo de pensar ajuda a que se desvende a natureza da política, sugiro que ele, na verdade, refere-se sobretudo à política dos políticos, ou seja, a um tipo de política que poderíamos definir como política com pouca política.

Não se trata de algo desprezível, como se poderia achar à primeira vista, mas sim de algo revestido de uma dignidade bem específica, nem sempre bem compreendida e assimilada pelas pessoas. Afinal, agir tendo em vista o poder – sua conquista, sua conservação, sua destruição – integra a essência da política, e não há que condenar os que assim precedem, até porque não há nada de condenável no poder. Quando muito, podemos criticar (e tentar neutralizar) aqueles que se aproximam do poder como fim em si mesmo, que não sabem o que fazer com ele ou o empregam com finalidades escusas.

A política dos políticos encontra seu limite na ideia da política como arte do possível e do indicado, para repetir a famosa expressão atribuída a Bismarck. Seu terreno próprio é o do realismo ou pragmatismo político, no qual um certo tipo de cálculo e de frieza se superpõe à fantasia e à opinião. Uma de suas máximas poderia ser: não se faz política sem vítimas. O realismo, antes de tudo. Não que o político realista não tenha paixão ou idéias: é que ele as mantém sob controle, represadas, num esforço obstinado para impedir que se intrometam nas delicadas e engenhosas operações que franqueiam o acesso ao poder e a seus arredores. Se quiséssemos falar em tom mais elevado, poderíamos acompanhar Max Weber e dizer que o político realista adere muito mais à ética da responsabilidade do que à ética da convicção, e é capaz de subordinar a paixão, a causa e a vaidade pessoal (e vontade de aparecer o mais possível em primeiro plano) ao senso de proporção e ao sentimento de responsabilidade.
A política dos políticos, porém, está permanentemente submetida ao risco de uma contrafação. Não apenas porque seu realismo pode se tornar realista demais e lançar por terra todos os valores, mas também porque, a qualquer momento, ela pode se converter em política dos politiqueiros, concentrada no truque, nas promessas, na luta entre facções e grupelhos, no eleitoralismo, em suma, na política miúda, parcial, corriqueira. Quando isso se dá, a política passa a usar como armas típicas a intriga, o conchavo, a simulação, o fato consumado, o golpe, deixando em plano secundário o debate público, os princípios, a coerência. Justamente por isso, tal contrafação encarna de modo perfeito a alma menos nobre da política ou, o que dá no mesmo, a face suja, desagradável e obscura da política”.


(NOGUEIRA, M. A. Em defesa da Política. São Paulo, SENAC, 2001) HÁ BRAÇOS!

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