12 outubro 2007

BOCA DO INFERNO 37

BOCA DO INFERNO ESPECIAL, DEZ ANOS DE INQUIETAÇÃO


Este número que estamos construindo com colaboração de intelectuais acadêmicos e de populares, vem marcar os dez anos de atividade crítica do nosso caderno. Na verdade este número 37 ratifica a tendência do Boca do Inferno em ser aberto, desde a sua primeira publicação, para a opinião indiscriminada dos mais variados segmentos da sociedade. HÁ BRAÇOS!


LEITURA VIRTUAL: O QUE É ISSO?
Luciano Rodrigues Lima (Doutor em Literatura, Professor titular da UNEB, Professor adjunto da UFBa)
Chama-se leitura virtual a leitura do texto na tela do computador (PC, lap top ou palm top), ou do texto projetado por um data show, projetor de cinema, tela de televisão ou mesmo um simples retro-projetor. O significado da palavra virtual é controverso (Gilles Deleuze, um pensador francês, alerta que o virtual não é o irreal, mas algo como o devir do real, uma espécie de futuridade do real), mas podemos falar de algumas de suas características: é algo que se revela como uma imagem do real, mas não possui uma corporeidade permanente; projeta-se como imagem e som perceptíveis, mas é resultado de um processo de codificação eletrônica e não do movimento de corpos reais (a música gravada é virtual, a voz ao celular, também, assim como o próprio texto impresso possui algumas características virtuais, pois representa as palavras que não estão sendo pronunciadas por nenhum aparelho fonador de verdade).A imagem virtual necessita de um componente cultural para a sua percepção e compreensão. Muitos animais não reagem à comunicação virtual pois não são capazes de compreender a cultura e o significado das invenções humanas (embora possuam sua própria cultura), enquanto outros, como os macacos e, às vezes, gatos, percebem e reagem diante das imagens virtuais, numa surpreendente capacidade de adaptação cultural.Voltemos, contudo, ao texto verbal virtual. A internet, o texto online, é, sem dúvida, o maior acervo de textos verbais para leitura virtual, cabendo citar, também, as edições eletrônicas de obras e textos de qualquer natureza, em CD-ROM, pen-drive, MP3, MP4, etc. A leitura desses textos se dá sempre em tela, mas essa concepção de leitura é avançada e o texto verbal pode ser associado a outros recursos midiáticos, como som, imagem em movimento, efeitos especiais de diversos tipos.Se me perguntam se o texto virtual substituirá o livro, no futuro, respondo que não sei. O futuro da tecnologia virtual é imprevisível. Mas penso que o texto virtual possui vantagens em relação ao texto impresso. O texto virtual é mais ecológico pois não necessita de papel, material atualmente feito de celulose vegetal. Também não ocupa quase nenhum espaço, algo tão importante nas reduzidas moradias das cidades grandes. Mas a maior vantagem do texto virtual é a sua praticidade, explicada através de aspectos como a atualidade, a velocidade e a acessibilidade. O texto virtual é sempre atualizável, como os dicionários, glossários e edições de obras online. As edições eletrônicas de jornais e revistas são atualíssimas. Mesmo os textos pessoais são mais rápidos, bastando comparar a carta tradicional e o e-mail. O acesso ao conteúdo dos textos virtuais (corpora para pesquisas, edições eletrônicas de obras completas, referências bibliográficas e referências terminológicas) é sempre mais rápido. Se estou lendo, por exemplo, a obra completa de Freud em edição eletrônica e desejo pesquisar o tema “inconsciente”, a edição me dará a indicação de todas as páginas, livros e artigos em que o termo aparece. Além disso, o texto em tela é digitalizado e pode ser copiado, reformatado, enviado para qualquer outro computador em qualquer parte, transposto para outros meios eletrônicos e, caso o usuário ainda possua apego às coisas matérias em si, como aqueles leitores fetichistas que adoram cheirar os livros, o texto virtual pode ser impresso.Penso que o Brasil, principalmente o MEC, os órgãos que lidam com cultura e ciência, as universidades, as editoras e mesmo aqueles que comercializam qualquer tipo de texto escrito, ainda precisam discutir uma política para disseminação do texto virtual. Sabe-se que existe, atualmente, mais leitura virtual do que leitura de texto impresso e mais lan-houses do que bibliotecas, mais e-mails do que cartas. E penso, ainda que existe mais escrita virtual do que escrita em papel. A escrita virtual é atraente, pois é assistida por revisores ortográficos, não existe partição silábicas, alerta-se contra repetição de palavras, pode-se corrigir infinitamente e já existem revisores gramaticais que auxiliam e alertam quanto às concordâncias verbal e nominal. Sem contar que se pode pegar qualquer informação online sobre nomes próprios, fatos históricos, obras, etc, para se utilizar na própria escrita.De volta à questão das políticas públicas, parece existir, ainda, principalmente nas universidades, um forte preconceito contra o texto virtual, principalmente o texto através da internet. Para muitos países, como o Reino Unido, a Austrália, os Estados Unidos e o Canadá, a internet já é o espaço em que toda a cultura acumulada (todos os textos clássicos de todas as áreas do conhecimento) está disponível gratuitamente em língua inglesa. É como se fosse a grande biblioteca de Babel, como a concebeu o escritor argentino Jorge Luis Borges. Enquanto esses países disponibilizam seus textos em suas línguas, o que angaria prestígio para suas respectivas línguas e culturas, no Brasil ninguém disponibiliza nada. Faltam iniciativas e sobra desconfiança.Se se quiser cobrar pelos textos, existem mecanismos como as livrarias virtuais, a exemplo do Questia, um portal onde se paga via cartão de crédito e se tem acesso a milhares de livros novos. Ou, buscam-se patrocinadores para os sites de leitura virtual. A pirataria eletrônica pode quebrar essa resistência ao texto virtual e tornar digital e gratuito o texto daqueles autores mais resistentes ao meio virtual. Assim, não querendo perder um pouco eles acabarão perdendo tudo. O texto virtual, no meu entendimento, democratiza a leitura.Imprevisível, o futuro do texto virtual e do texto escrito (discussão já antecipada em Apocalípticos e integrados, de Umberto Eco, mas também preocupação de pensadores baianos como Antônio Risério, em Ensaio Sobre o Texto Poético em Contexto Digital) interessa a todos os leitores. Encerro este breve texto (virtual) com uma frase do pensador Jean-François Lyotard, para reflexão: “...no futuro, tudo que não couber em tela de computador será descartado”.


AGORA SE PAGA PARA LER E ESCREVER
Aproveito o gancho da discussão levantada pelo professor Luciano para refletir sobre esse fenômeno que vem ocorrendo país a fora. Paralela aos destroços da educação e aos níveis baixíssimos de leitura, tem-se visto, nos últimos anos, a proliferação de lan houses, ou melhor, casas de internete por todo o país, sobretudo nos interiores. Há casos de cidades que nunca tiveram sequer uma biblioteca e agora têm vinte ou trinta lan houses em pleno funcionamento. E a leitura e escrita, antes uma tortura imposta pela pedagogia equivocada dos meios escolares, passou a ser um exercício que os jovens praticam diariamente nessas lojas de internete, seja via emeios, nos orkuts, nos msn, blogs, flogs, listas de debates ou chats.O poeta e professor Robério Barreto, inquieto pesquisador de mídias, atualmente ministrando aulas na Uneb de Irecê, com o qual iniciei um fértil diálogo, disse outro dia que Irecê, por exemplo, conta com mais de 25 lan houses, um número considerável se se for apurar que há apenas uma biblioteca pública, precária, na cidade. Diante desse quadro, a gente tem que se perguntar qual seria o reflexo disso na aprendizagem dos freqüentadores desses novos espaços de produção de leitura e escrita, pois o jovem que antes fugia da leitura e da escrita, agora, por desejo próprio, busca esses exercícios e, por incrível que pareça, paga entre 1 e 2 reais para executá-los, a sua maneira, em uma loja de internete.Num rápido olhar, o que se percebe é que a orientação e o controle do processo de desenvolvimento de leitura e da escrita escaparam do espaço escolar possivelmente só restando uma saída para a escola: trazer a internete para dentro de seus muros e a pedagogia, o conteúdo e os mestres para a internete. Parece que estamos no limiar de uma mudança radical na práxis pedagógica.Assim, antes de qualquer julgamento negativo ou positivo, acredito que é preciso investigar quais os conteúdos, os modos de recepção, de leitura e de escrita que esses novos leitores e produtores de texto estão exercitando; é preciso saber qual será o papel da escola nessa nova relação de leitura e escrita. Aqui para nós, será que algum canabrabeiro engajado já se deu conta de que esse fenômeno está ocorrendo também em Uibaí?HÁ BRAÇOS! alan oliveira machado


IRECÊ: CIDADE CIBERNÉTICA
Robério Barreto ( Professor da Uneb em Irecê)
Em Irecê há uma predominância de oralidade acima dos índices nacionais o que o caracteriza com cidade de fala. Por outro lado, não se tem conhecimento amplo de políticas públicas que incentivem a produção escrita e a prática de leitura. Então, eis ai que surge o espaço para a mídia digital – internete – na qual crianças e adolescentes se fazem usuários efetivos dos ciberespaços e ciberdiscursos, chegando a ocupar, em média duas horas de seu dia com acessos a sítios eletrônicos e salas de bate-papo, que nem sempre levam à pesquisa e muito menos à construção do conhecimento sistemático, uma vez que esses cidadãos cibernéticos já não mais aceitam as mensagens estáticas e conservadoras das mídias televisivas e radiofônicas, comumente encontradas em casa. Isso, sem dúvida, tem possibilitado o comércio da informação digital, de maneira que, em pesquisa recente, verificamos que nessa cidade existem 25 casas de internete – Lan House –, oferecendo acessos digitais a quem quer que seja. Esses serviços não têm muito controle, isto é, poucas casas digitais realizam o protocolo legal, ou seja, fazem o registro do usuário de forma correta, conforme pede a legislação federal.Nesse universo digital tem algo muito particular e significativo: os usuários da web estão divididos em conformidade com horário em que se dispõem a usá-la. Conforme pesquisado, no período matutino as casas de internete passam a ter movimento a partir das nove horas da manhã, momento em que boa parte dos usuários, estudantes, deixa a escola para ir a tal local se conectar com seus amigos virtuais. No vespertino, a lógica se inverte: os usuários na maioria das vezes vêm direto à Lan house, permanecendo por lá até fim do horário escolar. O curioso nisso é que tais enunciadores e enunciatários digitais, ao serem inquiridos sobre os sítios eletrônicos e quais as finalidades com que os acessavam, são uníssonos ao afirmaram: acessamos sites de jogos, orkut e menssager para conversar com nossos amigos e jogar com eles. Então, por esse depoimento, pode-se perceber quão a mídia digital está promovendo uma espécie de interação à distância com pessoas que nem sempre terão condições de se encontrar pessoalmente.Diante disso, há ainda que se destacar a questão do acesso. O mercado da Internet segue o principio da livre concorrência, isto é, devido à demanda a rede foi-se expandindo. Hoje, Irecê – BA tem, conforme já mencionado, 25 estabelecimentos comerciais oferecendo esses serviços, bem como há alguns espaços públicos com internete pública, porém, estes não correspondem a 10% do mercado privado. Em tamanha vantagem, a iniciativa privada, tem promovido promoções interessantes: Há quatro meses a maioria das casas de internete está com uma promoção tentadora: “acesso por 0,99 a hora” . Com isso, aquelas crianças e adolescentes que comprariam lanche na escola por esse valor, passaram a gastá-lo com a compra de uma hora de acesso à web. Esse tempo lhes possibilita navegar por vários mundos, inclusive lendo informações que jamais a escola e os livros didáticos lhes possibilitariam, sobretudo numa rede ensino onde não há bibliotecas com acervos atrativos, além de conhecer pessoas de várias partes do mundo e, assim, trocar informações sobre suas culturas.(Veja o texto completo em: poetadasolidão.blogspot.com)


SEU GIRANDOLÊ NA VOZ DO POVO

O povo uibaiense é mesmo surpreendente. Quando se pensava que a preocupação com a arte e a cultura havia morrido, eis que surge o Praça Inquieta, reinventando tudo; eis que o Grêmio Cultural emerge das cinzas, a Seac levanta-se de uma longa dormência e Uibaí começa a vislumbrar uma renovação cultural. Agorinha, possivelmente como síntese dessa renovação, aparece no pé da serra o SEU, sigla que resume o nome do Grupo de Teatro Sociedade do Espetáculo Uibaiense, fundado nos últimos meses com a nobre tarefa de tocar projetos de arte e cultura em Uibaí e administrar a Associação Uibaiense de Promoção de Arte e Cultura (Aupac), que garantirá o funcionamento do Grêmio Voz do Povo.O grupo, até então composto por oito membros, vem apresentando o espetáculo teatral Ambulância. Além do propósito de divertir, o Ambulância prepara e divulga o projeto Girandolê que abrange arte e cultura num sentido mais amplo. Tomara que a turma entusiasmada do SEU consiga ensinar para Uibaí que arte e cultura é algo fundamental e que quem se dedica a essas atividades é um trabalhador que merece respeito e remuneração como qualquer outro profissional.

A TERCEIRA CEGUEIRA:
REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO LETRAMENTO E CULTURA ORAL

Cosme Batista dos Santos[1]

Este texto que dou o titulo de a terceira cegueira[2] é parte de uma seqüência de textos curtos que venho produzindo sobre determinados conceitos e orientações teóricas de pesquisa sobre o letramento e que, por diversas influências, têm sido utilizados na construção da paisagem conceitual de trabalhos sobre o letramento ou de estudos das praticas sociais mediadas escrita. Como já foi dito, este texto, particularmente, discute uma primeira cegueira que caracteriza a cultua escrita na sua relação com as outras modalidades culturalmente situadas de significação. Acrescenta uma segunda cegueira que, historicamente e geograficamente, impede o trânsito entre a cultura oral e a cultura letrada, assim como entre os seus sujeitos e praticas. Trata ainda de uma terceira cegueira que, nos nossos dias, parece surgir como produto de certas leituras situadas na fronteira ou na interface entre tais culturas.

