10 fevereiro 2010

A NOSSA REALIDADE SURREAL

No século XX, os europeus enveredaram pelo surrealismo, essa coisa notavelmente pós-freudiana, como rota de fuga da realidade. A rigidez de costumes e a domesticação mental de toda ordem sofreram ataques frontais das práticas surrealistas em todas as frentes possíveis, mas, sobretudo no terreno da arte e da linguagem. Bem, isso não é novidade. Encher a bolha imaginária da realidade com as coisas mais improváveis e mais despropositadas passou a ser, digamos, normal. Depois dos poemas absurdos dadaístas e dos mictórios artísticos de Duchamp tudo vale, tudo significa e a lógica é só mais uma alternativa um tanto conservadora. 
Na América Latina, o que os europeus chamaram de surrealismo recebeu designações distintas. Alguns chamam de realismo mágico, outros o nomeiam como realismo alucinado, realismo fantástico, realismo mítico etc. Por aqui, o que recebeu nome de surrealismo na Europa tem tintas bem diferentes e, segundo o escritor cubano Alejo Carpentier, "encontramos em estado bruto, latente, onipresente em tudo que é latino-americano".
Ocorre que no mundo novo, nessa imensa América espano-lusitana, realidade e imaginação muitas vezes não se separam nem se sobrepõem, como nos faz crer a preposição francesa “sur” (sobre, em cima, acima) que compõe o vocábulo “surrealismo”, levando-nos a entender algo que está sobre, em cima ou acima do real, que por tanto não é necessariamente o real. Não por acaso os teóricos locais, exploradores da nossa singular realidade, nomeiam o surrealismo dessas paragens como realismo, adjetivando-o conforme a particularidade do olhar. Não é que há algo além do real ou sobre ele, eis a diferença, é que o real comporta muitas esquisitices mesmo e, para um europeu, essas esquisitices reais soariam como algo além do real ou mesmo impossíveis, num ambiente soldado com a crosta dos séculos ao império da sobriedade racional e lógica.
No mundo latino a que nos referimos essa realidade que fere nosso alicerce eurocêntrico é abundante, mormente na política. Vamos a alguns exemplos clássicos: em 1883, o general mexicano Antonio Lopes Santana foi eleito presidente da república. E começou a mandar exigindo que fosse chamado de “Sua Alteza Sereníssima”, depois decretou o dia do seu aniversário como feriado nacional, por fim, tendo perdido uma perna numa batalha, organizou um grande funeral para a perna. Isso é real, é história. Tem mais: a história registra que um presidente boliviano chamado Melgarejo vendeu um terço do território nacional para comprar dois cavalos brancos; o ditador do Haiti, Duvalier mandou exterminar todos os cachorros pretos do país por acreditar que um dos seus inimigos, para não ser reconhecido, havia se transformado em um cachorro preto. Na Venezuela, Juan Vicente Gomes mandava anunciar periodicamente a sua morte para depois ressuscitar; o Peru já contou em certa época com dois presidentes em um só mandato; Na Argentina,  o presidente Perón se casou com uma dançarina de cabaré. Após a morte de presidente, a garota de cabaré  assumiu o posto do mandatário e nomeou para o Ministério do Bem-estar Social o terrorista José Lopes Veja, notório pelos crimes de sequestro, espoliação e demais delitos. Eis então a realidade extravagante e exótica do mundo em que vivemos. Fatos reais e inacreditáveis.






     Mas por que essa digressão toda? Exatamente para falar de exotismos atuais. Chaves, por exemplo, criou o "novo socialismo". O socialismo bolivariano, eivado de inspiração cubana, consiste em socializar a falta. Todo mundo agora tem direito, na Venezuela, à falta de energia, falta de água, falta de alimentos, falta de infraestrutura básica, falta de liberdade etc. Naquele país que Chaves afunda, a falta abunda. Com rima e tudo! Isso não é mesmo surreal? Mas só Chaves? O que dizer do esforço do governo democrático brasileiro para criar uma ditadura em Honduras? O que dizer do esforço do governo do Brasil, historicamente  pacifista, para proteger um ditador do Irã que se propõe a produzir armas nucleares com fim de eliminar outros países? O que dizer de um presidente que faz propaganda  dizendo que a educação é o valor mais importante, que o governo dele foi o que mais investiu na criação de universidades e ao mesmo tempo se gaba de não ter estudado, de não gostar de ler? O que dizer de um governo que financia o país produtor da cocaína que é vendida nos morros brasileiros e que produz a maior parte da violência e morte no Brasil? 
    Essa coisa toda é muito imaginativa e cheira mesmo  a loucura. Como diz o surrealista Breton: "Não é o temor da loucura que vai nos obrigar a içar ao meio pau a bandeira da imaginação". Mas é bom lembrar que há loucuras que extrapolam os limites e caminham friamente para os piores sentimentos e ações humanas . Há braços! alan

Um comentário:

GTV BOCA DO INFERNO disse...

De: "enochalves@petrobras.com.br" Exibir informações de contato
Para: "alan machado"

Prezado Allan,



Gostei muito do texto, realmente não sabemos em que estágio de loucura nos encontramos, porém concordo contigo, sempre existiram loucos, que se apoderaram do poder e conseguiram superar todos os limites. Basta lembrar que 100 milhões de humanos foram mortos, apenas no século passado, e não foram tragados por tigres ou pestes, foram eliminados pelos outros humanos. Grande abraço e continue rebelde, muitos criticam a literatura ponta de lança, porém, a bem da verdade é a única independente. Parabéns.

Atenciosamente.
Enoch Carneiro.