09 junho 2010

QUEM FOI VICENTE VELOSO

Já falei de mitos por aqui. É hora de desfazer pelo menos um. Primeiro vou contar a história de Lingala Kembelle. Kembelle era um guerreiro banto que foi capturado na costa da África, em 1793,  pelo traficante de escravos Dom Álvares Fonseca. Trazido para a Bahia, Lingala, ainda no porão do navio português havia se tornado líder de um grupo de 43 indivíduos banto, depois de ter feito o parto de uma princesa do Congo integrante de tal grupo e de ter degolado um feitor que entrara no porão para estuprar algumas crianças que integravam o lote de escravos.  
Após chegarem ao Mercado Modelo, na Cidade da Bahia, no mês de setembro do ano de 1793 de Nosso Senhor, os 43 negros integrantes do grupo de Lingala Kembelle foram vendidos, junto com ele e mais outros que formavam um lote de 61 escravos, ao rico sobrinho de  Belchior Dias Moreira, dono de minas de ouro nas lavras da Vila de Santo Antônio  de  Jacobina. Nas minas, em situação degradante, no ano de 1797, Lingala liderou uma revolta chamada Revolta da Lama Branca. Os negros do seu bando, cobertos da lama branca na qual ficavam atolados o dia inteiro  no interior das minas atacaram os sentinelas e fizeram o feitor-mor de refém. A revolta só não chegou à casa grande do sobrinho de Belchior porque um negro de dentro da cozinha, de nome Yahlew Ngunda, que servia a ração na senzala e nas minas e atendia pelo  nome português de  Vicente Veloso, instigado por um dos sentinelas ligados ao feitor, ao levar a ração aos amotinados enfiou um punhal enferrujado nas costas de Lingala atingindo-lhe mortalmente o coração. Na verdade, o negro Vicente não era ingênuo. Relatos de dentro da própria senzala, após  a revolta ser  debelada com o extermínio  de dezenove africanos do grupo de Lingala, abatidos a tiros de mosquete, confirmam que Vicente Veloso (parece que ele detestava o nome de origem Yahlew Ngunda)  havia negociado com os homens do feitor o assassinato do líder  Lingala Kembelle em troca de um jegue, uma capanga com alguns nacos de carne seca, uma rapadura, uma cabaça de água e um sabre meio desgastado. No trato, o feitor diria ao sobrinho de Belchior que o negro da cozinha havia sido assassinado na revolta dos escravos das minas, para que, por fim, Vicente Veloso caísse fora com sua liberdade conseguida a troco do banho de sangue dos de sua própria etnia. Foi esse Vicente egoísta, traidor e negador da própria raça que embrenhou na caatinga, chegando ao boqueirão da Canabrava, atravessando-o para mais tarde dar notícias daquelas terras de águas frescas a um tal Venceslau Machado,  lá para as bandas do Assuruá. Não há heroismo algum, por parte de Vicente Veloso, no que sobrou nos registros embolorados e fragmentados dos autos de um inquérito feito à época a pedido do sobrinho de Belchior. O que consta é que o dono das minas, além do prejuízo de dezenove escravos novos e sadios (no total 21, contando com o negro fujão e com o líder assassinado), estava desconfiado de que o feitor e o administrador das minas o  estavam roubando e de que toda aquela revolta tinha sido insuflada para facilitar o desvio de uma quantidade razoável de ouro ainda não contabilizado. O dono das minas pretendia esclarecer o ocorrido em  suas posses para poder condenar seu administrador e o feitor,  forçando-lhes a devolver o ouro roubado. Há braços!

19 comentários:

Celito Regmendes disse...

olá alan, q relato impressionante cara,sou do time dos q como qualquer pessoa, considera mitos algo importante sobretudo qdo se estimula algo de interessante para um povo, uma etnia ,um segmento da sociadede e/ou cia, mas sou tambem aberto a questinamentos acerca do q ta por trás de tais mitos e não vejo nada demais passar a ter outra visão pelo bem ou pelo mal acerca dele, e continuar tranquilo, não me vendo como ingenuo , um iludido qualquer mas como alguem q acreditou em algo supostamente bonito e q depois mudou de ideia pois foi convencido de algo contrário. Em relação ao seu relato, por força do traquejo q ja tenho com os meandros escorregadios e traiçoeiros da peskisa histtórica( me considero experientee tanto na pesquisa documental qto na oral), me impele a tomar algumas posições antes de me indignar com akele q até então proponho q seja melhor homenageado em uibaí pois atualmente só ha um largo com seu nome e mesmo assim quase ninguem sabe disso ,além de claro, ele dá nome a um grupo de pessoas chamado MVIVE, grupo liderado pelo jovem competente por sinal, amante das coisas de uibaí, historiador flavio dantas. Segue...