A primeira cegueira é atribuída, basicamente, à ciência moderna e à cultura escrita, essa última, por ser o canal por excelência dos bens culturais e científicos dos segmentos dominantes da sociedade. A cultura letrada não viu, nem produziu os instrumentos que permitissem o acesso ao conhecimento prático, à cultura oral, às maneiras de fazer e de dizer dos subalternos, dos camponeses e dos operários. Não há na cultura escrita dominante, o espelhamento das ações periféricas dos homens simples, da sua cognição, das suas manifestações culturais e sociais, das suas lutas e dos seus testemunhos históricos.

A segunda cegueira é atribuída, basicamente, ao senso comum e à cultura oral, essa última, por ser o canal diverso de produção de sentido e de circulação dos saberes culturalmente e tradicionalmente produzidos nas/pelas diferentes tribos e comunidades do mundo. A cultura oral ou, em outros termos, os grupos que não possuem o poder da leitura e da escrita, são historicamente excluídos do acesso aos sentidos, saberes e ações que a cultura letrada permite acessar, por exemplo, como o faz as minorias dominantes que possuem a letra. A falta do acesso aos bens simbólicos da cultura letrada de elite não permite com que os subalternos, os ditos pouco letrados, acessem o trabalho em condições mais especializadas e os conhecimentos e códigos letrados úteis á sua sobrevivência, como por exemplo, a capacidade de transitar em outras culturas e novas realidades históricas, geográficas e lingüísticas, por exemplo. A segunda cegueira, nesse sentido, se configura pela ausência de uma “luz” para o exterior da cultura oral e que através dela os ditos poucos letrados possam migrar dos seus lugares para outros ainda então desconhecidos; e que através dela possam “iluminar”, evidentemente, não em termos absolutos, o mapa do conhecimento, do lugar e da história alheios, dos bens produzidos por tantas gerações, em tantos lugares distintos e distantes.

A terceira cegueira é atribuída aqui à tentativa de dar sentido ao dito fim da fronteira entre a cultura letrada e a cultura oral, sinalizando o desmonte das dicotomias e das polarizações entre o letramento e a oralidade, por exemplo, muitas vezes sob a proteção de um revestimento meramente estético. Essa operação de desmonte dos pilares sólidos dessas culturas em muito pode estar contribuindo para o surgimento disso que estamos chamando de uma terceira cegueira e que parece ganhar espaço em novos quadros ou paisagens conceituais que estão se formulando na base de explicação de novos trabalhos sobre o letramento situado. Esse componente teórico, a nosso ver, se não resulta de um rigor analítico tão necessário à investigação em linguagem, poderá também se encerrar no mero revestimento estético categorizado pelo pressuposto. Em outros termos, poderá obscurecer ou negligenciar, por exemplo, as interferências mútuas entre as culturas que certamente nem sempre apresentam a mesma configuração, grau de circularidade e traços que se (des) estabilizam entre elas.
A rigor, a mistura cultural e lingüística não lembra, pelo menos em termos absolutos, a diluição de líquidos em um mesmo recipiente, conforme parece sugerir algumas análises mais empolgadas do hibridismo na relação cultura oral e a cultura escrita. Esse tipo de análise especulativa não resolve o problema das duas cegueiras já descritas, não empodera nada, nem ninguém, apenas poderá institucionalizar uma nova, uma terceira cegueira.

[1] Doutor em Lingüística Aplicada, Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Pesquisador do Grupo Letramento do Professor –IEL/Unicamp.
[2] Texto inspirado nos debates ocorridos no IV Seminário do Grupo Letramento do Professor ocorrido em agosto de 2007, no Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp. É também inspirado na obra de Boaventura de Sousa Santos sobre a sua “Crítica da razão indolente” (Santos, 2002). Devo adiantar também que são reflexões que compartilho com muitos outros, mas que pretendo levar adiante e até ampliar, sem a necessidade de citações explicitas.

DELÍRIOS


Sou tão obvio que fico imaginando que não preciso te dizer nada. Simplesmente é indescritível o estagio de transmutação da consciência. Basta encontrar o ponto de ruptura, o momento de sair dessa esfera e sublimar, deixar todas as palavras e emoções palpáveis lá fora, ao relento e frio da noite, perceber que sua visão não é para fora, e sim para dentro, e ir seguindo os passos de seus olhos fechados, e você parado fisicamente, deitado, sentindo as pernas distante, ou próxima demais dos olhos, seus dedos entram na boca e você começa a caminhar dentro de si, ao avesso, o liquido de seu corpo é um mar onde se pode navegar e não tem como dizer quais cores e quais formas, porque aqui fora de mim, isso não é palpável, sendo assim, tal qual o prazer, o orgasmo, o delírio não é possível descrever nitidamente, mas querendo, se entregando e seguindo os passos, é possível viver o momento mais seu de sua existência, quando todos os seus medos conflitantemente são vencidos e o tempo, deixa de existir, toda a sua vida e memória passam em seus impulsos elétricos e a comunhão da vida de todas as outras pessoas percorrem os sentidos da integração, de uma folha caindo, ao ponto luminoso que entra pela greta do telhado. Somos o próprio universo e nosso encanto ao ver esse mundo material (paisagens naturais, aves coloridas, canto, filmes de amor...), vem dessa dimensão, de que é fascinante redescobrir que é possível estar juntos, ser um, ser todos e não ser nada. Ai chega o momento em que você entra em crise e luta pra ficar e ao mesmo tempo tenta sair, e os líquidos vão sendo dispersos ao ponto que você começa a voltar, e não existe diferença entre olhos fechados e abertos, se estiver concentrado em si mesmo, e perceber que existe a necessidade do outro, que preciso sair daqui de dentro de mim, tanto quanto preciso ficar, mediar os caminhos e a sensibilidade do estado atual. O agora, que acaba de passar, e tudo vai seguindo seu ritmo.
(Caio Fernandes, cursando Ciências Sociais na UFCG)





A IMPORTÂNCIA DO BOCA DO INFERNO – OPINIÕES

Quando este veículo deu a partida, muitos não acreditavam, outros tantos combatiam ou torciam pelo fracasso. Alguns embarcaram e contribuíram para essa viagem em determinado tempo, inclusive o autor deste texto. Com críticas, como deve ser todo processo de construção coletiva que pretenda ser libertário, fomos descendo dos vagões, mesmo em andamento. Neste momento, que esta revista vai fazer 10 anos, quero saudá-los pela coragem e persistência em continuar semeando criticidade naquele terreno árido com a perspectiva de colher libertação. Acertos e erros são apenas visões diferenciadas de um determinado fato histórico. Ousemos continuar sonhando e construindo a sociedade do futuro, ou seja, uma sociedade sem oprimidos e sem opressores. Um forte abraço. João Setão, direto de Brasília.


NÃO LEIA O BOCA DO INFERNO
Uma grande besteira que fiz em algum tempo desses dez anos foi ler o Boca do Inferno. Que perda de tempo! Foi no Boca do Inferno que ouvi falar pela primeira vez de Nietzsche, Freud, Foucault. Boas pulgas atrás da orelha e boa curiosidade, mas daquela que mata, não os bechanos, mas a ignorância! Foi no Boca do Inferno que se chamava a atenção para a esquerda violeira (que pega com a esquerda e toca com a direita) da velha Canabrava que era, na verdade, uma nostálgica oposição. As frestas de esquerda estão no pé da serra: é preciso transformá-las em boqueirões! Depois, o Boca do Inferno foi um dos lugares em que escolhi, armado de Marx, Gramsci, Thompson e de uma teoria que não é idealista e uma prática que não é voluntarista, para botar a boca no mundo e dizer que não está tudo bem, que tudo não tem que ser assim!Não leia isso. Depois não diga que há unanimidade em Uibaí e, muito menos, que ela é burra.(flávio dantas martins, estudante de História)
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É interessante a provocação que a revista Boca do Inferno faz... É assim uma coisa bem diferente do que nós estamos acostumados a ver em outros meios de comunicação. A gente sente muita falta desse tipo de elemento crítico presente nos textos da revista Boca do Inferno. Então, que não demore a sair o número seguinte e que vocês continuem realmente com essa linha crítica e ao mesmo tempo cultural que é assim bem vista e bem comentada por aqueles que conhecem a imprensa e a comunicação em si. (Gervásio, jornalista e assessor político)


Boca do Inferno é uma forma inteligente de mostrar as idéias, principalmente, sobre política e cultura, um caderno que, além agregar muito valor, dá oportunidade a jovens escritores que estão surgindo. (Joaquim Oliveira Machado, estudante de Administração)


Li o Boca do Inferno nas ocasiões em que chegou às minhas mãos e acho importante porque é uma forma nova de comunicação, de denúncia, de debate e de reflexão.
( Zé das Virgens, Deputado Estadual)


Sou um leitor assíduo do Caderno Cultural Boca do Inferno. É um caderno que todo mundo deveria ler, pois tem mostrado uma postura interessante para a sociedade uibaiense, sobretudo quando reflete sobre a política social e cultural no município.
(Djalma Silva, ativista cultural uibaiense)


Boca do Inferno se tornou um meio de comunicação bastante importante para a comunidade de Uibaí. Tem sido um grande aliado na transformação e conscientização dos jovens, na abertura do conhecimento e no crescimento sociocultural do município. (Lívia Oliveira Machado, Socióloga)

25 agosto 2007

BOCA DO INFERNO-36

O PAN NOSSO DE CADA DIA
A cobertura dos Jogos Pan-americanos durante dezenove dias do mês de julho dá uma importante pista sobre como funcionam os meios de comunicação no Brasil e o que de fato está no centro de seus interesses. Se a gente for confrontar os dias que antecederam o Pan com os dezenove dias de Pan, teremos um quadro curioso em mãos. Para isso, vamos tomar como referência a Rede Globo de Televisão, maior emissora do país, com os mais altos índices de audiência.

As notícias centrais veiculadas pela Globo, nos dias anteriores aos Jogos Pan-americanos, tinham como cenário o Complexo do Alemão, morro carioca dominado pelo tráfico de drogas e pela violência, a crise aérea e o caso Renan. Todos os dias, nos principais jornais da emissora, o tiroteio no morro, as vítimas de balas perdidas, o cerco da Força Nacional de Segurança e as dezenas de mortes provocadas por essa guerra dividiam espaço na telinha com as filas intermináveis em aeroportos e com as manobras do presidente do Senado para se livrar dos processos no conselho de ética. De repente, o Rio de Janeiro mergulhado na violência e o país envergonhado com o desrespeito nos aeroportos e a falta de caráter dos políticos do Senado desapareceram da tela da Globo, aparecendo em seu lugar apenas o Pan, num Rio de Janeiro paradisíaco, feliz, sorridente, sem violência, sem drogas. Um Rio de pele branca, endinheirado e glamouroso. Não vamos dizer aqui que todo mundo sabia, mas deveria saber, se não tivesse emPanturrado do espetáculo esportivo, que o cerco da polícia continuava no morro. Os tiroteios seguiam fazendo vítimas diárias e as manobras políticas persistiam, adiando a punição de Renan, tais como a crise aérea continuava transtornando os cidadãos.

Esses dezenove dias de paz jogados de repente como um lençol colorido sobre as mazelas do país pelos meios de comunicação refletem o que realmente é importante para as empresas de comunicação: o lucro a qualquer custo. A elas interessa, mais do que informar e educar, vender produtos, fechar contratos publicitários milionários como os que foram executados nos dezenove dias de Pan. Afinal, quem iria querer anunciar produtos em meio a um noticiário que privilegia a denúncia de violência, morte, corrupção e desrespeito ao consumidor? Se isso era um problema para as empresas de comunicação, nada mais simples de resolver: se a realidade inviabiliza os interesses empresariais da Globo e companhia, então que se dane a realidade. Aí, sabendo que o povo desde longas datas prefere pão e circo, os meios de comunicação, em conveniência com seus contratos, deram ao povo Pan e circo. Criaram o Rio dos sonhos, recheado de propaganda de marcas esportivas, produtos energéticos milagrosos, bancos bonzinhos, de atletas felizes e gente simpática. E sustentaram esse espetáculo miraculoso até a última prova esportiva.

Quem estava atento a todo esse trabalho de suspensão da realidade, com fim meramente comercial, empreendido pelas referidas empresas, pôde constatar que um dia após o Pan, como num passe de mágica, o Rio começou a virar o inferno de sempre pintado pelos meios de comunicação e o apagão aéreo juntamente com o caso Renan voltou às bocas de múmia de Wiliam Bonner e congêneres. Mas por que voltou? Por perversão, sadismo? Claro que não, voltou porque quem não tem Pan caça com gato, aliás, com ratos também e tudo mais... Explorar casos como a violência em determinados estados, a desordem nos aeroportos e a corrupção política, como pauta única, do modo cosmético e exclusivo como vem sendo explorado, quando não produz dividendos de imediato, produz a médio ou longo prazo. Afinal, qual alma não percebeu o abrandamento do discurso da Band, em relação ao governo federal, com a contratação de Franklin Martins para o seu quadro de jornalistas, seguida pela imediata entrada dele no quadro de ministros de Lula e quem não está vendo a Globo, em resposta a esse movimento que aumentou a receita da Band e diminuiu a sua, engrossar o volume, o tratamento e o tom das críticas ao Governo Federal?

