25 janeiro 2010

COMPLEXO DE VIRA-LATAS

Foi o sagaz Nelson Rodrigues quem cunhou a expressão: complexo de vira-latas.  Esse pernambucano de alma sibilina e prosa saborosa era exímio observador do espírito humano. Numa crônica esportiva de 1958, ele explica o pendor que o brasileiro tem por se autodepreciar, por se colocar em posição inferior, negligenciando o seu verdadeiro potencial. Na crônica, expressava tal entendimento referindo-se ao futebol e ali mesmo nomeou essa característica do brasileiro como complexo de vira-latas. Ocorre que o tal complexo de vira-latas, se bem observado, se estende a qualquer manifestação social do brasileiro. Do meio escolar ao político, do futebol à ginástica, essa coisa negativa impede o brasileiro de exercitar o seu talento, a sua capacidade, o seu potencial com a justiça devida. E o pior, quem  faz diferente, quem vai além logo ganha a pecha de arrogante, de metido, de autoritário ou algo que o valha.
Em Uibaí, por exemplo, o ideal é que você seja subserviente a alguém. O melhor é que você, embora capaz e inteligente, mostre-se sempre obtuso, de prontidão para bater pau para algum picareta ou grupelho ridículo...  É sempre mais conveniente que você abra mão das suas convicções em função de alguma boçalidade. Pensar independentemente é repugnante; fazer diferente é desprezível. O ideal é você parecer sempre pior do que é. O ideal é você agir como um  vira-latas.
 Há vira-latas bastantes no pé da serra e eles não são tão nocivos quanto aquelas pessoas com complexo de vira-latas. Os vira-latas são o que são, a história e a falta de recursos os tornaram o que são e eles já não se incomodam, não têm ambição de ser mais do que  aparentam, principalmente porque não podem! Já os que carregam o tal complexo de vira-latas são perigosos, trabalham o tempo todo para transformar gente com dignidade em vira-latas. São vingativos, são reativos... Não precisam se comportar como vira-latas, mas o fazem com prazer e viram verdadeiros capitães do mato a perseguir e a cercear qualquer coisa que ofende a viralatice, qualquer gesto de independência. Esses são realmente nocivos: mobilizam recursos e mobilizam matilhas. Tudo com a finalidade de extinguir o que não for viralatice. Tudo com o intuito de viralatizar a Canabrava. Para essa gente, o mundo se resume a balançar o rabinho e baixar a cabeça. Ainda bem que Nelson Rodrigues nos deixou um chicote para dar nessa gente canina. Há braços!

Um comentário:

flor.oliver.m@hotmail.com disse...

Boa, muito boa. Esse complexo leva seus portadores a confundirem conhecimento de causa com agressividade; transparência com arrogância; ação cidadã com desequilíbrio. Para eles, se você gritar, em alto e bom tom, dentro de um supermercado, informando para os demais clientes que os produtos estão vencidos, você é desequilibrada e está fazendo escândalo - se o fizer faça baixinho para não chamar a atenção - se você conhece os direitos da pessoa (todo cidadão deve conhecer) e coloca-os em prática não aceitando abusos de poder, você é agressivo; se nas suas práticas cidadãs algum conhecimento seu vir a tona (transparecer que você porta algum título), cuidado! Pode parecer arrogância, portanto se esponha o mínimo, ou seja, não faça nada: seja cego, surdo, mudo e tenha sempre um sorrisinho amarelo nos lábios como código de "sim senhor, Doutor".
Quem disse que o bem tem de ser bonzinho? Tem de ser bruto e agressivo para frear a estupidez do mal.

Flor