01 junho 2010

O PRIMEIRO SÃO JOÃO, A GENTE NUNCA ESQUECE


Eu pisei os pés pela primeira vez nas areias da Canabrava em meados de  maio de 1980. Tinha meus 11 anos de idade e fui tocado por duas coisas que me marcaram profundamente. Chegamos à noite a cidade, tudo meio às escuras. Na manhã do dia seguinte, foi um espanto olhar para aquela imensidão de serra, tão alta, bem ali pertinho. Algo emocionante e indescritível para um menino de capital, acostumado a ver florestas mais nos filmes de Tarzan, nas séries americanas Daktari Mundo Animal e nas caçadas de Pedrinho do Sítio do Pica-pau amarelo. Tinha naquele momento um sonho começando a se  realizar! Finalmente  empreenderia minhas aventuras pelas selvas. Meus sonhos de Tarzan e Pedrinho se realizariam. 
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Abandonei todos os apegos citadinos e me enfiei na serra armando arapuca, indo buscar lenha com Reis de Tereza, fazendo piseiro para o Banheirão, Fonte Grande, Fontinha... Era tudo muito mágico: os cheiros, os sons, as cores, a água limpa e fria do riacho... As primeiras impressões são as que ficam, não é o que sempre dizem? 
Não apenas a serra com sua diversidade mexeu com minha história para sempre, mas o que veio no mês seguinte: o São João uibaiense. De repente, a pracinha estava tomada por barracas de palha de coqueiro e por todos os rituais que ocorrem naqueles dias  festivos. "A emenda... Eu vou fazer um engenho... A emenda... De corda de caroá"... Foi a primeira música que ouvi ao chegar na Praça Velha repleta de alegria. Binga na esquina do colégio de Tonico vendendo quebra-queixo, ao lado da barraca da FBU.  Mais à frente, embaixo de uma gigante   algaroba   ( havia duas na praça) um pipoqueiro rodava a manivela enquanto a meninada saboreava o cheiro a espera das pipocas quentinhas. A coisa mais tocante do São João eram aquelas rodas que as crianças faziam dentro das barracas para dançar forró. Aí um menino ou menina ia para o centro da roda e chamava alguém para dançar. Os pares iam-se alternando no centro. E assim seguia a noite de São João para a meninada. Ainda havia certa inocência. Ali começavam os namoricos, bem bobinhos para os padrões de hoje. Aliás, naquela época adultos não assediavam crianças como  fazem na atualidade. A infância ainda tinha um lugar de infância na sociedade. A infância não era tão curta.
 A primeira vez que entrei em uma roda dessas foi na barraca da CEU. Da música jamais me esqueço: "São João chegou/ e com ele o meu amor chegou também/Chegou tão sofrido/de amor perdido/maltratado por alguém"... Foi também a primeira vez que uma menina me chamou para dançar! Uma garotinha de língua presa chamada Aline, confirmei depois. Com o andar da noite ainda vi o negro Tapioca (apelido bem irônico), diante das desistências  de Sirinão e Haroldo, escalando  um pau-de-sebo plantado em frente à padaria de Antonhão, um pouco depois de um evento chamado Pau-de-fitas, organizado por Silvio Velho. Nesse participava um pessoal mais maduro. Eles iam dançando em torno de um mastro, segurando fitas coloridas a ele amarradas. Ao final da dança o mastro estava todo coberto por um trançado de fitas  coloridas muito bonito. No correr da semana de festa, houvera ainda casamento de matutos, quadrilhas e brincadeiras, como corrida de ovo e quebra-pote. Detalhe: ninguém conseguira pegar o desesperado gato com o dinheiro amarrado no rabo.
Essas duas coisas que fortemente experienciei na primeira fase da minha chegada a  Uibaí são as que mais me emocionam quando revolvo a memória. Há uma porção de coisas boas nas fases seguintes: a ida para a escola José de Alencar, como aluno do professor Antônio Maria, a chegada ao Colégio Velho no ano seguinte. As aventuras pelo pomar do colégio, desafiando a vigilância  de Jove. As brincadeiras nos paredões do colégio. A formação da turma de desenhistas de gibis, na qual se destacaram Celito com o gibi do Homem Relógio, Dod com o do Águia, Pita com o do Cabeça de Pedra e eu com o do Furacão. Cada heroi mais destabanado que o outro. Para terem uma ideia, o Homem Relógio de Celito ganhou super poderes depois que um relógio grande caiu na cabeça dele. E por aí vai... mas nada bate a emoção do primeiro contato, das primeiras idas à serra e do primeiro São João! Há braços!

6 comentários:

Celito Regmendes disse...

alan por uma serie de fatores nos distanciamos geogrfikamente , e ideologikamente e outros "entes" , é uma pena, mas somos assim memso, duas personalidades ora geniais( e isso é dito por varias outras pessoas) ora insuportáveis talvez até pra nós mesmos, espaço e ideias pode ter distanciado a gente mas há coisas q fikam, impressões impágaveis, nesse texto vc mais uma vez se mostrou com uma verve literária ímpar, me fez vltar ao passado junto de cada palavra, como estivesse tambem sentindo "cheiros" e tais, terminei, entre o sorriso( ao lembrar do emu kerido homem relógio) e as quase lágrimas ao recordar de coisas bacanas q se escomdem lá no fundo da gente de forma tão bela qto estranha..

GTV BOCA DO INFERNO disse...

É, Celito, os caminhos distintos não nos tornam menos humanos do que sempre fomos. A memória aqui acolá nos salva da imbecilidade aproximando-nos do melhor de cada um... ou pelo menos do que nos iguala.

Celito Regmendes disse...

acho q aline tambem sentirá emoções diversas ao ler esse impressionante texto, tambem separada geografikamente, só nos vemos as vezes, em todas elas relembramos de um passado q cada vez q fika mais distante dá a sensação de q foi melhor e menos aproveitado do q devia, ela ainda mantém a língua presa assim como o mesmo jeito inquieto como se tivesse a todo segundo buscando compreender o mundo, sobretudo as (terriveis) angústias existenciais ainda mais depois q se tornou mãe , esposa e de ter kebrado a cara com tanta coisa q parecia ter apenas o lado bom... falar de "bondade", copiarei o texto e enviarei pra ela q tá lá feito mocó, sarrabuiando pelas belas pedras de mucugê , sei q vai gostar..

GTV BOCA DO INFERNO disse...

Eu nem sei se ela vai lembrar da história do São João... Para mim uma estreia, contudo para quem vivia em Uibaí desde sempre algo muito comum. Mas certamente há muitas histórias boas para relembrar do tempo em que você deu o estranho apelido de "Cabelo" para ela.

Fábio Rosa disse...

Caro Alan, seu texto traduz as impressões de cada sertanejo ao se deparar com o São João. A Fogueira Em Pé, o cheiro da palha de coco, as pernas trêmulas ao ensaiar a primeira dança, o frio do mês de junho, o legítimo forró pé de serra, tudo isso ajuda a engrandecer esta festa.

Unknown disse...

Este foi um raikaiprosoídico(palavra minha que eu inventei só tem no meu vocabulário). Ainda bem que há espaços na internet que nos serve de boas coias.