Diante disso, fica fácil compreender quem somos nós, expectadores, cidadãos comuns, para essa elite que produz hegemonicamente a “comunicação” brasileira. Basta apenas observar criticamente os fatos e eventos que essa elite prioriza. Para quem não sabe, certa vez, numa reunião de pauta do Jornal Nacional, o dito Wiliam Bonner ofereceu elementos suficientes para essa compreensão. Segundo o diretor e apresentador do jornal das oito, da Globo, o povo é como Romer Simpson, aquele personagem de desenho animado americano: idiota, com dificuldade de compreender as coisas e fácil de manipular, sendo papel do Jornal Nacional dourar pílulas aparentemente noticiosas com o máximo de idiotices para não ofender a parvoíce desse tipo de expectador, de modo a mantê-lo fiel aos programas e propósitos da emissora. Quem quiser que se sujeite a isso! (alan oliveira machado)

22 junho 2007

BOCA DO INFERNO 36


PERSEU E A MEDUSA OU NÓS E A REALIDADE?


Vamos usar como base para essa reflexão um mito grego. Sim, porque os mitos nos têm muito a ensinar na medida em que constituem uma condensação simbólica da consciência, da inconsciência e da experiência humana ao longo dos tempos. Então pensemos no mito de Perseu e Medusa. A Medusa era um monstro tenebroso com cabelos de serpentes. O olhar dessa criatura petrificava literalmente todo e qualquer opositor de tal forma que quem a enfrentava acabava reduzido à pedra. E se determinarmos que essa figura da medusa, também conhecida como Górgona, é uma representação simbólica da realidade, o que poderemos dizer? Poderemos dizer que a realidade é monstruosa, que ela nos amedronta, nos petrifica, nos desumaniza, nos angustia e nos reduz à insignificância. Então, nossa vida é essa luta para sobreviver à estagnação pétrea, à desumanização imposta pela realidade meduzina. E ao ver o tanto de pessoas que a realidade desumaniza, petrifica, reduz a pó, de imediato, nos enchemos de desânimo e tristeza. É como se não existissem saídas.


Mas esse é um lado do mito da Górgona. No correr da narrativa mítica, nos damos conta de que Perseu venceu a Górgona, decapitou-a e isso significa muito na medida em que nos mostra uma saída. Perseu evitou o olhar da Medusa, evitou também olhá-la. Traduzindo, Perseu evitou a crueza da realidade, para poder sobreviver a ela e evitar essa crueza, sua dureza, não significou ignorá-la. O que fez o herói mítico foi mudar a forma de olhar, mudar o ângulo sob o qual estava acostumado a ver a realidade. O ângulo que o paralisava, que o insensibilizava, que ameaçava a sua existência humana, tornando-o frio como uma pedra. Perseu notou que poderia encarar o monstro mirando-o pelo reflexo do seu bem polido escudo. Assim, acompanhou os movimentos da Górgona até o momento em que pôde desferir-lhe um golpe seguro e certeiro, vencendo o terrível animal. Uma das lições que o mito nos dá então é a de que precisamos mudar o modo de ver e encarar as coisas de vez em quando, para nos livrarmos da paralisia terrível que o posicionamento monolítico nos provoca. Mudar a maneira de ver um amigo, um irmão, um inimigo, um filho, a família é, em princípio, evitar os conceitos pré-elaborados, é não se satisfazer com a imagem imediata, é deixar que o outro apareça diante dos nossos olhos de forma diferente, como uma novidade inquietante; é não se deixar apanhar pelo que brutaliza o olhar, pelo que o desumaniza. O que fizemos e o que temos feito, principalmente no campo político, é isso. E não é fácil fazê-lo. Afrontar a realidade fora do campo de acomodação que a faz funcionar, fora do campo de condicionamento que ela cria para a gente se submeter é quase sempre muito violento. Precisamos matar uma medusa por mês pelo menos para não virarmos estátuas de pedra, ou melhor, bonecos nas mãos dos outros. E matar esse bicho, ou seja, desmistificar uma prática, desmistificar um pensamento, um modo de encarar a vida, gera rancor, irritação e reações emocionais as mais diversas, nas pessoas que estão arraigadas a essas coisas, com destinos petrificados. Numa situação dessas, como tocar o coração, o orgulho e o caráter de pessoas petrificadas a não ser com marteladas, com marretadas? No que concerne a nossas críticas políticas em Uibaí, por exemplo, temos a impressão que já rendeu o que devia render. Elas fizeram muita gente ir estudar, outras se preocuparem com o que fazem e o que dizem, fez outras irem ler e escrever e, no momento, nos damos por satisfeito com isso. Não nos incomodamos com o peso do mal-estar emocional dos outros que sobra para nós, isso faz parte do processo. Quando nos propusemos a questionar a nossa realidade de esquerda já contávamos com essas reações. Soubemos nos blindar (parte boa da informação psicanalítica) e o fizemos como deveria ser feito, nos momentos adequados.


Como dissemos, essa fase rendeu o que podia. Agora o foco é outro: a união, a organização, a base... O Boca do Inferno 35 já sinaliza essa nova direção. A nossa preocupação é organizar o que está ausente dessa linha que foi bombardeada. É dar visibilidade ao que a nossa prática (de todos os uibaienses) deixa ausente, ignora. Vamos, a partir de então, fazer emergir o mais simples, agora, com uma boa bagagem, levando uma cabeça de Medusa na mala. Isso mesmo, haviamo-nos esquecido de dizer que olhar a realidade de outro modo não é só uma forma de vencer o que há de cruel, duro e desumano nela senão também um modo de tê-la como arma em nosso próprio benefício. Perseu carregava a cabeça da Górgona dentro da capanga o que o tornara invencível. (vejam que lição: vencer a dureza da realidade nos torna invencíveis) Toda vez que enfrentava um inimigo imbatível, retirava da capanga, segurando pelos cabelos de serpentes, a cabeça do monstro e mostrava ao inimigo que, ao fitar o semblante da medusa, virava uma estátua de pedra inofensiva.Por fim, pensamos que todo o mundo tem uma medusa a atormentar e que precisa ser decapitada. Uns demoram mais para vencê-la, outros são eliminados pelo seu olhar terrível. Muitos que a vencem não sabem usá-la em defesa própria. Mesmo assim, cada quem escolhe o ângulo mais estratégico, pelo qual acredita que corre menos riscos de se sucumbir. É por isso mesmo que pessoalmente não estimulamos ninguém a seguir nossos passos. Os movimentos que aprendemos a esboçar, como desvios da dura realidade, podem configurar-se como abismos para os outros. É por isso também que ficamos atentos às soluções que os outros acham em seus enfrentamentos, aproveitando as soluções que amenizem nossa luta e repudiando soluções que podem nos atirar ao abismo. HÁ BRAÇOS!


QUEM É INIMIGO DO SABER?


O ser humano desenvolveu a escrita porque um dia teve necessidade de preservar sua memória de forma que pudesse consultá-la a qualquer momento. Isso permitiu a ele transmitir suas experiências e conhecimentos às gerações posteriores. A partir do memento em que começou a acumular conhecimento e a utilizar esse saber acumulado, a humanidade se tornou dominante no planeta e toda a sofisticação tecnológica de que dispomos hoje é fruto do uso crítico desse conhecimento guardado.


Atualmente, há várias formas de armazenar o conhecimento: livros, CDs, fitas, softwares, chips etc. Todas essas modalidades podem ser encontradas em bibliotecas. Dentre elas sabemos que o livro é a mais tradicional forma de preservar o conhecimento. Embora o livro seja a forma que concentra maior simbologia, todos os outros recursos trazem um ponto em comum com o livro: eles são materiais de leitura. A leitura então é o elemento mais importante de todo esse processo. Nenhum desses instrumentos faz sentido sem a leitura. Afinal eles não são apenas depósitos de informação e sabedoria, são instrumentos que devem ser utilizados num processo de interlocução que vise dar condições ao usuário de interagir com o mundo de forma a transformá-lo, a protegê-lo, a torná-lo melhor.


A biblioteca então é esse espaço sagrado que permite ao ser humano o acesso a sua história, a seu fazer e ao seu saber. O acesso a esse universo é fundamental para a compreensão do próprio homem e do meio em que vive. Assim, ler é um exercício de descoberta do mundo. Por meio da leitura o ser humano se desentorpece, se abre para o mundo e passa a vê-lo de forma mais sensível, mais crítica. A partir da leitura, ele pode avaliar melhor suas ações cotidianas e a si mesmo, já que, em grande medida, é constituído por aquilo que lê. O que não é outra forma de dizer que deixamos de ser aquilo que não lemos.


No mundo atual, onde predominam a informação rápida e a alta tecnologia, é inconcebível que ainda haja pessoas que não saibam ler ou que não gostem de ler. Essas pessoas, à medida que estão afastadas da leitura, do conhecimento, tornam-se reféns do meio social e reagem inconscientemente a essa condição de forma equivocada, às cegas, provocando situações que ajudam a atrapalhar o bom desenvolvimento da sociedade como um todo. Inaptas para fazer uma leitura de mundo, crítica e eficaz, elas seguem como bois dependentes das rédeas, a maioria das vezes opressivas, do meio em que vivem.


Paulo Freire nos ensina que "a leitura de mundo precede a leitura da palavra" e aqui acrescentamos que a leitura da palavra atualiza a leitura de mundo, tornando-a critica e renovadora. Ler, portanto, é um gesto revolucionário que garante ao leitor o acesso a diversidade da realidade, que amplia suas possibilidades de escolha, sua liberdade de decisão, enfim, sua cidadania.


A biblioteca deveria ser um bem fundamental imprescindível em municípios, cidades, escolas, casas de família, clubes etc. O conhecimento nos humaniza por isso nos autodenominamos homo sapiens, ou seja, o homem do saber. Assim, podemos concluir que onde não há bibliotecas há desigualdades, há processos de desumanização, há pouco desenvolvimento, pouco senso crítico, pouca sensibilidade estética etc.


Neste momento, perguntamos então onde estão as bibliotecas públicas de Uibaí? Elas simplesmente não existem. Para não ser injusto, existiu uma discreta biblioteca pública atrás do Grupo Escolar José de Alencar, mas ela, hoje, pelo descaso público, está reduzida a um depósito de livros velhos, tão sombrio quanto um túmulo, na rua da delegacia, sem condições alguma de servir à comunidade. (dionizo tamanduá)


A IMPORTÂNCIA DE UM BOM CURSO SUPERIOR


O acesso ao ensino superior de qualidade constitui um dos principais caminhos para o desenvolvimento da cidadania. Na boa universidade, o discente terá acesso aos mais diferenciados conteúdos e aos saberes necessários para que desenvolva a consciência de modo a ser capaz de se situar no meio social sem deixar de perceber os interesses que estão embutidos nas relações de força. Assim, ele poderá fazer escolhas sensatas, em sintonia com os melhores sentimentos de humanidade.


No decorrer da vida acadêmica, o estudante não só obterá conhecimentos suficientes para torná-lo um profissional qualificado como também experimentará, nessa convivência, o embate com opiniões divergentes, com correntes filosóficas que fundamentam as mais distintas visões de mundo, podendo, a partir dessas experiências, compreender o mundo de forma mais complexa, bem como aprender a exercitar o senso crítico e o respeito à diversidade.


Os desafios que o estudante encontrará em um bom curso superior provavelmente estarão em sintonia com as problemáticas e necessidades da sociedade contemporânea e esta exige cada vez mais que os indivíduos se comportem como cidadãos, ou seja, que saibam interagir em campos de conhecimento variados, que saibam dialogar com culturas distintas de forma respeitosa, que saibam sobretudo intervir no meio social de modo a garantir a soberania do bem comum.


O cidadão dotado da capacidade crítica, construída no exercício da vida acadêmica, desenvolve um tipo de consciência que desloca para a leitura das relações de força, as noções de coletividade e de justiça. Ele analisa o jogo do poder tendo em vista o horizonte macro-social e mede suas escolhas e ações, portanto, com base no que for menos lesivo para o meio no qual está inserido e do qual dependem a sua sobrevivência, o seu prazer, sua alegria e sua qualidade de vida.


Devido às demandas do mundo globalizado, a educação no Brasil deixou de ser um direito e passou a ser uma mercadoria muito valorizada. Ultimamente, o que mais prolifera no país são as universidades e faculdades tabajaras. Essas são empresas capitalistas que pouco ou nenhum compromisso têm com a educação, uma vez que visam exclusivamente o lucro. Assim, embora vendam uma excelente imagem via propaganda, oferecem um ensino de baixa qualidade, com professores desqualificados e sem nenhum incentivo à pesquisa, a troco de altas mensalidades. É aconselhável que o uibaiense, postulante a uma vaga em um curso superior de boa qualidade, fuja desses camelôs da educação. As boas universidades e faculdades não fazem propagandas. As avaliações periódicas do Ministério da Educação por si só demonstramompromisso delas com a educação de qualidade.
(alan oliveira machado)

04 maio 2007

BOCA DO INFERNO 35

EDITORIAL

Em 2005, no início da crise do mensalão, nosso caderno apontava, no final de um editorial, a necessidade urgente de uma reforma política e judiciária no país. Entendia-se que um dos caminhos para se sair do lamaçal da corrupção, cujo mensalão era apenas uma das facetas, seria mudar as regras do jogo, as leis referentes à disciplina parlamentar, partidária e também questionar os métodos e comportamento do sistema judiciário, bem como sua disciplina.