Celito Regmendes disse...

baseado nos relatos orais, documentais e deduçoes proprias,vamos ponderar algumas coisas para ver até q ponto se trata do "nosso vicente veloso"... vejamos, tudo indica q vicente chegou a FAZENDA CONCEIÇÃO na decada de 40 do seculo xix de acordo com os relatos orais, isso por volta de 1844 , epoca q tava recem descoberto o garimpo do VENTURA( por fontes documentais), lugar entre MORRO DO CHAPEU e JACOBINA. Na "versão" de de valmir rosa e outros "velhos" foi de tal garimpo q ele veio após matar o "seu senhor" numa manhã em q amanheceu com dor de dente e foi chicoteado pois não estaria( ou não keria, o q era justo) trabalhar, ha de lembrar q nesse periodo a fazenda conceição estava no auge, havia pouco tempo q o coronel ernesto havia adquirido-a(isso ta documentado) o coronel ernesto, nascido em 1810(tambem baseado em documento) recebeu vicente ,ele, pela dedução era um homem jovem, contava joão de guidu q estava nu e fikou o tempo todo cabisbaixo na presença do "home" mais poderoso do vale do rio verde na epoca, sendo jovem, entre 18 a 25 anos, teria nascido então entre 1819 e 1826,portanto bem depois da "revolta" de 1797, há de se lembrar tambem q venceslau machado comprou o SITIO CANABRAVA em 26 de março de 1847(documentado tambem), venceslau nasceu entre 1789 a 1795, qdo conheceu vicente, provavelmente na decada de 40 , talvez no mesmo ano q em q esse achou guarita na fazenda conceição, há até a versão q qdo eles conversaram , se viram como parentes pelo lado da mãe de venceslau( seria maria semente banto?? minha intuição sempre pendeu pra nagô,haussá ou mina, apenas intuição é bom q se diga), caso venção e vicente tenham se encontrado na decada de 40, venção ja tinha mais de 50 anos, e vicente seria um senhor com mais de 60 anos??? por outro lado, se vicente correu pro vale do riacho canabrava logo dpois d revolta, teria fikado tanto tempo longe de todo mundo pra somente se encontrar com ernesto e venceslau cerca de 47 anos depois??

Celito Regmendes disse...

prponho q haja uma especie de força-tarefa entre os peskisadores para q, em cima de dados orais e documentais ja consolidados e a partir de uma análise do documento q vc peskisou( é possivel passa-lo fotografado oo coisa parecida ou pelo menos citar como se chegar até o mesmo??) para q assim possamos chegar a uma conclusão acerca de nkunda o traidor banto ou vicente o rebelde q soube fugir da escravidão da forma mais heroica possivel??? o q achas???

GTV BOCA DO INFERNO disse...

Bom Celito, o que fiz foi apenas uma leitura rápida do material que consegui e enquanto não puder lê-lo a contento pretendo mantê-lo longe de qualquer outro olhar. Por enquanto é só... O que posso dizer é que suas informações sobre Vicente são mais fantasiosas do que imagina.

Celito Regmendes disse...

po alan assim é díficil cara, to aki como peskisador e como um uibaiense aberto ao debate, ao diálogo e até mesmo dura aceitação , se foro caso, de aceitar qum dos meus ídolos de infancia passe de condição de "herói" a algoz, mas tudo bem, se decepccionar com oser humaho tem sido um exercicio constante me minha vida, seria chato, mas seria mais um...pois bem, vc vem com algo bombástico no teor e com uma enfatização ao meu ver precipitada, pois é complicado detonar um mito com apenas "uma leitura rápida" num documento, depois, a partir de ponderações embasadas numa logicidade crítica pois procurei arguir e deduzir baseados em diferentes variaveis, pra simplesmente vc vir e dizer q minhas informações são "fantasioas" aí é vc kerer ter o dominio das coisas de forma simples demais, penso q algo complexo exige muito mais q apenas o desejo de de ter "verdade" a qualquer custo ao nosso lado... reitero q gostaria q fosse formada uma força-tarefa pra debruçarmos sobre o tema com o intuito chegarmos a conclusõses ou a posições encorpadas e sem ranços, qse pautasse pela criticidade e não pelo apego "apaixonado" e petrifikado a um determinado raciocinio ou coisa do genero...

Flávio Martins disse...

Olá
Gostaria de saber a indicação do documento. Arquivo e termo em que o mesmo foi produzido. Quanto as informações de Celito sobre Vicente Veloso serem "fantasiosas", é no mínimo, um comentário desrespeitoso a um pesquisador que trata do tema há anos com bastante cautela. Atenciosamente

Flávio Martins disse...

A propósito, tão impressionante os detalhes desse documento, que chega-se a duvidar que ele realmente exista.

GTV BOCA DO INFERNO disse...

