28 abril 2010

CIDADANIA: CAMINHO PARA A HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA


Na qualidade de cidadã, embora vítima, não escrevo em causa própria. Perdemos Isabela (minha sobrinha) no Hospital Regional de Irecê na Bahia. Estive dentro e nas imediações daquele hospital no período de 02 a 06/01/2010, acompanhando, observando e tentando entender o que evolvia seu nascimento e morte – fatos ainda não esclarecidos - ao contrário, mais obscurecidos com o advento da revelação da causa morte: insuficiência respiratória. Diante das circunstâncias que levaram a tal causa - uma estúpida indução de um parto natural, depois de ultrapassado o momento recomendável - intriga muito saber o porquê de tal procedimento.
Sabe-se que dentro da lógica de mercado não é prioridade do governo o financiamento de partos cesarianas. A ordem agora é voltar às origens, ou seja, ter filhos por parto normal. Mas onde estão as campanhas públicas sobre os riscos e os custos do parto cesariana e sobre os benefícios e a preparação para o parto normal? E quem, dentre as mulheres de hoje, pode ter filhos por parto normal? Por acaso antecedeu a essa política de Estado ampla divulgação de estudos que a justifiquem?
Fato é que nesses cinco dias de observação e angústia, foram-me reveladas tantas outras Isabelas, igualmente vítimas do mesmo sistema. E que sistema! Que sistema é esse que coloca em evidência, de maneira uniformizada, aspectos tão negativos que desumanizam o atendimento? Aspectos que se apresentam como regra e são revelados da portaria a UTI e um hospital, com sarcasmo e preconceitos - de gênero, de condição social - transmitindo o entendimento de que se não pode criar para quê procriar?
Oh! Maria, não preparou os bicos das mamas e reclama de dor, argumentava a profissional de saúde. Prometeu nunca mais engravidar, mas hoje está aqui e ano que vem estará novamente. E daí se estiver? O que um agente público em missão de atendimento tem a ver com isso? Tem de se preocupar com um atendimento bom, humanitário e não em fazer, diante da dor alheia, discurso preconceituoso de controle de natalidade. Nessa enxurrada de maus tratos e desrespeito à maternidade e aos bebês, a cidadania vai sendo despedaçada. Parece que mulheres gestantes só são cidadãs, para o Hospital de Irecê, da portaria para fora, com seus impostos e taxas públicas a pagar. Dentro daquele espaço vão sendo diminuídas e atiradas abaixo da escala animal.

É reconhecido no meio científico que a academia zelou mais pela especialização, preocupando-se menos com a humanização. Por esse motivo nos deparamos com profissionais tão capacitados para a banalização da morte, esquecendo-se de que pessoas não são meros objetos de estudo, profissionais de saúde não devem ser comerciantes e saúde não é sabão em pó.  Estudo do Ministério da Saúde também revela a dificuldade do Ministério em controlar dados sobre mortes (tanto das mães quanto dos bebês) por erros médicos ocorridos durante os partos. De acordo com esses estudos, a dificuldade é devida principalmente à camuflagem das causas das mortes nos prontuários médicos, o que inviabiliza a intervenção do Estado assim como o controle social por parte das famílias.  
A lógica perversa da banalização da morte e da desumanização de profissionais de saúde nesse hospital é tão gritante, ao mesmo tempo tão tolerada pela sociedade e tão pouco pautada pelas autoridades locais que, no mesmo período, enquanto pessoas sofriam perdas e maus tratos, veiculava na mídia propaganda eleitoreira sobre as obras de reforma do dito hospital e da instalação da nova UTI. Mas será que uma UTI de qualidade salva vidas sem profissional competente e comprometido com a causa da saúde? A sociedade local deve ficar atenta, pois reformaram as paredes daquele hospital, mas esqueceram de reformar os homens que ali atuam.
Florentina Oliveira Machado

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