A CPI que investigou o valerioduto virou um palco no qual grupos políticos que sempre dilapidaram o patrimônio público encenaram o discurso cínico de que se precisava passar o país a limpo. Figurinhas como ACM Neto, Rodrigo Maia, entre tantos, borboleteavam na frente das câmeras de TV vaticinando o fim da imoralidade política brasileira. Mas todo mundo sabe no que deu a tal CPI. Em nada! Corruptos reeleitos, outros aposentados com gordos salários etc. E pior, o nosso dinheiro, o dinheiro povo, foi novamente jogado fora, pois a investigação implicou gastos altíssimos com auditorias nacionais e internacionais, papel, tinta, impressão, horas extras, viagens aéreas internacionais e contratação de funcionários. Milhões de reais escorreram pelo ralo da Comissão Parlamentar de Inquérito sem resultado algum. E a respeito disso o silêncio agora é sepulcral.

Todo o gasto com a CPI foi inútil porque a maioria esmagadora do congresso compunha-se de grupos, empenhados tão somente em derrubar uns aos outros. A preocupação com o país, com a moralidade pública, era muito pouca, para não dizer inexpressiva. A prova de que isso é verdade é que até hoje não existe reforma política, aliás, nem se fala nisso, principalmente porque o ano que vem é eleitoral e, pelo andar da carruagem, vai seguir os mesmos moldes dos anos anteriores, com caixa-dois, tráfico de influência, manipulação de verbas públicas etc. Ah, se o povo acordasse!

Quanto ao intocável poder judiciário, já se adivinhava a sua podridão e o seu papel de aparelho ideológico do Estado desde o caso Rocha Matos, juiz comandante de uma quadrilha judiciária que advogou em favor da impunidade de Maluf e de muitos grandes empresários em vários casos de superfaturamento de obras e licitações, bem como de desvio milionário de dinheiro público. É claro que há exceções ou mais que isso no judiciário, elas existem em qualquer área. Mas o fato de boa parte dos magistrados brasileiros não se sujeitarem à podridão não quer dizer que o judiciário não esteja podre. O caso do ministro Paulo Medina e da quadrilha de juizes e desembargadores desmontada recentemente pela Polícia Federal nos dão bastantes razões para lutar por uma reforma profunda desse poder. O desfecho que o próprio judiciário tende a dar para o caso Medina, indicando aposentadoria com vencimento integral de R$ 23.000 reais, é um sintoma de que as coisas continuam erradas no judiciário. É praticamente impossível avaliar o tamanho do rombo social, político e financeiro que um ou vários anos de decisões corruptas de um ministro do Supremo Tribunal, como Medina, causaram no Estado. É algo gigantesco e em muitos sentidos irreparável de tal forma que a aposentadoria do ministro corrupto configura-se uma afronta ao povo brasileiro.

Se a gente for adicionar a isso tudo a extensa lista com o número de empresários e políticos ladrões que tiveram seus crimes comprovados nos últimos anos e que continuam soltos e ricos às nossas custas, a gente vai se perguntar qual foi a justiça que os julgou e quais foram os critérios utilizados. E se essa justiça é a mesma que julgou e condenou uma moça pobre e miserável por roubar um pote de margarina, mantendo-a na cadeia até hoje, a gente certamente vai se convencer de que não dá mais para aceitar as coisas do jeito que elas estão.
HÁ BRAÇOS!


LITERATURA POPULAR COM ORGULHO!

Vejam bem, meus caros leitores, muito já sofri com discriminação por causa do tipo de literatura que eu produzo. Já ouvi tudo quanto é disparate a respeito do meu trabalho. Em vez de ficar batendo boca, vou logo dizendo que faço Literatura Popular, do jeito que aprendi no meu universo sertanejo. Sou do pé da serra com muito orgulho.

Mas, para esses aí que viram a cara pros meus versos eu digo o seguinte: a Literatura Popular não é cacoete mental de nordestino pobre, nem tampouco sinônimo de incivilidade. Pelo contrário, esse tipo de literatura surgiu exatamente da necessidade de civilidade, de comunicação e preservação de fatos e histórias na memória do povo.

Houve uma época em que os trovadores, os menestréis, tetravôs ou mais dos poetas repentistas e cordelistas de hoje, desempenhavam uma função social muito importante. Eles eram os jornalistas de uma época em que ainda não existia língua escrita ao acesso de todos e que, portanto, o único meio de comunicação era a fala. Esses homens rodavam o mundo todo parando de reino em reino, de aldeia em aldeia, ouvindo estórias e fatos importantes e divulgando as histórias e fatos que traziam de outras terras e reinos. Assim, eles cumpriam a missão de divulgar a cultura e os acontecimentos do mundo e por isso mesmo eram muito respeitados.

Como não havia escrita, os menestréis criaram modos de memorizar mais facilmente os fatos, então passaram a veiculá-los em versos, inventaram formas, ritmos e rimas, simplificando a memorização das histórias, para eles e para o povo. Quem já leu Dom Quixote, a paródia de novela cavalheiresca de Miguel de Cervantes, publicada entre 1605 e 1615, pôde perceber que o personagem Dom Quixote se surpreende ao chegar a terras longínquas e encontrar suas próprias aventuras já noticiadas por poetas populares. Então, desde sua gênese, a Literatura Popular tem esse cunho social: registra guerras, amores impossíveis como os de Píramo e Tisbe, que, enraizado na cultura popular por esses trovadores, deu a Shakspeare matéria para criar Romeu e Julieta. Registra também, coisas bizarras, comportamentos escabrosos de padres, políticos e homens de poder, tal como as punições que a providência guardou para os atores dessas histórias.

Deu para o leitor perceber que quem discrimina essa literatura não passa de um ignorante que sente dificuldade em situar as coisas nos seus contextos devidos e dana a tachar de ruim tudo que está fora do seu contextozinho elitizado.

Dentre os grandes mestres do nosso Cordel, gênero de maior representação da Literatura Popular no Brasil, destaco o pernambucano Leandro Gomes de Barros, o maior de todos, e o paraibano João Martins de Athayde. Sem desdouro a esses dois mestres e a muitos outros participantes como Patativa do Assaré e Zé Limeira, assumo ser meu mestre e guia o baiano Cuíca de Santo Amaro, que, na primeira metade do século vinte, pregava o seu cordel pelas ruas de Salvador, na boca do Elevador Lacerda e Na Baixa dos Sapateiros. De língua ferina, Cuíca não perdoava as presepadas políticas, nem as contradições morais grosseiras, seja de padres ou demais figurões do poder. Tudo noticiava com escárnio, em tom jocoso e debochado, nas centenas de folhetos que produzia e vendia pelas ruas da capital baiana.

(J.M.da Silva)





PROJETO RUA ATIVA

Abrimos agora, neste número do nosso caderno, amigos leitores, um espaço para o projeto Rua Ativa. O objetivo nosso é incentivar a população das ruas de nossa cidade a escrever sua história, a participar cotidianamente da vida política e cultural da cidade, exigindo atenção do poder público e melhorias para todos. A rua a que nos dedicaremos neste número e a Rua do Cascalho, o Pé de Galinha, mas esperamos que todas as ruas se manifestem e entrem nessa luta. Os textos a seguir compõem o primeiro jornalzinho de Rua de Uibaí: Força do Povo, espaço de expressão que a partir do segundo número deverá ser composto e produzido com a participação do povo do Cascalho. Vamos ao que interessa!





JORNAL FORÇA DO POVO


UM DIA A GENTE CANSA

Olá, amigo morador do Cascalho, esta é a Força do Povo. Um informativo que pretende ser o espaço de expressão e reivindicação dos moradores dessa que é uma das mais antigas ruas de Uibaí e que desde sempre é ignorada pelo poder público. Todo mundo do Cascalho paga imposto, tanto quanto os moradores de outras ruas muito bem tratadas pela prefeitura. E cá na nossa rua, o que a gente ganha por ser honesto e cumpridor das leis? Ganha poeira na cara, buraco e desrespeito, entra ano sai ano! Basta, isso tem que mudar! Chega uma hora que a gente cansa!

Então, o que a gente tem que fazer para acabar com esse desrespeito? Como exigir melhorias para o Cascalho, ou seja, calçamento, saneamento básico, construção de pracinhas na frente da escola Eurico Dutra e no entroncamento do Pé de Galinha, lá embaixo? Como por um fim no abandono? A resposta é simples: se organizando! Se a resposta é simples, a tarefa não é fácil. De início é importante que o pessoal da rua participe de reuniões, organize a associação de moradores do Cascalho, descubra quais são os principais problemas que afetam a comunidade, escolha as prioridades e comece a luta nas instâncias públicas responsáveis, para ir resolvendo os problemas. É preciso acabar de vez, em Uibaí, com essa história de que umas ruas são melhores do que as outras. Todas têm os mesmos direitos e é obrigação da Prefeitura, da Câmara de Vereadores e do Ministério Público entender isso.

Já passou da hora de começar a luta. Todo mundo sabe que voto sem organização, voto sem cobrança, sem consciência não resolve os problemas. Se resolvesse, o Cascalho seria uma das melhores ruas de Uibaí. Se a rua vota em toda eleição e continua com os mesmos problemas há décadas é porque o seu povo ainda não aprendeu que é na luta organizada que se conseguem mudanças. É cobrando do poder público, é exigindo o cumprimento dos direitos constitucionais por meio da participação com abaixo-assinados, ações populares, manifestação pública da opinião, que se obriga o poder a assumir a responsabilidade de cumprir as leis e fazer valer os direitos dos cidadãos. Não fique aí parado, como diria um saudoso morador da rua: A hora é esta!

HÁ MUITO QUE FAZER

A organização do povo do Cascalho certamente porá um fim em muitas injustiças existentes na rua. O Cascalho, por exemplo, tem escola e colégio, porém um grande número de seus filhos sofre com a exclusão educacional. Aí a gente pergunta: não é por meio da educação que se alcançam melhores condições de vida? Pelo menos é isso que a maioria das pesquisas mostra. Pelo menos é isso que diferencia os países desenvolvidos dos menos desenvolvidos. Então é bom que nós do Cascalho abramos os olhos, pois há muito tempo estão nos roubando o direito à educação. Há muito tempo nos impedem de crescer e participar dignamente da sociedade.

Temos que ter educação e da melhor, para que possamos construir e preservar bons valores. O Cascalho é riquíssimo em talentos e em pessoas de bom caráter. É desse tipo de gente que o mundo necessita.

Torna-se importante, desse modo, criar espaços culturais, espaços de debates, onde o potencial inventivo da comunidade do Cascalho aflore e produza bons frutos, enriquecendo cada vez mais a vida da rua. Assim, se todos participarem com a intenção de construir esses caminhos, mais rápida será a melhora na qualidade de vida de todos os moradores.


QUEM SOMOS NÓS?

Essa é uma pergunta que os moradores do Cascalho devem fazer a si mesmos. A resposta sincera a esse questionamento abrirá caminho para o entendimento da história de vida e de luta de todos os moradores. A soma das respostas dos moradores dará o perfil da rua, bem como de suas necessidades. Dentro desse perfil, aparecerá muita coisa boa. Muita história alegre, daquelas que a gente ouvia debaixo dos juazeiros da rua, derrubados recentemente ou debaixo da algaroba de seu Vanderlino. Aí a gente vai descobrir e somar as boas idéias e os anseios do povo de seu Genéis, de Sinezão, de Adonel, de Bamba, de Mariinha, de Ricarte e Belita, de Bernadete, de Dão e Terezinha, de Minalva, de Clício, de Valdivino e dona Nair, de Catarina de seu Amâncio, de Garibaldi, de Rubim, de Dinha, de Zerinão, Manilim e companhia, do povo de dona Antônia, do povo de Maroca de Edmundo, de Tõezinho e Catarina, de Nica, de Leno, de Ariston, de Véi, de dona Cota e de tantos outros núcleos que compõem a comunidade do Cascalho, unindo todos numa só luta por melhorias para todos.
Contamos com sua participação no próximo número.


POVO NÃO É GADO

Tem político desejando que o povo seja gado
Povo que não dá pitaco, cai logo no seu agrado.
O povo como rebanho fica sempre abandonado
E tudo quanto é riqueza vai pro bolso do safado.
A grana que era do povo vira logo ostentação
Vira pro povo desgraça, pobreza e exclusão.
Pro ladrão vira o chicote que comanda a danação
Do povo gado dormente que abaixa o cedém
Porque é cego e não sabe usar a força que tem.
(J.M. da Silva)

29 novembro 2006

BOCA DO INFERNO 34

COMO SACANEAR COM A GRANA DO POVO

O povo de Uibaí não merece o que o prefeito vem fazendo com os recursos e o dinheiro público. O dinheiro do povo está sendo gasto na destruição do município. Só para citar um exemplo grotesco do desperdício, tomem nota do estrago que o infeliz provocou na Cacimba, a caminho do Banheirão, na Fonte Grande e em outras entradas para as aguadas da serra. A Cacimba, por exemplo, que havia sido recuperada pelo pessoal da Umbu, foi quase que totalmente destruída pela ação de um trator esteira da prefeitura, que enlargueceu a estrada sem finalidade alguma. A destruição ecológica que o alcaide imbecil patrocinou ao longo da Serra Azul uibaiense constitui um crime previsto até mesmo na Lei Orgânica do Município.

A população, os vereadores dignos, as casas de estudantes e demais organizações representantes dos anseios populares deveriam mobilizar o Ibama e a justiça de modo a conter a sanha estúpida desse péssimo administrador dos recursos públicos.