Primeiro, quanto aos banto: muito embora a literatura sobre os africanos vindos para o Brasil tenha o vício do centro, não é difícil afirmar que eles foram a maioria esmagadora no Brasil. O tempo todo resumiu-se a africanidade aos sudaneses ou mina que foram trazidos para o Brasil bem mais tarde. O fato é que uma pesquisa linguística básica mostra que quase todas as palavras africanas do Brasil são banto, indicando que eles foram maioria inquestionável no país, embora sua cultura e língua entranhados na brasilidade tenham sofrido um apagamento. Não é segredo que na África os povos banto sempre se destacaram em atividades agropastoris. São excelentes no trato do gado bovino e caprino e no domínio de agricultura básica. Não é segredo que na região de Jacobina as atividades pecuárias dos Guedes Brito disputaram lado a lado com a fama do ouro, que a abertura do sertão para os currais foi intenso tornando fácil deduzir a predominância banto nessas regiões de agropecuária dado a suas habilidades no assunto.

GTV BOCA DO INFERNO disse...

Flávio ainda tem dúvidas sobre o fantasioso da abdução feita por celito? Lamento. Não é uma questão de desrespeito, Flávio. De Uibaí, fora divergências, Celito é o cara por quem tenho alguma consideração porque sei da honestidade da inquietação e inteligência dele. Mas os registros fidedignos que Celito citou nenhum sequer se refere à existência de Vicente, muito menos da forma como foi sendo materializada por aí. Embora respeite e admire Valmir e João de Guidu, eu não considero a historicidade dos dados deles... São mais causos e quase anedóticos. Quanto aos dados, realmente, são bem mais consistentes do que os que vem sendo usados por aí.

Rafala Machado disse...

Moço que bomba. A questão é, herói ou vilão? Aposto em vilão. Só de pensar que Vicente matou o patrão e fugiu na maior vê-se que trata-se de mentira ou deturpação da coisa.
Acho que gtvbocadoinferno tá certíssimo.
ah, cuidado GTV podes matar nosso queridíssimooo celito.

Flávio Martins disse...

KKKKKKKKKKKK! Só pra esclarecer, mas o escravo matar o senhor e fugir era uma coisa bastante comum no Brasil. A captura dos mesmos, às vezes era impossível nesse país continental, apesar de a escravidão possuir vários tentáculos. Vide os vários processos-crime arquivados no Arquivo Público do Estado da Bahia em Salvador, na Quinta dos Lázaros. São centenas de páginas de processos contendo interrogatórios e autos sobre assassinatos de senhores com participação de escravos. A propósito, qual a indicação do documento mesmo, camarada GTV? Em qual arquivo, qual espécie de documento e se possível a numeração do mesmo. Estou curioso para vê-lo na integra e participar com mais propriedade do debate.

GTV BOCA DO INFERNO disse...

Flávio, duas coisas: primeiro já comentei aqui em resposta a Celito que, por enquanto, me darei o luxo de trabalhar sozinho na descoberta. Se vocês quiserem fazer força-tarefa, que o façam, provavelmente vão chegar onde cheguei. A segunda coisa digo para Celito, mas serve para você também, "leitura rápida" no meio acadêmico de pesquisa não é o mesmo que leitura rápida fora desse meio. Leitura rápida é leitura total e cuidadosa do material, mas que no ambiente de pesquisa gera uma série de questões que precisam de muitos retornos ao texto. Só uma deixa dos documentos: há uma série de interrogatórios que foram feitos por uma espécie de inspetor de polícia da época com os negros sobreviventes. Quem intermediou essa conversa foi uma negra de nome Kohry, provavelmente a tal princesa congolesa cujo pai rei de um grupo no Congo mantinha negócios com o traficante Alvares Fonseca e tinha melhor domínio do portugues. Rapaz, vocês são pesquisadores mesmo? Não parece, pelo tratamento fantasioso que dão a fragmentos totalmente distorcidos da história.

Flávio Martins disse...

E você é um belo pesquisador que monopoliza o suposto material empírico e não socializa o debate, tratando de uma fonte histórica de interesse de vários pesquisadores como se uma "descoberta". Vai desculpando aí, Indiana Jones!

GTV BOCA DO INFERNO disse...

Por que você não socializa os seus? Ah, esqueci que eles não existem!Nesse caso, nem posso chamá-lo de Indiana Jones!

Rafala Machado disse...

Calma gente, não vamos nos espatifar com essas pequenas questões. GTV está certo, pesquisou,correu atrás e é isso mesmo, ou voces acham que alguém que consegue algo desse galardão sairia por ai mostrando tudo (vê se os paleontólogos o fazem). Faz bem GTv, estude-o, debruce-se sobre o doc. e depois de finalmente ser reconhecido com todos os créditos, abra-o para os esses curiosos de plantão que de historiadores nada tem, aliás, tem sim, o CERTIFICADO OU DIPLOMA pendurado na parede.
Há Bração...

