08 fevereiro 2010

MASSA E IDENTIDADE

A gente ouve diariamente esse pessoal aboletado em correntes de esquerda falar de vontade popular, controle social, desejo das massas ou coisas que o valham. E muitos deles falam com tal paixão que a gente até esquece de olhar com cuidado para os próprios termos utilizados. No momento atual, ninguém se dispõe a problematizar a validade de tais conceitos e a coisa vai fluindo, vai ganhando solidez até que uma direção política resolve institucionalizar o tal poder das massas. E na verdade o que essa direção faz é abrir uma frente de representação de interesses ideológicos restritos a um grupo no mais das vezes alheio às massas, até porque o tal desejo das massas e a vontade popular não são determináveis. Vontades e desejos são coisas pouco apreensíveis quando se referem a povo e massa. Baudrillard dá a direção para que comecemos a refletir sobre tais impossibilidades:
Querer especificar o termo massa é justamente um contra-senso - é procurar um sentido no que não o tem. Diz-se: “a massa de trabalhadores”. Mas a massa nunca é a de trabalhadores, nem de qualquer outro sujeito ou objeto social. As “massas camponesas” de outrora não eram exatamente massas: só se comportam como massa aqueles que estão liberados de suas obrigações simbólicas, “anulados” (presos nas infinitas “redes”) e destinados a serem apenas o inumerável terminal dos mesmos modelos, que não chegam a integrá-los e que finalmente só os apresentam como resíduos estatísticos. A massa é sem atributo, sem predicado, sem qualidade, sem referência. Aí está sua definição, ou sua indefinição radical. Ela não tem “realidade” sociológica. Ela não tem nada a ver com alguma população real, com algum corpo, com algum agregado social específico” ...
O que fazem as correntes de esquerda? Arranjam obrigações simbólicas para constituir a massa em povo, o povo em militância, a militância em partido, o partido em poder. E quando conseguem atingir um momento de hegemonia como o faz agora mesmo o PT no poder, mantém o povo e a massa no lugar de sempre: no silêncio, na opacidade e indefinição, mas, dessa vez, capturadas, em parte, por uma identidade construída, por obrigações simbólicas inculcadas que as fazem reagir ao chamado das lideranças emergentes tão somente durante as crises que ameaçam o poder constituído, para apagar o incêndio e sustentar a elite petista no poder.
Vontade popular não existe fora do jogo ideológico. Onde estão a UNE, a CUT e suas respectivas massas? Ora, seus representantes (digo, representantes das identidades inventadas) estão pendurados em pencas no poder central e à espera de qualquer ordem central para movimentar as partículas solitárias amontoadas dentro das cercas ideológicas levantadas pela identidade inventada.
Como diz Baudrillard: “Na representação imaginária, as massas flutuam em algum ponto entre a passividade e a espontaneidade selvagem, mas sempre como uma energia potencial, como um estoque de social e de energia social, hoje referente mudo, amanhã protagonista da história”... Entre o silêncio e o barulho, entre a subordinação e a violência, entre a ordem e o levante habita esse monstro inominável,  esse Pantagruel rabelaisiano, estoque de tudo, sempre aberto a abraçar identidades e sempre à beira de explodir as representações impostas. Há braços!

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