É realmente lamentável o ponto a que chegou o miserável carlista que dirige a prefeitura. Todo mundo sabe que é dever do poder público desenvolver políticas e fazer investimentos para preservar o meio ambiente, no entanto, como nos casos acima, Réuzinho gasta dinheiro público com máquinas e funcionários da prefeitura para destruir o que o povo fez porque cansou de esperar pela boa fé do referido administrador. (bichu duzimbu)
FOI TARDE
O Núcleo Chupa-pinga de Brasília morreu. Deve ter sido anemia política ou coma alcoólico a causa mortis. Pode ter morrido também de ignorãncia, de apatia, de falta de propósitos ou até mesmo de traição! Quem souber a causa exata, nos diga que a gente ajuda a tirar a certidão de óbito!
O GOLPE QUE A ESQUERDA CANABRABEIRA LEVOU DA TFP

Corria o final da década de 80, a Canabrava e a Região de Irecê ainda estavam maravilhadas com o efeito da primeira Semana de Arte e Cultura de Uibaí, organizada pelos estudantes uibaienses de esquerda, residentes no próprio torrão e nas casas de estudantes em Brasília e em Salvador. No seio dessa fermentação, os estudantes, em conjunto com outros setores de esquerda, articulavam a fundação do Partido dos Trabalhadores no município, como forma de condução da organização política que vinham desenvolvendo mediante apoio à fundação de associações comunitárias e demais ações de cunho social. Esse trabalho era fundamental para se chegar ao poder e ter condições de construir uma administração progressista no município.

Nesse ínterim, Simpatia de Araque, que já havia dado sua contribuição à direita uibaiense ajudando Hamilton a fundar o Clube Canapodre, uniu-se ao secretário da prefeitura de Uibaí, OSNIZÃO, daquela famosa e escrota administração direitista de Hamilton, contra a qual os estudantes e a esquerda vinham lutando, e correu para Salvador, orientado sabe-se lá por quem, para se apropriar da legenda do PT, antes da esquerda uibaiense.

A trama do Simpatia de Araque, até hoje abafada, só não deu certo porque membros da esquerda de Uibaí que trabalhavam na Secretaria Nacional de Organização do PT, no Congresso Nacional, em Brasília entraram imediatamente em contato com o Diretório Estadual do partido em Salvador e orientaram o bloqueio da ação de Simpatia e OSNIZÃO. Mais a frente, os estudantes e setores de esquerda se reuniram no Grêmio e realizaram a assembléia de fundação do partido.

Não pensem vocês que isso é coisa do passado, que hoje a coisa é diferente. A gente sabe que há uma trama terrível da TFP para garantir espaço no poder por essas bandas. Vocês se lembram do carneirinho peteca que se vendeu por um carguinho na ADAB para Hamilton? Pois é, o sujeito integrante da TFP canabrabeira junto com Sopão, o irmãozinho dela, Simpatia etc., está concorrendo ao cargo de presidente da ADAB, com o apoio da TFP e dos carlistas da ADAB, pode? Claro que pode! Tudo pode para esse pessoal. (dioniso tamanduá)
VICENTE VELOSO É A NOSSA CARA

Em termos de poder, Venceslau não era nenhum escravocrata, mas representa o tronco do conservadorismo no pé da serra. Ele tinha escravos, isso é certo, e os resquícios de valores de quem esteve nessa condição me levam a crer que a identificação com o velho patriarca dos Machado, da forma como é feita na Canabrava, é bastante conservadora. Penso que ele não fez nada de especial para que se torne um "mito" da nossa identidade. Pelo contrário, acredito que a nossa história (parte fundamental da nossa identidade, da nossa visão de mundo e do nosso modo de agir) deve ser contada de outro jeito, vista de baixo...Prefiro o escravo fugido, o rebelde arredio, que ganha os sertões porque sabe que "Deus é grande e o mato é muito maior"... Prefiro a sua inconstância, a sua sede de liberdade, como nossa referência...

A transformação social, a mudança revolucionária (eita palavrinha em desuso) no Brasil terá a cara do povo brasileiro: será uma revolução negra, indígena, popular. Terá a cara de Vicente Veloso e não a de Venceslau Machado. Prefiro o escravo que foge das minas de Jacobina em busca da liberdade, contra a sua condição de coisa, de peça, de ferramenta, de mercadoria, para defender a sua condição de pessoa, ao proprietário falido que desce a Serra do Assuruá em busca de terra nova pra criar suas centenas de cabeças de gado, pra reproduzir o que houve de mais arcaico e conservador. ..

Alguns até podem me chamar de sonhador, de pouco realista, dizer que estou repetindo discurso de cartilha marxista do século XIX (!?)... Mas a realidade prova que as revoluções se recusam a ser uma coisa do passado, que elas vão continuar a estremecer os muros do mundo, com a violência transformadora e criativa de um rio que transborda... Radical é quem quer resolver as coisas pela raiz, é quem não se contenta em trocar um prefeito aliado do médio comércio e dos políticos profissionais por um empresário que, num belo dia, acordou com vontade de ser prefeito de sua terra natal...

Meus caros uibaianos: Vicente Veloso vive! Sepultemos Venceslau!
(flávio dantas martins)
ABRAÇANDO O LEGADO
um amigo do sertão
queria ser dos Machado
vivia triste num canto
se vendo discriminado
mas depois de estudar
ficou ele revoltado
viu que Vicente Veloso
representa seu passado
sua história vale mais
que a triste dos Machado
sua herança é melhor
desde que abrace o legado
do negro que se livrou
das garras dos desgraçados.
(J.M da Silva)

UMA FACADA CONTRA UM MILHÃO

Ás vezes, quando a gente diz ter tomado uma facada, os nossos interlocutores precisam entender que fomos vítimas de algum tipo de extorsão, que alguém nos explorou gananciosamente ou algo parecido. Numa situação dessas, se indicarmos as costas como o lugar dessa agressão, as pessoas certamente entenderão que fomos traídos por pessoas em quem depositávamos confiança. ACM Neto, aquela figurinha intragável do PFL baiano, tomou uma facada nas costas, na última semana, mas nesse caso não podemos levar em conta o exemplo acima.

A facada da qual o deputado foi vítima tem outra simbologia, bem maior que o gesto. Para entender essa outra nuance é preciso pensar na pessoa que o atacou. A senhora desesperada autora da façanha representa, creio eu, o estado emocional e a indignação da maioria do povo brasileiro com o tipo de política praticada no país há séculos. Ela é vítima diária, tal como a maioria dos cidadãos, de milhões de facadas, nas costas ou não, desferidas friamente por políticos da categoria de ACM Neto. A facadinha de três pontos sofrida pelo pimpolho do velho cacique da Bahia não é nada perto dos agudos cortes na carne e das amputações sociais operadas diariamente por essa espécie de gente. Quem não sabe que o povo leva dolorosas facadas todo dia? O escândalo das sanguessugas é o quê? E os mensalões, as privatizações espúrias, impostos, impostos, impostos... Taxas, taxas, taxas... ? O salário reduzido a pó, os juros escorchantes e mais roubo, roubo, roubo e desvio, e impunidade, e abandono... ?

A última facada desferida por essa laia perversa foi, depois de dois anos de escândalos políticos envolvendo a Câmara e o Senado, o povo ter como resposta a impunidade dos envolvidos seguida do aumento acintoso do salário parlamentar para R$ 24.600.00. Quer facada mais escrota? Mas a mão dessa cidadã indignada fez pela primeira vez no Brasil um desses elementos esfaqueadores públicos sentir na pele o que é levar uma facada. A mão desesperada dela é a mão de todos os brasileiros. O que esperamos do gesto dessa mulher? Simplesmente que os demais pilantras, profissionais em dar facadas no povo, simbolicamente sintam-se esfaqueados junto com ACM Neto, embora a dor irrisória do deputado baiano em nada se equipare à violenta dor cotidiana a que são expostos os cidadãos, devido à truculência das investidas desses falsos representantes. HÁ BRAÇOS! (alan oliveira machado)


A AÇÃO DA GENTALHA
Maria Sopão, líder da gentalha fisiológica que se diz de esquerda em Uibaí usa dos piores métodos para manter seu grupinho. Um dos principais métodos é a mentira. Essa desprezível figura faz contatos com as cúpulas e planta todo tipo de mentira. Apropria-se do trabalho social e político de pessoas realmente de esquerda e apresenta como sendo fruto da militância dela no afã de conseguir benesses do poder. O mesmo se pode dizer da gentalha do Núcleo Chupa-pinga, por exemplo, que já usou textos do Boca do Inferno como se fosse deles e até mesmo relatórios do Praça Inquieta.
Agora, o que tem aparecido de mentira lá em Salvador, para justificar nomes de amigos e serviçais da gentalha nas listas de candidatos a carguinhos no governo não está no gibi. Até Pedro Pára-quedas virou fundador do PT da Canabrava, é mole? Será que Saulo Pedrosa(PSDB) e Beto Lelis(PSB) têm algo a dizer sobre isso? O PT de Uibaí foi fundado em 1988, no Salão do Grêmio, todo mundo sabe que Pedro Pára-quedas se filiou ao partido depois da eleição de 2000. Aí tem gente que ainda acha ruim a gente taxar o cara de oportunista! HÁ BRAÇOS!
NOVAS TRAMAS NO PAÍS DAS MARAVALHAS
Dromendarinho violeiro, a putinha mais fofoqueira da TFP, se reuniu com Sopão e companhia para saber como inventar novas mentiras para desestabilizar aqueles desgraçados do Boca do Inferno. Esse pessoalzinho machado-preto é perigoso, tá acabando com a nossa fachada. Disse o dromendarinho, enquanto tirava um ré do violão. Continuou: minhas risadinhas, tapinhas nas costas e musiquinhas de cantoria já não estão servindo para esconder o meu caráter de hiena, de ave carniceira. Daqui a pouco a gente acaba sendo apedrejado pelo povo na rua porque não dá pra esconder mais nosso apetite de urubu com essa fachada esfrangalhada de revolucionários de esquerda. O povo não cai mais nessa, já viu o que nós queremos. Vamos inventar mais um monte de mentiras e soltar por aí pra ver se cola. Chama o fantoche e os bate-pau que ele arranjou. O negócio é sério. O governo Vagner tá aí e a gente tem que tá dentro. Vamos soltar que eles têm um sério problema psicológico, que são gays, ou que entraram pela janela em algum lugar, vamos dizer que eles são fascistas, opus dei, vendidos... Sei lá vamos soltar algum veneno aí que a coisa tá feia, nossa moral tá mais baixa do que moral de cobra de feira.
O LOUCO

É difícil encontrar alguém que não tivesse tido sonhos de infância atormentados pela presença dos mais diversos tipos de loucos, pessoas que perambulam pelas ruas, sem identidade, sem parentes e sem juízo. Na minha infância, conheci muitos que ainda hoje povoam as minhas lembranças. Preta Doida, Eduardo, João Tolo, Chico de Eloi, Tomásia, Chica Barrão e tantos outros cujas mentes afetadas por alguma forma de insanidade, “portadores de necessidades especiais”, pra ser mais chic, habitam mundos de sonhos e fantasias, imunes ao governo da razão.

Cícero era um desses espíritos andarilhos, dos quais os sanatórios vivem cheios. Alto, magro, aparentando uns 45 anos, de óculos escuros, anéis de lata em todos os dedos, bolsos entupidos de dinheiro em cédulas antigas, cuidadosamente embaladas em uma meia, depois envolvidas em um lenço e acomodadas finalmente em sacos plásticos que estufavam os bolsos protegidos por botões. Sua maior preocupação era o casamento, “imaginário”, com uma moça rica cujo pai, segundo ele, era coronel. Gostava de ser chamado de “Dias”, e ficava enfurecido quando os malandros da rua gritavam “chola” ou “pescoço de alicerce”. Nesses momentos Cícero demonstrava todo o seu desequilíbrio. Corria atrás das pessoas, gritava palavrões e jogava pedras.

Hoje, nos dias agitados em que vivemos é impossível identificar os loucos. A fronteira entre a razão e a demência é extremamente tênue e torna-se praticamente impossível estabelecer a distância que cada um de nós se encontra dessa fronteira. Para muitos, todas aquelas pessoas que não se encaixam em um determinado padrão social devem se hospedar no hospício. Mas o que fazer com os loucos de toga? E os de fardas e distintivos? E aqueles com imunidades? E os loucos com diplomas? E os políticos, os bandidos os padres? E no hospício, como identificá-los? São os que estão dentro ou os que estão fora? E os que gastam seus dias navegando na internet? E os que traficam dinheiro, e drogas, e armas, e influência, e fé? E os que sonham muito alto? E os que não sonham?

Cícero deu sorte. Viveu toda a sua vida, louco e livre. Não cruzou com um “Simão Bacamarte”. Mas eu sim.

Levem-me para a Casa Verde!
Edme Oliveira Machado

01 novembro 2006

EIS O TIPO DE GENTE COM QUEM A FALSA ESQUERDA SE RELACIONA E COM QUEM PRETENDE GOVERNAR UIBAÍ! NÃO É ISSO QUE MERECE UM BASTA?

03 outubro 2006

BOCA DO INFERNO - 33

CHEGA DE FARSA, EM 2008, TARCÍSIO PREFEITO!

Você gostaria de ver administrando o município um político que faz parte da sua história? E se esse político atuou nos mesmos movimentos que você, porque comunga com a mesma prática e ideologia sua, não seria ele ideal para representar a sua história e os seus anseios de mudança? Pois então, quem é o candidato adequado a uma administração de esquerda em Uibaí? Seria o diretor da Embasa de ACM ou um militante legítimo da esquerda canabrabeira, que dedicou sua vida a causas populares, seja em nosso município ou em qualquer lugar onde esteve?

Pois é, chegou a nossa vez e temos de honrar o exemplo de coerência deixado por Osvaldo Alencar Rocha. Nós não só queremos como podemos eleger um candidato autêntico da esquerda. Um candidato que faz parte da nossa história. Nós lutamos muitos anos para alcançar isso e não podemos, portanto, entregar os nossos 25 anos de lutas constantes em Uibaí para uma falsa esquerda oportunista, carguista, que vive atrás de resultados imediatos.