Celito Regmendes disse...

é, procurei humildemente dar minha contribuição pois acho q seria melhor debater e, se possivel, com espirito desarmado, mas, na impossiblidade disso acontecer, deixo alan monopolizando o "documento" dele(lembro q qdo encontrei o inventario de venceslau, tive o maior prazer em estimular as mais diversas pessoas em conhece-lo, assim fiz com varios outros documentos q abriram novos caminhos pra peskisa hist´rica de uibaí e cia,isso trouxe á tona novidades, esclareceu fatos, derrubou "versões" orais q pareciam "verdadas pétreas", assim como bagunçou outras versõs por uma serie de fatores...mas como o ser humano é complexo, esperava de alan algo parecido mas..) me resta continuar fã de vicente( com uma janela aberta pra possiveis mudanças de posições), continuar buscando o debate, o diálogo e socialização das coisas e fugir o máximo de pikuinhas, de chiliques, de individualismo ... até q prove o contrário, viva vicente veloso pelo ato de sua bravura !!!!

GTV BOCA DO INFERNO disse...

Grande bravura a de Vicente: detonar a vida de dezenove negros, apunhalar o líder pelas costas em troca da liberdade. Por falar nisso, Flávio ainda não postou aqui o número do arquivo na "Quinta dos Lázaros" ondee consta Vicente Veloso como assassino do patrão. Já que era algo tão comum, como ele diz... Nem vai postar porque não existe... O negro fugiu na barganha, montado em um jumento e foi dado como morto, jogado em um fosso profundo da mina.

GTV BOCA DO INFERNO disse...

"gostaria q fosse formada uma força-tarefa pra debruçarmos sobre o tema com o intuito chegarmos a conclusõses ou a posições encorpadas e sem ranços, qse pautasse pela criticidade e não pelo apego "apaixonado" e petrifikado a um determinado raciocinio ou coisa do genero..." O TEXTO ACIMA É DE CELITO. VEJAM QUE COISA BONITINHA, ELE TENTA DIZER QUE O "RANÇO" O "APEGO APAIXONADO E PETRIFICADO", A FALTA DE "CRITICIDADE" SÃO COISAS MINHAS. QUALQUER UM QUE LER OS COMENTÁRIOS DELE AQUI VAI VER QUE A SEQUÊNCIA MOSTRA EXATAMENTE QUE NÃO EU, MAS ELE MESMO SERVE COMO EXEMPLO DO QUE FALA ACIMA. HÁ BRAÇOS!

Flávio Martins disse...

No Arquivo Público do Estado da Bahia, na seção judiciária, para o sertão, existem dois processos-crime onde existe como réu um escravo chamado Vicente negro. Não correspondem ao da história oral da nossa região. Por sinal, Dr. GTV, sua lista de depoimentos vai ser uma das poucas na história em que os escravos são tratados com nomes africanos e não com nomes cristãos. Até mesmo Vicente Veloso é uma coisa incomum, pois, no Brasil, escravo só possuía pré-nome cristão seguido pela qualidade. Os documentos foram feitos pelos brancos e esses não reconheciam os nomes africanos. Rafala Machado sugere que eu só tenho o diploma de historiador e que, entende-se subreptciamente, que deveria rasgá-lo. Todavia, apesar de não ser especialista em escravidão, conheço fontes da escravidão o suficiente para dizer que um historiador não trabalha como o Dr. GTV: "achei um documento, não sei onde, cheio de informações que nenhum outro documento dos arquivos do país possuem, que, convenientemente desmitifica o herói Vicente". Por sinal, o conto literário do Dr. GTV destrói um herói para construir outro. Eu não preciso de heróis. Meus rebeldes são humanos cheios de falhas e defeitos. E, Dr. GTV, se fosses tão bom historiador como RAfala sugere, já saberia que há pelo menos 40 anos, as fontes orais possuem status científico e que, há pelo menos 80 anos, esse ranço positivista de que somente documentos escritos podem dar conta de falar sobre o passado, já foi superado. Minhas fontes são de memórias manuscritas e entrevistas. Posso socializá-las com qualquer um porque elas existem. O Dr. GTV pode fazer o mesmo? Rafala aconselha que não: ao contrário, os historiadores que tem um diploma pregado na parede ou guardado numa caixa de papéis velhos e que fazem pesquisa histórica, socializam seus documentos. Afinal, a história precisa ser comprovada e somente a publicização das fontes pode dar estatuto científico a um argumento. Dr. GTV, certamente tem imaginação e pena, mas não tens conhecimento sobre o Atlântico Negro suficiente para fazer uma boa história. Vá ler Pepetela e aprender como é que se faz. Inté