05 junho 2010

PELA JANELA

Abro a janela para contemplar o mundo. Um movimento mesquinho engana o desejo de gente da praça. Duas moças conversam sob uma algaroba. Alguns meninos sobem a ladeira arrastando um cachorro magro. De repente, uma revoada de poeira levanta do jardim árido no vão central. As moças cobrem os rostos e tentam conter os cabelos desgrenhados. Os meninos cessam a subida para alívio do vira-latas insolente. Contemplam o pé-de-vento fazendo uma espiral de folhas secas. Um bêbado desavisado se perde na poeira ao faltar-lhe o equilíbrio necessário na saída do boteco em frente. Tudo muito, muito estranho no meu coração. Um aperto... uma desolação imensa. O frescor de juventude que avisto da janela é tíbio e gris. Nada esmaece a melancolia que engole a cena indiferentemente, como o pequeno redemoinho que se abriu no vão da praça naquele momento. O bêbado desiste de lutar. Para e se abandona ao vento poluído das coisas do chão. O coração em pedaços descansa protegido no fundo da garrafa que leva nas mãos. O rastro de esperanças aos poucos se apaga atrás do vulto bambo. Da janela avisto as coisas se recomporem aos poucos. As moças acenam com um sorriso fresco. Ainda há pouco assemelhavam-se a sombras mortas perdidas no  que parecia  decomposição do ambiente. Os meninos determinados arrastam o cachorro magro. Não há finalidade alguma na perseverança deles. Apenas têm de ser meninos arrastando um vira-latas magro ladeira acima. O bêbado encolhe-se pensativo. Quase fetal, molda-se ao próprio sofrimento depurado pelo álcool. E fica ali abandonado como qualquer um, perdido em suas ilusões, sem saber prestar contas à vida, como se fosse necessário.   Há braços!

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