Esses e outros motivos é que nos movem a chamar você, todos aqueles que construíram a história verdadeira da esquerda de Uibaí para nos unirmos em torno da candidatura de Tarcísio para prefeito em 2008, por entendermos que Tarcísio representa essa esquerda autêntica e poderá, junto com todos que participaram dessa nossa trajetória de lutas, trabalhar na realização dos sonhos por que lutamos durante décadas. HÁ BRAÇOS!
FORA O CARLISMO E OS FALSOS REPRESENTANTES DA ESQUERDA UIBAIENSE!
Olá, amigos leitores, esse número 33 do Boca do Inferno pode ser chamado de edição pós-carlismo. É que todo mundo testemunhou o coronelismo carlista afundar ainda no primeiro turno das eleições. Esperamos que o próximo governo cave uma sepultura bem funda para ir sepultando aos poucos os longos tentáculos desse polvo sujo e decadente que é a política do PFL e aliados no estado da Bahia.
Em Uibaí, a preocupação deve ser dobrada: por um lado devemos continuar cercando a direita carlista de Réuzinho, agora rachada no Hamiltismo, no dorinhismo e no birinhismo, por outro lado, é preciso atacar a representatividade falsa e oportunista que reina dentro da esquerda, representada por tipos como Maria Sopão, Simpatia de Araque, Diazepam e Pedro pára-quedas.
UM PEQUENO EXEMPLO DE FALSA ESQUERDA
Vejamos, entre muitos, um clássico exemplo do que é falsa representatividade dentro da esquerda uibaiense: na década de 80, enquanto a esquerda fundava grupos políticos de juventude e associações comunitárias, Simpatia de Araque fundava rinhas e promovia brigas de galos. Enquanto a esquerda se esforçava para realizar seminários sobre educação, combate à corrupção dentro da prefeitura, semanas de arte, Simpatia de Araque ajudava a fundar junto com o prefeito Hamilton, o elitizado e escroto Clube Canapodre. Enquanto a esquerda combatia as barragens particulares feitas por Renato na serra, ele, o Bocó, jogava volei, futsal e bebia uísque no Clube Canapodre. Agora as perguntas: que zorra esse filho da mãe faz sendo líder da esquerda? Por que se aceita uma distorção dessas? Por que a esquerda não escolhe seus representantes olhando para a coerência histórica?
Há uma visível e inexplicável dificuldade por parte dos segmentos de esquerda uibaienses em escolher líderes que representem os 25 anos de luta travados de 80 para cá. Há, em atuação instituicional, apenas um representante legítimo dos movimentos que fizemos em uibaí nos últimos anos. Os demais são escolhas ridículas baseadas numa mistificação conservadora e cega de certos elementos da rua grande, que históricamente ocuparam o lugar de patrões e de opressores.

É preciso reverter isso. Não devemos nos afastar do embate político. Temos sim que lutar para construir representações que ratifiquem tudo que fizemos nos últimos anos e não alimentar as representações postiças que vimos despontar nos últimos tempos e que irão despontar agora mais ainda, com o novo governo do PT, engolindo tudo que fizemos, tão naturalmente como se sempre tivessem feito parte desse lado da história.
POETAGEM

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QUEM FALA, CALA...

Vitor Hugo F. Martins*


Escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio. (Clarice Lispector, Água viva)


Como sabemos, quem cala, fala. “Quem cala, consente”, diz a voz popular, e com alguma razão. É certo, porém, que, para o Direito, calar, por si só, não basta, não incrimina nem descrimina ninguém. Por isso mesmo existem mecanismos jurídicos – por que não dizer o nome certo, chicanas? – que protegem o depoente, fazem-no calar, sem ir de encontro à lei. Ora, com isso, inferimos que esse depoente disse menos do que sabia.

Por outro lado, o que poucos sabem é que quem fala, cala. Como pode ser isso? Simples: quem fala, pensa estar falando originalmente, livremente, por si mesmo, sem censuras. Ledo engano. Por quê? Porque está falando em nome do Outro, sem o saber. Assim, falando o que querem que falemos, acabamos calando o que verdadeiramente queríamos falar. Ainda que pensemos ter consciência do que falamos, no fundo, estamos silenciando-nos. É que o inconsciente nos trai. Quando, por exemplo, uma pessoa se diz anti-racista e despreconceituosa e fala “Fulana é negra, mas linda”, “Beltrano é gay, mas inteligentíssimo”, deixa-se trair pelo discurso do inconsciente, que se materializa pela vírgula e pela conjunção adversativa. Assim como nos fazem trair-nos a nos mesmos as instituições a que nos sujeitamos. Desse modo, a História oficial fala daquilo que a classe dominante quer que ouçamos: “Wladimir Herzog suicidou-se na prisão”. Dessa maneira, cala a verdade, a tortura e a morte do jornalista.

No nosso discurso do dia-a-dia, a fala que cala pode ser reconhecida sem muita dificuldade. Basta que atentemos para o que há de interdito no que falamos e ouvimos. Interdito que pode ser lido como o que está dito nas entrelinhas, porque não podemos/devemos/sabemos/queremos dizer.
O resto é silêncio...

* Vitor Hugo Fernandes Martins é professor do Curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XXI, Ipiaú, BA. Poeta, cronista e contista. Autor de Contos cardiais (Editora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, 2006).

O AVIÃO QUE CAIU VÁRIAS VEZES

No mundo real em que vivemos, o avião da Gol caiu apenas uma vez. Foi em Mato grosso, em 29 de setembro. Mas todos os canais de televisão do Brasil repetiram a cena do desastre várias vezes. Aí eu pergunto: o acidente precisava repercutir assim?

Os responsáveis pela exaustiva exibição alegam que mais que notícia, um desastre com tais proporções merece todo o destaque nos meios de comunicação. Que é notícia, ninguém pode desmentir. Que os cidadãos devem ser informados, também não se contesta. Porém, o insistente festival de imagens na televisão, que nunca acaba, dá um tom de infinito ao desastre, fazendo com que ele perca sua estrita ligação com a informação e a notícia. Algo triste vira um doentio espetáculo, na medida em que é tratado de forma inadequada. A morte trágica de mais de uma centena e meia de pessoas é naturalizada como uma apresentação de desfiles de samba, no carnaval ou de esportes, nas olimpíadas.

As emissoras de televisão têm, visivelmente, programas secundários. São programas que não agregam quase nada, pois têm somente a função básica de reter a atenção dos telespectadores. Seu negócio fundamental é o entretenimento, daí a vocação para o show, o apelo, a emoção. Sabem essas emissoras que manipulando a emoção dos espectadores, com imagens que não informam mais nada, podem manter a audiência e vender muitos produtos. Daí o fato de essas imagens serem repetidas em demasia. Como no replay dos gols da rodada e dos aviões que atacaram as torres gêmeas, o objetivo é fazer durar a emoção.

Na televisão, as tragédias acontecem em um tempo que não é o dos fatos, mas sim o da emoção. Diante dos desastres, os telespectadores se entretêm, se deixam aprisionar na medida em que vão sendo atraídos.

Voltando ao acidente da Gol, os primeiros relatórios indicam que o avião dessa empresa caiu de ponta. Testemunhas dizem que o viram voando de maneira instável, e perdendo a altura antes de cair. As torres e os pilotos tentaram, sem sucesso, vários contatos nos minutos anteriores ao acidente. Testemunhas e trabalhadores da Gol disseram que ficaram horrorizados com o acontecido. Talvez o telespectador alegue o mesmo. Os que viram pessoalmente a cena da catástrofe se feriram na alma, alguns nem conseguiram dormir depois. Por outro lado, e isso talvez seja o pior de tudo, quem vê pela televisão as mesmas imagens se sente imune, bebe um conhaque, relaxa no sofá e sente um prazer estranho. Pede bis e é correspondido.
( joaquim alencar machado)

Vicente Veloso VIVE!

Flávio Dantas Martins

“Segundo os nossos informantes, e alguns parcos registros que encontramos, no final da primeira metade do século XIX, isto por volta de 1844, um escravo de nome Vicente Veloso, fugindo da região mais próxima ao litoral para as brenhas do sertão, veio se encontrar sua liberdade nas encostas da Serra das Laranjeiras, ou Serra Azul, onde viveu por algum tempo escondido da terrível repressão dos capitães-do-mato.”
Osvaldo Rocha e Edimário Oliveira, Canabrava do Gonçalo

A escravidão colonial significou arrancar violentamente dezoito milhões de pessoas de suas terras na África e trazê-las para trabalhar na América até morrerem, até esgotarem, para que dessem o maior lucro que fosse possível. Significou exterminar perto de cento e cinqüenta milhões de indígenas americanos para tomar suas terras, para tirar deles até a última gota de trabalho.
Onde houve escravidão, houve resistência.

Vicente Veloso foi um negro escravo que matou seu senhor em Jacobina, isso por volta do início dos anos 40 do século XIX. Fugiu, caiu no mato. Como diziam os negros “Deus é grande, o mato é ainda maior”. Jacobina, importante centro minerador, possuía registros de quilombos desde 1726. Consta, também, que no início de 1806, uma expedição que partiu de Xique-Xique em busca de ouro encontrou alguns quilombos no alto de umas serras.

Depois de andar por alguns dias, talvez em busca de companheiros fugidos, talvez apenas fugindo dos capitães-do-mato, que tentariam levá-lo de volta à escravidão, Vicente Veloso deu pelas terras de Canabrava.

Vicente Veloso encontrou terras que não tinham dono. Terras de ninguém. Isso, porque, ao longo dos séculos XVII e XVIII, os invasores portugueses fizeram uma tática de guerra de terra arrasada contra os povos indígenas que habitavam os sertões. Os povos indígenas resistiram bravamente, foram inimigos terríveis. Sua guerra em defesa de sua terra só terminou quando foram exterminados. Muitos foram escravizados, viraram sem-terra, foram obrigados a esquecer sua cultura, sua língua, suas raízes.

Essa é a história. Foi assim que Uibaí começou. Um escravo matando seu senhor e indo em busca da liberdade. Ela chega a uma terra lavrada com sangue de guerras contra os povos indígenas. Um mito rebelde que temos que manter. Que temos que resgatar. Que temos que reivindicar. Uma luta que temos que continuar.

Uibaí não é daquelas famílias que vieram de cima da serra do Assuruá. Famílias que tinham seus escravos, que até hoje repartem o poder, entre amor e ódio, sempre unidas contra qualquer terceiro que apareça. Uibaí, a sua história de lutas e de resistência, a parte mais bonita de sua história não pertence a essas famílias que até hoje escravizam o povo, os descendentes de Maria Cabra (escrava de Venceslau Machado), de Vicente Veloso, os sobreviventes do extermínio dos indígenas.

Todos aqueles que trazem no rosto, no sangue, na memória, na pele, na vida, as marcas de cinco séculos de opressão, de guerra, mas também de resistência, de luta contra a escravidão, somente esses podem dizer: Vicente Veloso vive! Está presente! A luta continua...



OS CAÇADORES DE MODÃO

Lembro-me de que na década de 80 surgiu um, por assim dizer, movimento de juventude bastante curioso em Uibaí: a caça aos “modão”. Não houve canabrabeiro com hormônio correndo nas veias que não participasse com alguma assiduidade da cruzada de combate ao uso do mode. Deixo logo claro que esse fenômeno, em meu ver, se restringiu à cidade, não se estendeu, por conseguinte, ao município, felizmente.
O Mode é um vocábulo corrente em Uibaí, que muitas vezes funciona como elemento interrogativo (advérbio interrogativo): mode que tu num ganhou? Como indicador de causa (conjunção subordinativa causal): não teve festa mode a chuva! Outras vezes, como mera preposição: olha o menino mode o cachorro não morder! Não só o mode, mas o pissuir, o dispois, o muntcho, dentre uma série de termos ainda em uso na Canabrava, são remanescentes do Português falado no Brasil Colônia. Muitos desses termos foram preservados em alguns falares locais do país, devido ao isolamento de que gozavam esses logradouros, com relação aos grandes centros. Graças a esses rincões do país, que mantiveram vivas algumas marcas do falar colonial, é que a Universidade de São Paulo, unida a outros centros de pesquisa, vem conseguindo fazer a reconstituição do português falado no Brasil Colônia.
Não tenho certeza quanto à origem do movimento de combate ao mode. Tenho para mim que, influenciado pelo convívio com a variação lingüística da capital e pela recente entrada no mundo educacional da grande urbe, Celito levou esse (como diria Flávio) batismo civilizador para o Pé da Serra Azul. Era um escárnio atrás do outro. Na Rua Grande, diariamente se via Merica gritar para Celito do outro lado, na esquina de Diniz:- Acabei de pegar um modão aqui! Aí a molecada corria em direção a Merica para comentar e dar risadas do modão que Gilo, Zezim, Luis Binha, Maria de Alite ou qualquer outro que fosse soltara, numa infeliz distração. Infeliz porque falar um mode tornara-se crime punido com pesada gozação de modo que as pessoas afetadas pelos pegadores de modão vigiavam a própria fala o tempo todo.
Eu fazia parte da cruzada do modão e regularmente estava junto com a turma infernizando a vida dos conterrâneos. Uma vez Pichiro (irmão de Celito) chegou esbaforido lá na casa de Mariinha de Leandro, onde a turma se reunia para jogar aquele jogo com apenas uma trave, no qual Konan e Tinho eram campeões, só para dizer que presenciara Domingão soltar logo foi uma arrouba de modão. Todo mundo queria pegar um modão de tal forma que a brincadeira passou a ficar grosseira e desrespeitosa. Até os velhos estavam sendo perseguidos pela turma do modão. Com eles, a coisa era demasiado indelicada. Mas menino não leva muito em conta esses “detalhes”. Na mesma época dessa inquisição lingüística, Tinho de Mariinha, que externava certo desagrado com a perseguição dos mode, inventou uma moda de colocar a sílaba “pi” antes de tudo quanto é nome próprio. Era um tal de PiMérica pra cá, PiÁlan pra lá, PiCélito pra acolá... Ele só recuou de empregar o tal “pi” em Konan, nosso musculoso amigo. Também, ficava desajeitado chamar o cara de PiKonan.
Olhando a distância, com a maturidade trazida pelo tempo, diria que toda aquela implicância com o mode tinha dois lados: por um, não passava mesmo de algazarra típica de adolescentes, por outro, era uma versão agressiva do fenômeno de atualização da língua, que, no caso, deveria ir sendo estabelecido, não a troco de pressão e zombaria, mas paulatinamente com a renovação dos falantes, pela convivência com outras variantes do falar brasileiro e por intensas interferências culturais de ordens diversas. É isso, a língua muda com o tempo, e ainda bem que a gente também muda. Hoje, por exemplo, creio que, como eu, os colegas perseguidores dos modão sentem certo prazer em ouvir uma seqüência de mode brotar daquela forma gostosa, simples e natural que nosso povo tem de falar.
Enquanto ponho fim a esta curta ponta de memória, fico pensando no que a juventude anda aprontando nos tempos de agora em Uibaí. Será que são tão inocentes quanto nós fomos? (alan oliveira machado)

14 julho 2006

BOCA DO INFERNO - 32

EDITORIAL

A maneira como o governo federal vem administrando certos problemas de ordem internacional tem gerado bastante preocupação. O problema básico está no fato de o governo Lula colocar interesses ideológicos acima da soberania nacional. Não é difícil perceber que atualmente há um alinhamento ideológico entre os governos do Brasil, Venezuela, Cuba e Bolívia. Não há problema algum em governos executarem manobras estratégicas para fortalecer seus parceiros políticos. Porém, isso se torna preocupante quando, em nome dessas estratégias, esses parceiros tomam decisões que lesam seus paises ou ferem automaticamente a soberania dos demais.
O caso da nacionalização das reservas de gás efetuada por Evo Morales é o mais atual exemplo de violação de acordos diplomáticos que deveriam ser respeitados. Afinal, quando o governo boliviano baixou o decreto de estatização das propriedades da Petrobrás em seu país, ele não estava lidando simplesmente com uma empresa multinacional, mas sim com uma empresa estatal brasileira que para efetuar qualquer contrato internacional com a natureza do que foi efetivado na Bolívia, do porte de $1.500.000.000 (um bilhão e quinhentos milhões de dólares) teve de executar intensa negociação diplomática e cumprir regras internacionais de comércio.
Longe de nós achar que qualquer nação não tenha direito de proteger aquilo que considera patrimônio estratégico de seu povo. Há, entretanto, um porém, se o contrato foi feito seguindo corretamente as regras de comércio internacional, na época com consentimento de ambos os governos, o mínimo que um chefe de estado ideologicamente contrário a sua existência deveria fazer era convocar o parceiro comercial para rever as regras e propor uma saída honesta. Mas não, no melhor estilo do populismo golpista, Morales rasgou as regras da OMC e golpeou a soberania brasileira.
Contudo, o grosseiro da situação não foi só o arremedo de ação chavista/castrista de Morales, o absurdo de tudo foi a reação do governo brasileiro e aqui entra o lado prejudicial da conveniência ideológica. Nosso governo agiu com naturalidade, como se o dinheiro da Petrobrás, o patrimônio do povo brasileiro, portanto, significasse menos para nós do que o gás para os bolivianos. Ora, se é direito e dever do chefe boliviano defender os bens de sua nação, como nos fez crer Lula, não seria também direito e dever de Lula defender os nossos bens? Os bolivianos têm mais razão do que os brasileiros? Que ideologia é essa para a qual um caloteiro vale mais do que um cidadão honesto? Que ideologia é essa em que o bandido vira mocinho e o mocinho tem de ficar calado sob pena de virar bandido? HÁ BRAÇOS!
A MORTE É CEGA!
Dizem por aí que a morte é cega, não escolhe os frutos que tem de derrubar com sua foice amoladíssima. Mas além do ofício imparcial de carregar diariamente algumas almas, a morte aceita encomendas desde que a pessoa que encomendou a alma do desafortunado guie a foice cega para o escolhido. Em Uibaí, parece-nos que há alguém ajudando essa senhora indesejável a ceifar algumas vidas. De uns tempos para cá, corre o boato de que há uma lista com considerável número de eleitos a irem habitar o cemitério. Dizem ainda que os dois primeiros nomes da lista já estão riscados: Dedê e Tuti. Será que mão é essa que anda guiando a morte pelas ruas da canabrava?
UIBAIONLIXO!
A lista de discussão online dos uibaienses chamada de uibaionline perdeu a finalidade para a qual foi criada. O que se vê no correr da lista agora, salvo uma ou outra rara exceção, é lixo eletrônico de péssima qualidade. De uma hora para outra, os debatedores tão conscientes e aguerridos parece que viraram debilóides, passaram a enviar panfletos partidários copiados da internete e piadinhas idiotas. Será onde anda a inteligência e o senso crítico dos micreiros canabrabeiros?
PRAÇA INQUIETA- II
Uibaí se prepara para o Praça Inquieta-II. O Praça Inquieta foi um evento político e cultural, de grande sucesso, organizado pela turma do Boca do Inferno, da Ceubras e pela juventude de Uibaí, em janeiro de 2003, com a finalidade de tirar a cidade do marasmo político-cultural em que se encontrava. Havia pelo menos dez anos sem Seac em Uibaí, as casas de estudantes estavam abandonadas e em profunda crise de identidade, a preocupação ecológica estava morta e a participação política se resumia à mediocridade partidária. O Praça Inquieta atingiu em cheio essas questões de tal forma que hoje podemos pensar um Uibaí antes e um depois daquele evento. Depois do Praça Inquieta, as casas de estudantes se renovaram, houve o Uibaí tem sede, a oitava Seac, surgiram novas casas de estudantes, jornaizinhos novos. Publicações, Grêmio Cultural, grupos de teatro, grupo de cidadania, retomaram-se as preocupações ecológicas! O Praça Inquieta marcou a retomada da preocupação com os movimentos políticos e culturais em Uibaí, que estavam abafados pelo partidarismo e pela mentalidade política eleitoreira de resultados. Acreditamos que a retomada desse importante evento, com a edição do Praça Inquieta II, vai aprofundar ainda mais a contribuição com a cultura e política em nossa terra!
POETAGEM
LIBIDO:
BEIJO DE BUNDA DA LIBÉLULA
NA IMAGEM DE NARCISO.
(RUI DE OLIVEIRA)



BAR CULTURAL

Para Helga Oliveira Machado.

Esta é uma daquelas idéias que a gente se sentiria feliz se alguém copiasse e saísse à frente para realizá-la. Imaginem comigo a existência de um singelo imóvel na Praça Velha ou Nova de Uibaí com o nome Bar Cultural, acompanhado das subscrições: Aqui você pode encher a cara de conhecimento! Aqui você pode indagar o quanto quiser sobre a existência, sobre o mundo, a vida, o amor, a arte... E não precisa pagar a conta!
O bar seria tradicional, quer dizer, com um vão cheio de mesas, tendo ao fundo o balcão. Por trás do balcão, o atendente pronto a servir os freqüentadores. Nas paredes, no lugar de cartazes de loiras oferecendo cervejas, teríamos cartazes de escritores e escritoras das mais distintas lavras. Nas prateleiras, em vez de bebidas variadas, livros e mais livros. Livros, livros, livros... De todos os calibres! Literatura: poesia, romances, teorias literárias; Filosofia em variadas correntes, Política, Antropologia, Psicologia, Psicanálise, Lingüística, Semiótica e demais ciências humanas; curiosidades, cultura mundial, e mais e mais e mais...
Então, me acompanhem, caros leitores, nessa viagem imaginária: entra um velho freguês no bar e o atendente corre ao encontro dele:
- Vai de que hoje, seu Gleissom?
-Hoje não estou bem, quero encher a cara de Fernando Pessoa. Traga aí uma dose bem grande do Livro do Desassossego e uma porçãozinha de Cioran para tirar o gosto!
Aí o atendente, como todo bom barman, dá aquela sugestão eivada de experiência:
- Pelo seu estado, eu recomendaria uma talagada sarada de O Guardador de Rebanhos! E Cioran já foi servido na mesa de dona Daiane, ao lado. Temos como alternativa As Dores do Mundo, de Schopenhauer, que está desocupado ali na mesa de Popoca. Se não for do agrado, o senhor poderá escolher aqui no nosso cardápio algum escritor ultra-romântico como acompanhamento.
No Bar Cultural seria assim, no dia em que o Clube Canabrava anunciasse uma Noite de Seresta, o bar anunciaria uma Noite de Machado de Assis. Na semana em que o Voz do Povo anunciasse o Baile da Saudade, o bar anunciaria o Corpo de Baile, de Guimarães Rosa. Na medida em que nos outros bares se toma uma ordinária Seleta, no Bar Cultural se consumiria a melhor Seleta de Drummond, a Seleta de Bandeira, a de Ruben Braga, a de Mário, a de Oswald, a de Manoel de Barros, a de Leminski, entre muitas opções. Lá estaria sempre acessível a melhor safra de Cecília, Clarice, Raquel, Lígia, Ana Cristina César... Isso sem contar com as Raízes locais: Pita, Enoch, Valmir, Bebeto, Pedro Lopes e aqueles miseráveis do Boca do Inferno, entre tantos.
Esse bar seria a salvação? Claro que não, mas muita gente sairia Em Busca do Tempo Perdido ao descobrir que Proust cura qualquer dor da alma, que Cecília faz flutuar, que Manoel de Barros nos recriancifica. Que Dostoiévski limpa mais o espírito do que uma garrafa de Chave de Ouro. Aliás, chaves de ouro só estariam mesmo à disposição nos sonetos parnasianos oferecidos de brinde aos freqüentadores da casa.
Aí, todo dia teríamos o bar cheio. O enleio, o eu leio. As mesas propagando doces e barulhentas indagas; e recitais e happenings e delírios e risadas e suspiros... Nos arranca-rabos, muitos palavrões e quão divertidos de se ouvir: Seu sartriano maluco! Sai pra lá com sua ambigüidade machadiana, liliputiano duma figa! Não suporto esse seu bovarismo! Trator cartesiano! Niilista! Balzaquiana indigesta! Desapareça com esse caráter macunaímico! Isso é um delírio foucaultiano, uma fraqueza pós-estruturalista! Uma frigidez positivista. Filhote de Maquiavel, terrorista bakuniniano! Macaquinho pós-moderno, pereba edipiana! Isso é delírio interpretativo... Seria divertido sim, porque as pessoas certamente não seriam mais as mesmas e toda a hostilidade não passaria obviamente de um jogo: o gozoso jogo do saber, do saber-se. O Ensaio Sobre a Cegueira. O ir do verme ao ver-me, o transver, o desver... Seria um sonho muito bom.
Pois bem, amigos leitores, antes de escrever este texto havia tomado uma boa dose de Eça de Queiroz. Tinha consumido avidamente o conto José Matias. Sei que não tem muito a ver (ou teria?), mas experimentem. Se for convincente a gente coloca no cardápio do Bar Cultural. Há braços! (alan oliveira machado)
EU E O BODE PRETO
Para Javan
Vou contar uma historinha dessas que acontecem e não tem explicação. O ano, não tenho em lembrança, mas era no tempo em que eu andava com um "badogue" no pescoço, malinando em tudo que via nas "roças dos outros".No cair de certa tarde, fui olhar umas arapucas na beira do capão, pra ver se tinha faturado o tira-gosto do jantar. Não é que logo depois de atravessar a garrancheira encontrei a primeira arapuca quebrada! Proferi alguns verbetes das trevas amaldiçoando o filho de Maria que destruiu meu artefato, além de pegar meu tira-gosto. Corri para outra arapuca, escondida logo adiante. Chegando ao local vi que tinha uma presa, com ligeireza peguei-a, porém quando levantei as vistas, dei de cara com um pai de chiqueiro fedorento, de uns dois metros de altura, preto igual café. Foi um susto tão grande que deixei meu petisco ir embora. Sai daqui bicho maldito filho d'um..., gritei! O bode deu um grande berro-feio de tirar qualquer cristão do chão, soltei uma balada no meio da testa, o bicho levantou as duas mãos empinando o corpo. Vou matar esse desgramado, falei comigo mesmo. Naquele mesmo instante veio uma voz tremula e soluçante: - Tu mata ninguém, seu porra! Já arrepiado, procurei por todos os lados, arregalando os olhos. - Quem falou!? Não vi ninguém e nem mais o bode, o bicho sumiu. Naquela mesma hora todo o medo do mundo grudou em minhas pernas, gelei, não conseguia ouvir mais nada, somente o som das batidas do meu coração. Saí em desabalada carreira por "cima de pau e pedra". Quando alcancei a estrada, já estafado, para minha surpresa e desespero o bicho estava lá: - Tá cum medo, seu peste? - interrogou o bode. Naquela hora, juro pra vocês, nem avião me pegava, corri e só parei uns seis quilômetros depois, lá em casa. As canelas estavam todas rasgadas da caatinga. Camiseta não tinha mais, chinelo só o do pé direito. Contei o ocorrido na minha caçada e o pessoal de casa não acreditou. O pior é que levei uma surra danada dos meus pais e ainda tive de tomar banho naquele dia. Foi assim que tudo aconteceu, quem duvidar da minha história pergunte a João que também encontrou esse mesmo bode. É isso...
( baltazar lopes cavalcante)

CIDADANIA E REVOLUÇÃO


“Mesmo quando fazem uma greve pela melhoria do horário, do salário ou das condições de trabalho, os trabalhadores não podem deixar de sentir, em seu intimo, que toda luta é iluminada por um objetivo final...”
(Antônio Gramsci, revolucionário italiano)


Nossos tempos são tempos de desilusão. O individualismo, o egoísmo – valores predominantes no capitalismo – avançam e consideram retrocesso, atraso, antiquado tudo aquilo que fala de coletividade, de justiça social, de outra sociedade. O sonho, assim como a luta por uma sociedade mais justa, sem exploração do ser humano pelo seu semelhante, onde direitos sociais e democracia não sejam privilégios dos que podem ter acesso ao mercado soa como utopia. Falas sobre isso aparecem como ultrapassadas.
O Congresso nacional imerso na lama, escândalo após escândalo, passa a ser defendido por gente de esquerda: os petistas e pecedobistas, ao lado de seus novos companheiros – inimigos históricos da classe trabalhadora, desde antes do regime militar. Até parlamentares dissidentes desses segmentos, os tais radicais, quando um Movimento Social se defende lá dentro do congresso da única coisa que o Estado brasileiro se dispõe a oferecer, a violência, dizem que aquela resposta não é luta. Aí eu digo: o quebra-quebra de autodefesa dos Sem Terra dentro do Congresso não é violência, é luta! O latifúndio, a fome, a morte de lideranças camponesas sem um mover de palha da “justiça”, a inanição de crianças brasileiras, a exclusão social, isso sim é VIOLÊNCIA!
Agora, o líder populista, ex-operário, permanece intocável nas pesquisas eleitorais, mesmo depois da prática ter mostrado que o PT não governa para mudar o Brasil, mas mudou para governar o Brasil (para a burguesia, pelo que se vê). Mesmo depois de quatro anos de reprodução da ordem burguesa na sua violenta forma neoliberal, mesmo depois de mais quatro anos, a miséria, a exclusão, o extermínio de pobres, o latifúndio, o capitalismo continuam intocáveis. O máximo que o mais avançado governo de “todos” (inclusive e principalmente do capital) consegue fazer é substituir a miséria insuportável pela pobreza sob controle.
Diante disso tudo, a maior parte da esquerda se cala, tímida, desarticulada ensaiando novos passos no horizonte ainda turvo. Parte dela dobra as bandeiras históricas da classe trabalhadora e as guarda no baú da tradição passada. Veste-se de verde, de rosa, de preto e de branco (nesses dias de verde amarelo) sem qualquer crítica rigorosa às suas camisas, sem perceber que ao lado do caráter progressista delas, o que as acompanha é a manutenção e aperfeiçoamento da ordem e, portanto, a emancipação de coisa nenhuma. Ouvimos, repetidamente, o discurso da cidadania, não da Cidadania Combativa, voltada para conquistas pontuais e exigências do dia a dia, que são parte de um percalço maior no acúmulo político de uma luta mais geral pela transformação radical da sociedade. O que prevalece é a cidadania positiva, que tanto faz vir da boca de um PFL fascista, do que há de mais arcaico e racista na Bahia, quanto do bico de um tucano travestido de moderno ou da oralidade governista, cheia de mau hálito. A cidadania com que se convive é voltada para a luta dentro da ordem, a luta tímida por direitos, sem almejar a transformação da ordem. Essa cidadania, embora se apresente como libertadora, tem a função apenas de aperfeiçoar a ordem vigente e pode desorientar a luta daquilo que ela realmente deveria propor: a verdadeira democracia ( e não essa democracia em que “se vota de quatro em quatro anos para mudar de dono”), uma efetiva justiça (e não esse poder judiciário que condena pobres e acalenta ricos), a liberdade real (não essa liberdade de não ter nada, de ter que se vender para algum capitalista que precisa de mão de obra, de não ter terra, teto, saúde, educação, condições básicas para uma vida com DIGNIDADE).
Nossos tempos são duros e tenebrosos. Tempos conservadores. Mas não são os primeiros. É preciso sim participar e construir a luta por cidadania, por melhorias básicas de vida, por direitos sociais, mas, além disso, é preciso reafirmar certos valores: a necessidade de que o oriente dessas lutas não seja o imediatismo; não seja a consolidação de uma paz social inexistente e impossível em um sistema cuja natureza é a guerra e a exclusão. É preciso que o oriente das lutas seja exatamente a necessidade de se revolucionar a sociedade, para que se transformem radicalmente as relações sociais, não necessariamente com o intuito de criar o paraíso na terra, mas sim de criar um sistema que esteja voltado para a satisfação das necessidades de vida e dignidade de todos e não para o lucro e o enriquecimento ilimitado de uns poucos. Cidadania é preciso, REVOLUÇÃO mais ainda.

flávio dantas martins, Feira de Santana, 22 de junho de 2006.


MEMÓRIAS DE UMA RUA ABANDONADA

Aos eternos moradores do Cascalho

O Cascalho é uma rua curiosa. Por um momento a gente pensa que ela é extensão da Rua Grande, já que o leito do Riacho Canabrava segue sinuoso pelos fundos dos quintais, cruza a Matinha e vai despontar lá adiante próximo à entrada do Cancarote. Se realmente fosse a continuidade da Rua da Igreja teríamos de dizer, para fazer justiça, que ela é a continuidade abandonada em todos os sentidos. Entretanto, como todo abandonado aprende a sobreviver, a gente vai ver que o Cascalho sempre teve abundância de vida e de tudo.
Até os anos oitenta, quando o candeeiro ainda era uma necessidade para muitos, o cidadão podia encontrar na esquina do prédio velho, a fábrica de seu Zuza Flandeiro sortida de vários modelos dessas rústicas luminárias. Podia também encomendar roupas da moda à costureira Bernadete. Descendo mais um pouco, ao lado de Belita de Ricarte, quem precisasse de algum móvel poderia encomendá-lo na marcenaria de Argeu. Passando uma ou duas casas havia a sapataria de Mané Sapateiro, aliás, a rua contava ainda com a sapataria de Garibalde, em frente à casa de Sinezão.
Tamboretes tembém você encomendava no Cascalho, lá na tamboreteria de Deblande, em frente à casa de Dona Maroca. Ali se encontravam os mais resistentes tamboretes feitos de São Joeiro maduro. Deblande, com mais de um metro e noventa de altura, nas horas vagas atuava como juiz de futebol, no único campo da cidade, também privilégio do Cascalho. (nessa época ainda nem existia o Betonicão, lá na saída pra Hidrolândia) O filho da velha Cândia era um juiz desprovido de apito, mas durante o jogo carregava uma peixeira feita de Corneta engastaiada na cintura, proporcional ao seu tamanho. Mediante aquela prova concreta de autoridade, ninguém questionava a arbitragem. Quem teve o prazer de assistir aos sensacionais jogos do Fluminense de Uibaí, com Chiquinho de Jaime no gol, Sinozinho, João de Odetina, Quinquinha no ataque e Chiquinho de Paulo zagueirão, principalmente aos treinos, sabe do que eu estou falando. Creio que Deblandão só atuava nos treinos.
Desculpem-me a irresistível digressão, estava falando de tamboretes. Pois bem, quem não quisesse os tamboretes de Deblande poderia encomendá-los em Leno Sanfoneiro, mais embaixo, próximo à casa de Domingo Dodô, este, um maluco que descia o cascalho com uma bicicleta barra circular em toda a velocidade, atravessando tudo quanto é batume de mato, indo parar na porta da casa de Leno, com os dois pneus furados, cravejados de espinhos de malva de garrote. Era uma diversão meio sem lógica, mas maluquice dispensa lógica. Voltando novamente aos tamboretes, Leno, além de fabricar esses importantes utensílios, ainda fazia a fezinha na sanfona, animando uma ou outra farra.
Da casa de Dona Maroca dava pra ver quase que frontalmente, entre a saída para o Janjão e a entrada para a Veredinha, a venda de Dona Antônia, mãe de Marinezão, Tineco, entre outros. Era uma birosquinha, mistura de venda e bar. A velha administrava a família com pulso firme, num sistema de matriarcado absoluto. A ela pertencia ainda a única casa de farinha da cidade, também no Cascalho, pouco abaixo do Curral da Matança.
O Curral da Matança era um curral velho feito de madeira de lei no qual os bois ficavam recolhidos esperando o abate. Dia de abate dava uma mistura de medo, prazer e aventura ver aqueles bichos furiosos, como que pressentindo a morte, sendo laçados pelos vaqueiros Jaimim e Domingo Paieiro. A meninada ficava atônita diante de homens domando a força bruta, com igual brutalidade. Tudo ali no Cascalho, o bicho imobilizado levando uma machadada no cachaço ou um tirão de rifle bem no meio da testa.
Subindo a rua, a partir do Curral da Matança, ao lado da casa de Deblande havia o chiqueiro de Verneú, um criatório grande que misturava caprinos, ovinos e porcos de raças variadas: Duroc, Piau, Baé, Beradeiro. O cheiro não era dos mais agradáveis, porém, em manhã de venda e capa de porco era divertido ficar trepado na cerca de sisal vendo os homens estabanados atrás dos bichos. João Capa Porca afiando o canivete e os gritos do suíno sendo emasculado ou esterilizado.O porco sem bagos saia meio envergonhado e a porca sem ovários meio esguia e acanhada. Na pesagem havia cada porcona de quinze arroubas desafiando os pesos da balança que era de se admirar. Hoje, a travessa que liga o Cascalho àquela construção faraônica inacabada, que dizem ser de um ex-padre, ocupa exatamente parte do espaço do antigo Chiqueiro de Verneú.
Mais acima, muito depois da casa de Dona Nair de Valdivino, onde de manhã cedo se buscava o leite fresquinho saído da ordenha, quase no meio da Rua do Cascalho, tínhamos o mais generoso pomar de Uibaí, a casa de Dona Mariinha de Leandro, com um cercado imenso sortido das mais variadas fruteiras. Na casa da bondosa e paciente Dona Mariinha sempre era tempo de alguma coisa. Quando não era de manga, era de pinha, quando não tinha pinha, tinha caju ou serigüela ou côco. A meninada se fartava em cima dos pés de manga-mamão, nos pés daquela manguinha miúda fiapenta e deliciosa, debaixo dos cajueiros ou atirando pedras nos coqueiros muito altos, em busca de cocos velados.
Para quem achava que a vida não deveria ter muita graça, numa rua abandonada como aquela, aviso agora que nem falei do parque de vaquejadas que existiu por ali, nem do alarido de carros e cavalos com toda sorte de gente vinda dos povoados no dia da feira. Nem das manadas bovinas que se encontravam a caminho do pasto, obrigando os marruás dos rebanhos a encenarem um espetacular duelo de chifres e forças em plena manhã de primavera. Nem das vacas paridas escorraçando transeuntes desavisados e botando gente nos pára-peitos de portas e janelas; nem em Zé de Nica cantarolando pela rua suas canções de Roberto Carlos, alheio a tudo e a todos ou em Hora é Esta, saudoso personagem, entoando diuturnamente seu refrão, como um relógio cuco: -A hora é esta! Ou em seu Genéis, pai de Dona Zilda e de Dimari, um homem de força descomunal que, já sexagenário, arrastava Cascalho acima uma árvore seca inteira, trazida sabe-se lá de qual distante capoeira, para cortar no machado diante do ranchinho em que morava; ou no negro Soizinha, pagodeiro, cheio de manha africana e de superlativos... Figura simpaticíssima. Muito há do que se falar sobre aquela rua de minha infância e adolescência, a única atualmente a contar com juazeiros frondosos a derramar suas sombras frescas sobre o abafado da tarde.
O nome pomposo de general, o povo rejeitou e fez bem. Rua que tem vida não merece nome de general, a bem da verdade, nome nenhum que cheire a imposição. Rua que tem vida se autonomeia. E é isso que acontece, não se vê gente falando na rua General Costa e Silva. Prefere-se a metonímia feita da matéria que talvez mais importuna o povo: o cascalho pedregoso que levanta uma poeira branca e incômoda, a medida em que os carros vão passando. Eis a Rua do Cascalho que também aceita ser chamada de Rua Pé de Galinha, nome inventado por Ri de Valdivino, quando este observou corretamente que a rua se abria como um pé de galinha: um dedo seguindo em direção ao Mane Janjão, outro seguindo para a Veredinha e um último indo rumo a Boca Dágua.
(alan oliveira machado, abril de 2006)



VACA AZUL DESMAMANDO

Veja ilustre leitor
Como a coisa tá mudando
Antes era só tiroteio,
Perseguição e desmando
Agora tem Audiência
E Réuzinho reclamando
Com as porretadas do povo
Desfazendo os seus plano
A coisa tá mesmo “feia”
A Vaca Azul desmamando
Dorimal e outros bezerros
Andam na rua berrando:
Meu Deu$, se o rumo mudar
O que vai $er do meu bando?
Promotor já disse logo:
Não quero conta faltando!
Se gastou e não se viu
O cabra entra pelo cano
Responsabilidade fiscal
Moralidade no ramo
Se quiser administrar
Tem que sair proclamando
O que o poder tá fazendo
O que o poder tá gastando
O que faltou, devolver!
O que sobrou, aplicando!
Se vacilar vai perder
O povo pega o comando
E bota pau pra comer
Com a justiça apoiando.
Tomara seja verdade
E eu não esteja sonhando
(J.M. da Silva)